sábado, 24 de setembro de 2011


                                                Regina Viarum

As ruas de minha cidade são artérias carregadas de indispensáveis ânimos ou de um pesado desalento que escorem pelos granizos disformes de um roto calçamento. Às vezes escoa uma rara coragem que escapole de alguma porta aberta e se arrua, esvaindo-se, a dizer que na minha cidade ainda há esperança e fé.
            Alegro-me ao pronunciar tantos nomes insignes estampados pelas placas das duras esquinas, a indicar que aquela via tem um Senhor, tem um dono e não é só um número seco e uma letra morta que nos serve de orientação. Um distanciado cidadão emprestou-lhe o digníssimo nome para continuar a nos orientar rumo ao destino final, nesta nossa longa e tediosa caminhada.
            Nasci e finquei minhas profundas raízes como aquelas velhas Algarobas e aqueles frondosos Benjamins, na Rua Frei Vidal da Penha numa infância solta, numa rua de terra batida, onde jogávamos pião, bolinha de gude, quando vinha uma amenizante chuva, construímos ilusórias barragens, no meio da rua, represando suas coxias para criar imensos açudes. Lá, me fiz em longitude e equilíbrio.
            Medrei na Frei Vidal, minha eterna Regina Viarum, e só há pouco despertei para a importância de seu nome, como muitos desatentos citadinos que não sabem o porque do título da rua onde moram.
Frei Vidal da Penha, um Frade Menor da Ordem Dos Capuchinhos, passou por minha rua, nos instantes finais do século XVIII, com seu hábito pobre e descalço, com seu o capuz pontiagudo, com uma longa barba branca a indicar uma idade avançada, uma vida sofrida de um pregador itinerante. Era grande a multidão que vinha de toda parte e se aglomeravam em sua volta, para ouvi-lo. Ele sempre pedia àqueles de abastadas posses que construíssem uma capela ou erguessem uma grande cruz por onde passava. O cruzeiro da Rua Frei Vidal era o confim, era o extremado limite para as aventuras daqueles meninos que brincavam comigo, livres como os pássaros da minha rua. O missionário eremita seguia peregrinando pelas trilhas da Vila Príncipe imperial e se embrenhava pelo Ceará deserto e sedento de esperança e vida.
As ruas que existem no mapa de Crateús homenageiam nossos personagens ilustres, filhos ou não desta nossa urbe, com o pai da aviação ou o magnânimo D. Pedro II, o imperador do Brasil, que nos deixou à posteridade 5.500 páginas de seu diário, registradas a lápis em 43 cadernos, que nos possibilitam conhecer um pouco mais do seu perfil e pensamento. Foi por determinação de D. Pedro, após a guerra do Paraguai, que se passou a homenagear as pessoas ilustres. Padres, chefes políticos, intendentes, juristas, desembargadores, magistrados, professores, coronéis, todos ganharam uma extensa rua para perpetuar seus dignos nomes.
            Hoje não mais resido na saudosa Frei Vidal, a via arterial da minha infância, habito a Rua José Coriolano, uma homenagem ao nosso grande poeta, político e jurista. José Coriolano de Sousa Lima que ainda é muito pouco reverenciado, escassamente lembrado pelo real valor literário de seus versos, contidos no livro “Impressões e Gemidos”.  O príncipe dos poetas piauiense, como era reconhecido, nasceu na realidade em Crateús, quando fazíamos parte do vasto mundo do Piauí.  O nobre poeta cantava sua terra, assim: “Lindo Sertão, meus amores / Crateús, onde nasci / Que saudade, que rigores, / Sofre meu peito por ti!/ São amargos dissabores / Que em funda taça bebi! / Que saudade, oh meus amores, / Crateús, onde nasci!”. 
            A Princesa do Oeste é uma centenária cidade de um agreste que continuamente cresce, e vai florescendo com novas ruas, que precisam de uma boa denominação, coisa bem fácil de achar no rol de nossos cidadãos ilustres que já nos deixaram. Foi uma agradável surpresa, ao perambular pelos bairros de nossa cidade, ver estampado numa placa azulada de uma esquina no novíssimo bairro dos Patriarcas o nome: Raimundo Cândido, um ser humano dotado de uma profunda fé e uma dignidade impar. Comerciante dos velhos tempos, das antigas e saudosas bodegas de um rústico balcão enegrecido onde o tempo parava...  Um irmão mariano de imenso sentimento cristão, de principio moral, apaixonado pelo servir, pela vida e por duas digníssimas Marias. Uma lhe auxiliando no Céu e a outra na Terra, como o nosso poeta José Coriolano em quem o amor era tão intenso, tão abrangente, como declara, em um de seus versos: “Sim, Maria, meu anjo, terno encanto! / Quanto te amo, dizer não sei, não posso. / É amor que não pode ser descrito / Porém nele o rigor d’ausência adoço!”“. 
Deixo, ainda, a canção do Príncipe Coriolano encerrar essa narração como uma saudosa conclusão carregada de melancolia: “Crateús, que dor tão viva! / Ai tempos que já se vão! / Ao teu nome a dor me aviva / que sente meu coração / Assim sofre a sensitiva / ao toque da incauta mão! / Crateús, que dor tão viva / Ai eras que já lá se vão!

