O biógrafo Lira Neto, na acurada pesquisa que realizou sobre o escritor e político cearense José de Alencar, relata com detalhes a intimidade dos jornais com a produção literária no período imperial.
Os periódicos de uma maneira geral se constituíam no principal estuário da efervescência cultural daquelas distantes eras.
O estilo literário do cearense de Messejana, também conhecido como romance de costumes, em que se destacam livros como Diva, Lucíola e A Viuvinha, passando pelos romances regionalistas tipo O Sertanejo e O Tronco do Ipê, incursionando pelos históricos As Minas de Prata e A Guerra dos Mascates, até chegar ao mundo indianista por meio de Iracema e O Guarani, foi sempre inicialmente festejado na imprensa. Os jornais da época publicavam, em primeiríssima mão, capítulos de suas obras.
Mais do que pergaminhos noticiosos, os jornais cumpriram ao longo da história a solene missão de fornecer aos apreciadores da leitura a porção estrelada dos fonemas, o delicado perfume da crônica, o fermento sedutor da poesia.
Nesta edição o Jornal Gazeta do Centro Oeste finca o mourão dos quinze anos de existência, saúda a alegria vital e estende à retina de todos a faixa de feliz aniversário!
Há uma década e meia João Aguiar idealizou este quinzenário. Convidou amigos e autoridades, preparou uma grande festa e exibiu o recém nascido à luneta da comunidade sob paternal emoção.
Depois de algum tempo passou a tocha para César Vale, que o pôs no topo do console: é o mais longevo forno de formação e informação escrita da nossa centenária cidade. Poucos sabem ou imaginam ou têm ciência ou se dão conta de quão meticulosa ou árdua ou exigente é a tarefa de organizar um Jornal. Hercúlea função.
Sei que o seu editor às vezes encetou campanhas em que recebeu pedradas de incompreensão. Polemista arrojado, já levantou bandeiras fulgurantes, como aquelas bordadas com as cores da nossa flora, exibindo as palavras de ordem de defesa do meio ambiente. Em outros momentos, esposou posicionamentos políticos que geraram reações adversas. Não quero aqui entrar nesse terreno. Não quero por na mesa de hoje o cálice amargo ou derramar o líquido ácido, apesar de sabê-los indispensáveis ao ofício jornalístico.
Quero, em especial, reconhecer o contributo saudável. Valorizar o mérito prazeroso. Enaltecer a dignificante edificação.
O Jornal Gazeta do Centro é responsável por grande parte do banquete cultural que a cidade de Crateús hoje experimenta.
Como o periodismo dos tempos do Império, aqui tivemos a oportunidade de conhecer em primeira mão a fluência literária de bons mestres das letras.
Algumas pessoas se revelaram luminares da escrita, talentosos manejadores das palavras através da incubadora deste periódico. A cidade hoje festeja nomes que se revelaram exímios cronistas pelas colunas da Gazeta. Flávio Machado é um exemplo desse movimento de fecundidade literária.
O nosso Silogeu, a Academia de Letras de Crateús, teve seu primeiro estalo levado aos tímpanos da população por estas páginas. Quantos e quantos movimentos outros de emoção e sensibilidade, de alegria e cidadania emergiram do leito deste Jornal?
Aqui se ouviu o primeiro grito contra a algazarra, o barulho ensurdecedor, a perturbação do sossego alheio. Daqui explodiu uma luta renhida contra a poluição e em favor do equilíbrio sonoro.
Só para citar outro exemplo: quem não lembra de ter lido as garrafais letras que denunciavam a crueldade ante o tombamento injustificado de árvores centenárias? Foi por estas páginas que escorreram as primeiras lágrimas oriundas daquelas caudalosas raízes...
Por dever de justiça impõe-se que reconheçamos a dedicação obstinada, a tenacidade guerreira do editor destas páginas. Este tem sido um Jornal forjado por múltiplos colaboradores, mas que se sustenta em uma só coluna: César Vale. Sei que não raro o concreto do tempo o açoita. Espero que não o desestimule.
Nesta edição desejo, de coração, que o único veículo de comunicação local com capilaridade nacional continue a ser um elo integrador da conterraneidade. Mas que, sobretudo, sobre tudo, continue sendo um semeador de letras que fortaleçam o espírito, animem a esperança e alimentem o altruísmo humano.
(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, de Crateús, Ceará)
Este é o chão sagrado da Academia de Letras de Crateús na internet. Como um templo ecumênico, nele há espaço para todos que adoram cultuar a beleza da virtude, a simplicidade da inteligência, a singeleza do verbo, o fascínio da cultura, a liberdade da palavra, a profundidade do amor.
terça-feira, 12 de junho de 2012
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Trem de Fogo
O tema me veio à baila quando
o Hilário (do latim hílare, alegre, contente, gracejador) Ferreira Azevedo — um
jovem crateuense que numa seriedade brincalhona se intitula o “PARA SEMPRE” na
página do CRATEÚS: FUTURA CAPITAL DO ESTADO mantida no Facebook — postou uma
foto com uma afirmação que comprova o adequado uso de seu nome: ”Vejam que esta
placa fala da construção do Metrô de Sobral, vamos ver quando sairá o de
Crateús!”. Comentei, reforçando sua zombaria: “Eh, eh, eh! Esperaremos PARA
SEMPRE. Esta inquietação é hilariante, Hilálio!
