sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Lançamento da revista PARA MAMIFEROS N° 3.
Data: 5 de novembro de 2011 (sábado) – DIA NACIONAL DA CULTURA
Horário: 19h
Local: Auditório do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (ao lado do Planetário)
Valor da Revista: apenas R$ 10,00
Editores: Tércia Montenegro, Jesus Irajacy Costa, Pedro Salgueiro, Glauco Sobreira, Nerilson Moreira e Raymundo Netto
com participação de Luciano Bonfim (Crateús)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011


                                            SUETARK ARRET OD EVETÁJ
A primeira vez que tentei ler esse nome, me veio na intuição que toda complicação do mundo é obra propositalmente humana. Não tinha outra designação mais fácil não, para se denominar esta localidade tão longínqua? Chegou-me num estranho email, e fiquei com receio de abrir, pois o mundo virtual, como o real, está virulento demais. Admiro assaz os etimólogos que com sua agudeza de espírito e sua curiosidade perspicaz  vai à raiz da palavra e bebe do seu sumo, como os biologistas que se imiscuem no emaranhado microscópico do DNA e desamarram de lá os seus divinos segredos. Mas foi preciso bem mais do que um etimologista, e intimei um daqueles arcaicos glotologista de óculos de fundo de garrafa que já tem a aparência de um bolor de mofo, pois vivem eternamente enclausurados, confabulando com seus antiguíssimos alfarrábios amarelados. Mas era um raríssimo glotólogo sertanejo, meu dileto amigo, chamado Gilberto, especialista não só na origem das palavras, mas também no sigilo vocabular de todas as línguas ainda balbuciadas por aí. Olhou, profundamente, para o complicado nome com uma esforçada concentração, que chegou a brotar umas gotas de suor na sua testa lisa, e com a surpresa de um velho ator de novela, espontâneo em sua performance, disse-me:
 — É uma frase Russa, meu caro amigo Raimundo! Tenho certeza absoluta que devemos traduzir-la mais ou menos assim: O ÁRIDO VALE DO LAGARTO. Você vai querer que eu prossiga na leitura do restante do texto?  Não esperei ele perguntar novamente:
— Gilbeeerto, meu amigão, vá lá! Só você mesmo me ajudaria a decifrar essa estranha mensagem que vem lá do outro lado do mundo.
— Raimundinho, aqui diz que a cidade de SuetarK, está comemorando cem anos de existência e este email faz parte das medidas aprovadas para divulgá-la. Ela fica numa vasta tundra desértica, com uns ralos tufos de vegetação xeromórficas, daquelas que não necessitam de muita água, como os nossos mandacarus. Faz um frio insuportável em determinadas épocas do ano, como aqui, não acha caríssimo Raimundo. (Era uma de suas sarcásticas piadinhas.) E prossegue:
— Está dizendo que essa cidade é diferente dos demais povoados russos. Eles vivem fazendo suas experiências para melhorar a vida dos seus cidadãos. Tentaram, por último, implantar em surdina, um sistema democrático para ver se as coisas mudavam por lá. Acharam que se, aqui, o comunismo está se imiscuindo com uma democracia, por que o comunismo de lá não poderia se acasalar com a democracia daqui. Dizem aqui nesta missiva, que foi um desmedido engano, e que logo se arrependeram. Tiveram que, primeiro, acabar com uma câmara de vereadores, pois viviam brigando, cada qual puxando brasas para sua sardinha. E por último tiveram que desativar todos os gabinetes de uma inoperante prefeitura repleta de vorazes tentáculos. Dizem até que descobriram o verdadeiro cancro das democracias. 
Quão grande não foi minha surpresa com aquelas banais informações, que me veio um habitual enjôo e logo disse:
— Já chega amigo Gilberto! Esse tal de ÁRIDO VALE DO LAGARTO lá da Rússia está me parecendo muito mais com um velho lugar que conheço. Mas saiba que cada vez mais acredito naquela tal teoria dos buracos de minhoca que nos fala a Física Quântica, com seus  mundos paralelos. Tenho a impressão que este email não passa de uma brincadeira de algum intrometido escritor de um outro mundo, também chamado Raimundo, que não tinha que fazer e fica tomando nosso precioso tempo. Volte para os seus queridos alfarrábios e me desculpe, meu amigo, que eu também vou regressar aos meus belíssimos sonhos no aconchegante balanço de minha rede.

Raimundo Candido

Karla Kafka disse:
Eita Raimundo! Cutucando bem direitinho as feridas do modo de vida deste povo.



Marcos Pereira disse...
Valeu professor! Sempre acompanho seus escritos, mas colocar um título embutido no outro foi    demais. Sensacional mestre!

  João Silas Falcão Soares disse...
                                 SUETARK ARRET OD EVETÁJ
A Karla Kafka foi no alvo: cutucar as feridas. E eu completo: do povo SUETARK.
Que anagrama, Poeta!