Raimundo Candido



quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Convite



A equipe do Programa Alfabetização na Idade Certa - PAIC tem a satisfação em convidar ilustres escritores e escritoras de Crateús, membros da Academia de Letras de Crateús deste município para participar de um café Literário a ser realizado, no Auditório da Secretaria de Educação nos dias 27 à 30 de setembro de 2011 às 8h. O momento visa estimular a criação de ambientes favoráveis para leitura e escrita no âmbito escolar.

Ficaremos horados com sua presença.

Atenciosamente.
Lindaléia Aires Evangelista
Coordenadora Técnica Pedagógica
Gerente Municipal - PAIC
(SIC)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Seu Menor em Tom Maior


Seu Menor em Tom Maior - Um poeta mesclado no campo e na cidade.

           O saber é o que se aprende nas escolas. Isso quando se ouve os professores e se queima as pestanas em cima dos livros, para se adquirir uma erudição enciclopédica e impressionar os tolos. Serve para que se fique perito, instruído, até chegar alguém e nos denominar de sujeito sabido. É como uma chave que pode abrir uma porta para um futuro melhor. Como disse um dos grandes teóricos desta nossa mimética educação, o tal de Paulo Freire: “Não há saber mais ou saber menos: Há saberes diferentes”. Como há, também, diversos tipos de chaves para movimentar as linguetas das fechaduras e das circunstâncias e só!
          Já a sabedoria... É um terreno para se andar com calma. É úmido, escorregadio, dificultoso e o incauto, se não se acautelar antes e refletir depois, a priori, pode ir ao barro no momento de sua primeira pisada. Tive a honra de conhecer algumas pessoas, já afeiçoadas a uma notória longevidade e a uma rija vida, sem carregar todo esse saber escolástico, as quais se tornaram sabedorias, ainda com alma de jovens, buscando saberes para suavizar o amanhã. Não se espante se eu lhe disser assim, baixinho, o que descobri com um desses raros personagens, que até hoje esbanja uma utilíssima experiência de vida e muito influi na história de nossa urbe. Aprendi surpreso, com esse cidadão, que o limite real do homem para com uma longa e feliz vida é só a imaginação. Não se assuste, se eu lhe contar, em alto e bom tom, que por ter um cognome pequeno, que é de se admirar, já que é dificilíssimo a gente ver por aí um Sábio-Poeta-Grandalhão se chamar “Seu Menor”. Por seu legítimo nome, Antonio Soares Martins, ninguém vai conhecê-lo. Então, apresento-o: Éis, aqui, o poeta Menor em tom maior, que verseja com grande engenhosidade e sabedoria, o Seu Menor!
Crateuense dos bons é aquele que tem orgulho da sua terra. Desse brio esbanja o Seu Menor que, com a espada azul dos poetas, enfrenta aquelas raposas astutas, cínicas, essas figuras que conhecemos muito bem. Com uma inspiração automática, dispara versos de sua fluência para defender seu povo:
Crateús é muito bom,
de muita hospitalidade,
a única miséria que há
é o político de maldade.
            Enquanto proseávamos sobre assuntos corriqueiros da vida, porquanto conversar com um poeta além de privilégio nunca é jogar conversa fora, chegava um moto-taxi trazendo noticias lá do Km 18, onde fica o seu aconchegante ninho, no Adão, distrito de Irapuá. Avisava que ouve um probleminha no parto de uma cabra, tiveram que puxar o cabritinho que já estava morto. Com espírito calejado de tanto enfrentar um problema atrás do outro, sabe que o modo como o encara é que faz a diferença. Relembra de um empréstimo que fizera na Caixa Econômica. Não respeitaram os meses de carência e com umas parcelas já quitadas, nem os comprovantes tinha. Reclama ao gerente, em versos e no meio de uma longa fila de clientes:
                                             O Brasil é só problema
mas é coisa que logo passa.
A riqueza sem origem
é uma cortina de fumaça.
Deus nos livre do inferno
e das portas da Caixa.
           O aplauso dos impacientes clientes, foi geral. No outro dia o gerente estava, bem cedinho, no comércio de Seu Menor, para deixar os comprovantes e ainda levou um calendário de brinde. Seu Menor tem a energia dos apaixonados, no alforje de sua experiência. Sabe que a paixão queima, o amor enlouquece e o desejo trai. E nos conta em versos a historia do Chico vaqueiro, que chorava demais, pois um rapaz carregou a mulher dele:
Vou lamentar a sorte
Do pobre de meu vizim,
Sendo ele o Chico velho,
Vaqueiro de seu Benjamim,
Que lhe roubaram a mulher
E deixaram o pobre sozim.