A brincadeira é também uma
forma de dizer a verdade e, sobretudo, revestida de uma fina ironia como um
entretenimento para o coração, a emanar de uma sensibilidade espirituosa que o
diga o pai da Capitu, o bruxo do Cosme velho, Machado de Assis.
Algumas recordações me
chegaram, inesperadamente, com a gratuita distração daquele momento. A primeira,
foi na forma de uma consequente indagação: O que seria hoje daquela pessoa que
fora batizada, inadequadamente, com o nome de Um Dois Três de Oliveira Quatro ou de
outra chamada de Naida Navinda Navolta Pereira, estariam bem resolvidas, como o
nosso querido Hilário?
A outra reminiscência foi a que me apertou,
dolorosamente, o dissolvido peito, pois não posso ouvir alguém falar em ferrovia
sem que eu viaje para uma época remota de minha infância, quando ia esperar o
trem de ferro dando sinal com um longo piuííííí quando vinha se aproximando,
sempre acolhido calorosamente pelo povo.
Nas ferrugens a corroer os vagões dos
velhos trens que por aqui ainda passam, se vão as lembranças de Titonho, um eficiente
agente da RFFSA cujo nome era Antonio Cândido, meu tio, com um sorriso sincero
e carinhoso, a cuidar de um inevitável progresso que chegava, lentamente, à
estação e nos passou o legado genético desta imensa paixão ferroviária.
Foi
uma data marcante aquele distante 12/12/12 quando o trem, pela primeira vez,
aqui chegou. A Praça da Estação até já se acostumou com o barulho dos vagões que
se acomodam uns nos outros, com inoportunos estrondos em plena madrugada e sem
atrapalhar o sono dos cidadãos que candidamente sonham. Os mais velhos contam
que bem antes da chegada do trem á cidade, um destes sertanejos, bem amatutado,
uma vez, viu um trenzinho de brinquedo num ferrorama e correu para cima com um
pau na mão, assustado e gritando: — Mata! Mata! Mata! Que esse bichinho quando
crescer vai virar um grande monstro que soltam fogo pelas ventas!
Imagino
quantas belas histórias o trem nos trouxe ou levou em seus vagões, com a
esperança atrelada na fé em busca de saúde, de uma provável cura na cidade de
Sobral ou em Fortaleza, a saudade apartada dos que iam, a expectativa dos que
vinham, o lucro dos comerciantes que trafegavam com suas mercadorias e a
alegria intraduzível daqueles que viajavam nos vagões de passageiros, o Sonho
Azul ou bebericavam indiferentes num agradável restaurante, até nos duros
bancos de madeira da 3ª Classe reinava uma satisfação imensa em correr sobre os
trilhos lisos, onde, às vezes, perigosamente brincávamos, antes do trem passar.
Incrédulos,
ouvíamos histórias de que o trem pegou uma pessoa que estava na linha ou que
por descuido alguém caiu do batente da estação, mesmo esses acidentes casuais
nunca tiraram a magia e a beleza de uma viagem de trem.
Soube,
recentemente, que um grande trem-teatro percorreu a Europa inteira, com uma parada
obrigatória em Auschwitz, para relembrar os campos de concentração e extermínio,
pois ele é um dolorido símbolo para os judeus, que iam chegando em intermináveis
vagões, na II Guerra Mundial, para última estação. Mesmo assim, meu espírito
aventureiro ainda sonha em colocar uma mochila nas costas e pegar o Trem da
Morte, em Quijarro, próximo a Corumbá, Mato Grosso do Sul, com destino à Santa
Cruz de La Sierra, na Bolívia passando pelo encantamento da cidade perdida dos
Incas, Machu Picchu, no Peru.
O
elemento mais importante da revolução industrial, que foi apelidado de Cavalo
de Aço pelos os índios americanos, sempre enfrentou as mais diversas agruras,
cruzando os locais mais desolados da Terra, desde o infinito deserto de Saara ao
vigoroso Trem Transiberiano, cortando a ofuscante brancura de gelo sobre os
trilhos, entre a Rússia, a Mongólia e a china.
Nestes cem anos em que as rodas de ferro
cruzaram os Sertões de Crateús, margeando o interino Rio Poti, edificaram-se as
mais belas histórias sobre os trilhos, muitas delas ainda por contar. Um trem
cargueiro, destes que diariamente interrompe o trânsito das ruas da cidade leva,
em media, trinta vagões tracionados por duas ou três hercúleas locomotivas,
rumo ao porto de Mucuripe ou em sentido contrario, chegando a Teresina, a
capital do Piauí.
