terça-feira, 3 de junho de 2014



TOQUE DE ACOLHER

Antes de dormir, o Fidalgo de rua apaga a lua.


O VENDEDOR DE TEXTOS

A luz do sol atravessa suavemente a transparência do rosto esquerdo de Vnoy


OS CABELOS

Gira a chave da porta às dez da manhã. Na bolsa, o espelho e escova. No destino, senta sua beleza na cadeira que a aguarda e penteia amorosamente os longos cabelos dourados. Por horas. Ela repete essa leveza há décadas. No cemitério.



Micro contos do livro O colecionador de dedos, de Silas Falcão




DECÁLAGO DO CONTISTA


Horacio Quiroga



Creia em um mestre — Poe, Maupassant, Kipling, Tchekov — como em Deus mesmo.

II 
Creia que sua arte é um cume inacessível. Não sonhe em domá-la. Quando puder fazê-lo, você o conseguirá sem mesmo sabê-lo.

III 
Resista o quanto puder à imitação, mas imite se o influxo for ­forte demais. Mais do que qualquer outra coisa, o desenvolvimento da ­personalidade é uma grandepaciência.

IV 
Tenha fé cega não em sua capacidade para o triunfo, senão no ­ardor com que o deseja. Ame a sua arte como à sua namorada, ­dando-lhe todo seu coração.


Não comece a escrever sem saber desde a primeira palavra aonde vai. Em um conto bem realizado, as três primeiras linhas têm quase a importância das três últimas.

VI 
Se quer expressar com exatidão esta circunstância: “Do rio soprava o vento frio”, não há em língua humana mais palavras do que as apontadas para expressá-la. Uma vez dono de suas palavras, não se preocupe em observar se são consoantes ou assonantes entre si.

VII 
Não adjetive sem necessidade. Inúteis serão quantas notas de cor adicionar a um substantivo débil. Se achar aquele que é necessário, apenas ele terá uma cor incomparável. Mas tem de achá-lo.
VIII 
Tome seus personagens pela mão e conduza-os firmemente até o final, sem ver outra coisa além do caminho que lhes traçou. Não se distraia vendo o que eles podem ou não lhes importa ver. Não abuse do leitor. Um conto é um romance depurado de cascalho. Tenha isto como uma verdade absoluta, mesmo que não seja.

IX 
Não escreva sob o império da emoção. Deixe-a morrer, e evoque-a depois. Se for capaz então de revivê-la tal qual foi, terá chegado à metade do caminho na arte.


Não pense em seus amigos ao escrever, nem na impressão que causará sua história. Conte como se seu relato não tivesse mais importância do que para o pequeno ambiente de seus personagens, dos quais você poderia ter sido um.
De nenhum outro modo se obtém a vida do conto.


Horacio Quiroga

Horacio Silvestre ­Quiroga (Salto, 31 de dezembro de 1879 - Buenos Aires, 31 de dezembro de 1937) foi um escritor uruguaio famoso por seus contos, que geralmente tratavam de eventos fantásticos e macabros na linha de Edgar Allan Poe e de temas relacionados à selva, sobretudo da região de Misiones, na Argentina, onde Quiroga passou parte da vida. Sua obra mais famosa são os Cuentos de amor de locura y de muerte (1917; título sem vírgula no original), na qual se encontra o célebre conto A Galinha Degolada. Em 1937, após ter sido diagnosticado com câncer, Quiroga cometeu suicídio, ingerindo uma dose letal de cianureto.



Postagem: Silas Falcão