Foi este o golpe fatal
Pra quem tem compreensão
O pobre perdeu os planos
E até sua colocação.
O cabra é tão maluco,
Perdeu toda Proteção.

Mas foi um plano muito errado
Do pobre deste rapaz,
Carrega esta maluca
Com um troço do satanás,
O que ela fez com o marido
Com ele mesmo faz.
Ainda nos deu um bom conselho final e quem tiver juízo para ouvir, ouça:
Quem tiver mulher bonita,
muito mimosa e querida,
nós estamos no comunismo:
Tenha cuidado na vida!


Raimundo Candido

joao silas falcao soares disse...


Poeta, você é um ótimo caçador de assuntos. Uma sentinela do passado. Você sempre se volta para o pensamento do dia anterior de até muitas décadas. Creio que o seu acervo de realidades colhidas daria um volumoso e magnífico livro . Seu Menor era da vizinhança do meu pai. Vizinhança comercial daquele ambiente que me toca de saudades: o Mercado Central. A mercearia sortida atraia clientes para as feiras de sábado. Mas o segredo não era somente a variedade de produtos que seu Menor organizava nas prateleiras, mas a variedade de conversa. Meus ouvidos, ainda menino, captavam seu Menor falando em tom maior sobre a política e causos da nossa cidade. A memória de Crateús não seria a mesma sem o seu Menor. Ele tem páginas na história política da nossa cidade. Parabéns por sua sensibilidade, Raimundinho.

Beleza ver o blog da ALC restabelecido.
Abraços.

JASouza. disse...
Ilustre Poeta "Bodegueiro":
Depois desta beleza de comentário do João Silas, parece-me que não teria mais o que acrescentar.
Porém, ai por trás desse balcão de letras, ainda existe um vendeiro sensível de saborosas conversas que enriquecem com sua sensibilidade o nosso conhecimento intuitivo.
Está na hora do "solo" da sua estreia editorial.
Sexta-feira, 23 Setembro, 2011

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

REUNIÃO BIMESTRAL - EDITAL DE CONVOCAÇÃO

Pelo presente edital, ficam os 30 membros efetivos da Academia de Letras de Crateús - ALC convocados para Assembleia Extraordinária e reunião bimestral, que se realizará no dia 1° (primeiro) de outubro de 2011, às 18:00h, em nossa sede, à Rua do Instituto Santa Inês, n° 231 - Centro - Crateús, para tratar e deliberar sobre a seguinte pauta: 1) apreciação editorial e de projeto gráfico das publicações sobre o centenário de crateús; 2) programação da ALC alusiva ao centenário da cidade; 3) outros assuntos do interesse do sodalício.

Crateús, 19 de setembro de 2011

ANTONIO ELIAS DE FRANÇA
Presidente