Era
um destes grandes cargueiros com vagões lotados de combustíveis altamente
inflamáveis, óleo e gasolina, que o Marcos Goiano recebeu na missão de
conduzi-lo até Castelo, no Piauí, quando um pulmão, o revezamento no jargão
ferroviário, por lá se efetuaria. A professora Marta Áurea, sua esposa, o
acompanhava numa viagem tranquila de fim de tarde.
É um habito
dos maquinistas, em sua retilínea solidão, remoer o passado. Enquanto o trem
cortava o caminho monótono pelas caatingas do Quirino, marcos relembrava do dia
em que pedras enormes interromperam seu caminho, num desfiladeiro íngreme que
fica depois da desolada Oiticica. Tiveram um trabalho enorme de quebrar blocos
imensos de pedras para o comboio pudesse passar.
Como
cantou um poeta, os meses quentes do verão são os mais cruéis, sempre deixam um
tom acinzento pelo capim alto e seco e cheirando a pólvora, na terra morta. Uma
roda ia desencarquilhada, delineando o chão como um giz risca a lousa e a oportuna
fagulha ciscou em busca do estopim, como sempre faz. O fogo avivou rápido,
excitado, em cintilante revolta. Em poucos segundos estavam mais alto que os
dourados vagões de óleo sob uma lua cheia. Quem viu ao longe, enxergou uma
serpente de fogo correndo entre as touceiras de capim e se apresentou em socorro,
pois o rude sertanejo é predisposto nestas horas.
O
maquinista e sua esposa já tinham parado o trem, fracionado os pesados vagões e
já descarregavam todo o pó químico dos extintores nas ígneas línguas de fogo,
mas nada adiantou. Um extintor é como certos remédios, só tem eficácia na
labareda de início, se a coisa já é adiantada é trabalho de Sísifo. Melhor teriam
feito se tivessem apagado o fogo com o abundante suor que derramaram. O Corpo
de Bombeiro chegou no exato momento em que as últimas fráguas de um calor
intenso estavam sendo apagadas, com areia, pelo povo.
A
população do distrito de Ibiapaba por muito tempo comentou aquele divino
milagre, um trem de fogo que foi pacificado na areia que o povo rapidamente ia borrifando
na mata e nos abrasados vagões, todos na iminência de explodir. Mas só Deus e a
Professora Martha Áurea sabem o que representa o poder da oração. Enquanto
ajudava, desesperadamente a extinguir o fogo com as delicadas mãos de mestra,
seus lábios insaciavelmente rezavam, sem tréguas: um Padre-nosso, uma Ave-Maria
e um Glória ao Padre, oferecidos ao anjo Custódio que é o poderoso em apagar
fogo, repetia e repetia, incansavelmente, pois logo o fogo fora debelado.
E
com a avultada lua já bem alta na abobada do firmamento, o trem fora liberado para
partir, rumo a um dos seus destinos, o majestoso Castelo do Piauí: - Piuuííí!!!
Raimundo Candido
José Alberto de Souza disse:
Sabe, "Mundinho", que só andei de trem, mas trem mesmo, umas duas vezes em toda minha vida, que me deixaram recordações inolvidáveis.
Na primeira delas, vinha eu de Bagé, quando o cavalo de ferro parou na estação de Cerro Chato para o café da manhã, que me serviram na hora.
Afobado, sorvi um gole quente do café-com-leite, incendiando-me as entranhas e me traumatizando pelo resto de minha existência.
Acontece que a parada era rápida e os atendentes não tinham tempo de servir a bebida para cada passageiro, os quais já eram aguardados com as xícaras cheias dentro do forno do fogão para não esfriar...
Nirton Venancio disse...
José Alberto de Souza disse:
Sabe, "Mundinho", que só andei de trem, mas trem mesmo, umas duas vezes em toda minha vida, que me deixaram recordações inolvidáveis.
Na primeira delas, vinha eu de Bagé, quando o cavalo de ferro parou na estação de Cerro Chato para o café da manhã, que me serviram na hora.
Afobado, sorvi um gole quente do café-com-leite, incendiando-me as entranhas e me traumatizando pelo resto de minha existência.
Acontece que a parada era rápida e os atendentes não tinham tempo de servir a bebida para cada passageiro, os quais já eram aguardados com as xícaras cheias dentro do forno do fogão para não esfriar...
Nirton Venancio disse...
Caro Raimundo Candido,
gostei muito do seu texto. Os trens me dão prazerosamente um sentimento
de saudade, de nostagia, de bons momentos na infância. É um cenário da
minha vida em Crateús. Essa foto é como se eu estivesse ali. Você
também está ali, claro. Gostei da imagem poética "é um hábito dos
maquinistas, em sua retilínea solidão, remoer o passado.
Antonio Edmilson de Sousa Lopes disse ...
Eu estava neste trem.................................. o trem da saudade.
Antonio Edmilson de Sousa Lopes disse ...
Eu estava neste trem.................................. o trem da saudade.
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