domingo, 30 de outubro de 2011

                                                          Estecom – Setentas Lamparinas

Quem se achava naquele amplo pátio, onde já corria uma leve brisa noturna, se embevecia ao ver os corredores sempre superlotados de joviais alunos, tão logo um aguardado sino soava, avisando o intervalo. Ali, naquela febril algazarra estudantil, foi onde realmente teve inicio a nossa firme cidadania.  Antes de ser uma cidade culta e amadurecida, Crateús foi ao colégio. Adquiriu na Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio, quase todo o centenário tesouro antropológico e cultural que se funde com o que aprendemos, com o que projetamos, com o que sonhamos e vivemos desde aqueles duros anos de bancos escolares, norteados por inesquecíveis mestres e o mais influente deles foi, sem duvida, o inexorável tempo.
A Escola Técnica apaga, nesse cálido ano de 2011, setenta árduas velinhas, que as ouso chamar de “As Setenta Lamparinias” em homenagem a um dos momentos mais grandiosos promovido por seu corpo discente, na figura de seu grêmio estudantil, pois se atreveu a existir numa época bastante difícil, que nos faz recordar a morte de quatro estudantes: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, inspirando a revolução constitucionalista de 1932 e que acabou desabando na passagem da Coluna Miguel-Prestes pela nossa terrinha, numa grande façanha de uns poéticos revoltosos.
No dia 1º de abril de 1964 um golpe militar derruba o presidente João Goulart, estava instituída a famigerada ditadura militar. A resistência a essa aberração só existiu pelos atos heróicos proveniente da corajosa alma estudantil, no qual muito foram presos, foram mortos ou simplesmente desapareceram como uma leve fumaça no ar.
Crateús era espreitada noite e dia, por causa do eminente, singular e “ameaçador” Bispo “Comunista” Don Antonio Batista Fragoso.  Época em que a nossa luzidia energia elétrica advinha de um potente motor a óleo. Alguém, pontualmente às 22 horas, o desligava para que os cidadãos pudessem repousar e ainda fazia um receoso sinal para que os seres noctívagos começassem a vaguear pelos cantos de nossas casas e pelos recantos de nossas mentes, já que na claridade do dia nos sobrava o que se temer. 
O dia-a-dia seguia bucolicamente simples quando um digníssimo prefeito enviou uma mensagem para a entediada câmara dos vereadores, que a rejeitou por algum motivo escuso e que feriria os seus interesses, levando o nosso gestor crateuense, Dr. Olavo Frota, a tomar uma brutal atitude ditatorial, trancar a Casa de Força e jogar a chave lá dentro. Ficamos as escuras, entreguem às figuras de nossos pesadelos noturnos, já que as aflições diurnas sobravam pelas esquinas. De qualquer reunião, mesmo sem nada urdir, logo chegava o seu desfecho às ouças militares, pois era também uma época de gratuitos dedos-duros, de vis delatores.  
            O Grêmio Estudantil da Escola Técnica, tendo como Presidente um inteligente jovem chamado Neto Gonçalves, a Vice-Presidência era exercida pelo tranquilo Manoel Messias Coriolano e na Oratória Oficial, já treinando sua famosa eloqüência, o dinâmico Juarez Leitão, resolve tomar providências urgentes. Conspiram em surdina, tramam uma inusitada PASSEATA DAS LAMPARINAS em protesto ao ato insano de se jogar na escuridão esta terna cidade que estava a necessitar, como o restante do país, de muita luz. Centenas de alunos preparam suas lamparinas como uns luzidios mosquetões de guerra. Mas tão rápido quanto telegrafia, a noticia chega aos ouvidos da caserna.
            O Neto Gonçalves estava bem nervoso quando o ordenança de um poderoso coronel chegou a Radio Educadora, local onde trabalhava, para o levar. Manoel Messias corre para avisar o restante do grupo. O Coronel já abanava o dedo em riste no nariz do pobre Neto, lhe impondo as ameaças de mil doloridas borrachadas nos lombos, quando de súbito uma porta se abre, era o restante do grêmio estudantil da Escola Técnica, que vinha em seu socorro.
            — Que é isso, Coronel? Para que tanta pancada num pobre homem, doente e raquítico, divida tudo isso conosco, dá menos pancada para cada um.   
            Era o Juarez leitão soltando sua persuasiva lábia para convencer o coronel a não cometer a atrocidade de bater no Neto. Quem tem o dom da oratória leva consigo uma varinha de condão, com a propriedade de desfazer o não e de negar o sim como num passe de mágica. E aos pouco tudo foi se acalmando, de tal modo que já estavam até tomando um gostoso cafezinho trazido pelo mesmo ordenança que tinha ido buscar o Neto.
            O Militar pede aos gremistas que não realizem a tal passeata das lamparinas, o estudante Juarez indaga: — O que o senhor nos garante, coronel?  Responde de imediato o oficial: — Garanto que, bem antes da passeata de vocês, já tenho arrombado a casa de força e ligado a energia. Manda o ordenança levar os meninos de volta para que impedissem a marcha das lamparinas, a tempo. Muitos militares já estavam nas ruas, de prontidão e com poderosas metralhadoras nas mãos.
            Centenas de estudantes também já os aguardavam na praça da matriz com suas lamparinas acesas, e ali mesmo no monumento chamado pitoco do Seu Raimundo Bezerra, as depositaram, com suas bruxuleantes luzes a clarear o bojo de uma época em que ainda estava por vir carregada com muita escuridão.
            Pelo setuagenário ano da Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio, a nos lembrar do sábio sacerdote que lhe emprestou o nome e que gostava de beber água das fontes puras e cristalinas, proveniente lá das nascentes dos Tucuns, esperamos que a Escola continue sendo essa pura fonte de sabedoria e coragem. E também para que a luz se fortaleça em cada flamulazinha que se amolda hoje, em seus bancos escolares, como aquelas outras esperançosas lamparinas que continuaram clareando na escuridão, é o que sinceramente desejamos, por mais setenta vezes sete, as abundantes forças em prontidão para que a renomada Estecom prossiga, sempre a nos iluminar.

Raimundo Candido
          Paulo Nazareno. disse...
Obrigado Raimundinho. Vai nao vai nos presenteia e nos ilumina.
          João Silas Falcão Soares disse...
Poeta, muito interessante receber estas informações sobre a Passeata das Lamparinas. Outra vez, parabéns.