sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Viva! Crateús tem Carnaval

Foto: Júnior Sá

Depois de muito vai e vem, de muito disse-que-disse, de um "aparente" desinteresse da administração municipal e de muita pressão dos foliões crateuenses – que inundaram as redes sociais com apelos e protestos – finalmente está decidida a programação do Carnaval em Crateús.

Foi em cima da bucha, mas o que conta é que ele vai acontecer, malgrado a ideia de jerico de reavivar os famigerados "paredões de som" (vide o artigo "Ferro na Princesa", de Edilson Macedo).

A programação oficial traz, como principal novidade, a alegria de devolver o "corredor da folia" ao seu lugar de origem: a Praça dos Pirulitos! Só por esta atitude sensata, a prefeitura já leva um 10, com louvor, em minha modesta avaliação. Marcando pontos importantes no quesito "evolução", abandonou a lamúria do "não há dinheiro" e finalmente, no acender das luzes na avenida, contratou uma carrada de bandas – inté da Bahia, vejam só! Então, de sábado até terça-feira, a putaria vai comer é de esmola! – no bom sentido, é claro.

Até mesmo os Blocos Oficiais, que ameaçavam um boicote em razão dos poucos recursos oferecidos e dos atrasos no repasse desse dinheiro, correm feito doidos pra fazer bonito. A informação é que desfilarão pela avenida a sua história (Mandacaru), a história da música nordestina (Tykeré) e meu Ceará é assim (Malagueta). Sempre vale muito a pena conferir.

Quanto aos blocos alternativos, aí é outra história. É pau de dar em doido. A diversão é certa, a alegria é garantida. Chega a dar saudade do mestre Manoel Picolé e seu Ás de Espada. Oh tempos bons aqueles!

Enfim, a mesa está posta e os convidados todos avisados. Vamos à folia! Vamos cultuar outra vez esse deus doido da farra e do desatino. Se preocupe não: na quarta-feira a gente se prostra arrependido e roga mais uma vez a deus o seu perdão... pelo menos até o próximo ano.

Lourival Veras

                    Cícero Maçal, o Encantador de Cavalos.

Bem cedinho, mal as vassouras de piaçabas ciscavam as invisíveis poeiras nas calçadas – costume de quando os terreiros eram de terra batida e as casas de taipas – as patas de ferro já trotavam no rijo calçamento emitindo um firme e percutível som. Não li, até hoje, uma fiel e onomatopéica imitação deste belíssimo ruído, parece-me com um pa ta ti pa ta tá pa ta ti pa ta tá em ritmo veloz e harmonioso. Era um Manga Larga machador chamado “O Corcel” cavalgado pelo elegante Cícero Maçal, lembrando-me o atrevido Capitão Rodrigo Cambará de o Tempo e o Vento, que subia pela Rua Frei Vidal rumo ao centro da cidade, numa infalível visita aos seus digníssimos amigos.
           Antes, passava pela casa do Compadre Caboclo, na Rua São José, só para lhe apoquentar o juízo e dar um bom dia à Comadre Janoca, com um dedal fincado no dedo médio e a pedalar sem sair do lugar, numa antiguíssima máquina Singer.
            A criação de gado, desde a época do Ciclo do Couro, alojou-se nas margens do Rio Poti como uma coluna mestra a suportar e favorecer o lento desenvolvimento do município, mesmo padecendo de cruéis e periódicas secas que dizimaram a um quase inexistente rebanho.
           Como uma extensão da cidade, a Fazenda Boa Vista era anexada por uma alameda de altíssimos Paus Brancos, aonde os nômades ciganos se abrigavam com seus animais suspeitos.
            Na madrugada os galos entoavam seus cocorococós acordando toda passarada e os exibicionistas pavões. O vento balançava uma rede de tucum armada no arejado alpendre, de onde se via o fluir da carroçável, a levar os transeuntes apressadamente para o povoado do Quirino. Dali, seu Cícero, os convidava mesmo que não os conhecesse:
             – Apeiem-se, meus amigos, venham tomar um cafezinho!
             Após a lida de tocar o gado para a malhada e abastecer de ração os cochos da vacaria, inquieta-se com as condições reduzidas do capim na vazante da croa do rio, mas logo deixa a preocupação de lado para fazer o que mais gosta, o que realmente lhe dá prazer: o exercício de domar cavalos.
               Sabe que conquistar um animal, sem lhe tirar o brio, sem lhe reduzir a esbeltez e o fausto escultural da nobreza é obra de um raríssimo dom. Usando de instrumentos brandos chega ao seu coração, por dura disciplina e infinita paciência, conquista-o com aquela confiança que persistirá para o resto da vida, uma compreensão que está acima de qualquer raciocínio lógico. Só mesmo um mago encantador como Seu Cícero Maçal, para integrar cavalo-homem num só elemento, num só corpo a agir pela vontade do dono, num respeito mútuo, até as respirações se combinavam e ficavam no mesmo ritmo. 
               Quantas vezes, no comando da voz, o Corcel dirigia-se, instantaneamente, a sua presença, deixando os transeuntes boquiabertos daquela cega obediência a mostrar que o animal era mais que um cavalo pronto a montaria, mas um amigo que se trata com veneração, fazendo valer um antiguíssimo ditado: Mostra-me teu cavalo e te direi quem és...
               Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo. Gritou o Rei Ricardo III, lá na longínqua Inglaterra, antes de ser derrotado numa sanguenta batalha. Se tivesse encomendado ao Seu Cícero, teria sido salvo com um cavalo muito bem adestrado.
              Mesmo sendo uma pessoa pacifica e sossegada, a zelar pela retidão de caráter e pela honradez de seu mundo, tinha momentos de tolerância zero com os erros alheios, tornando-se temporariamente espoletado, como uma brasa apagada que recebe um vivífico sopro.
               O sujeito que levara as suas ovelhas, era um gatuno por vocação, não merecia mesmo um pingo de consideração, e Seu Cícero Maçal não deu a mínima atenção para aquelas frívolas ameaças de desforra. Mas o ódio, a vingança dos indivíduos covardes, queria ser despejado onde menos a razão o indicasse, pois é uma diabólica companhia e cega quem o abraça.
               O infiel gatuno, como um rato covarde, ronda pelo terreiro da Boa Vista e na visão do esbelto tordilho, livre a pastar por ali, enxerga o vulto de seu Cícero Marçal. Uma lâmina afiada resplandece ao sol, na mão de quem leva a infame perversão na alma.  
               Uma cena que sempre me causa compaixão, quando a leio, é a crudelíssima morte dos cavalos de Riobaldo Tatarana , no livro Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa. Estavam todos confinados na casa velha da Fazenda dos Tucanos, e por tiros inimigos vindos sem pena de Hermógenes e seus desumanos jagunços que ali os encantoam, enquanto todos os animais estavam guardados num curral fechado... É Riobaldo que conta:
             "(...) Mas, no sobrevento, o Cavalcânti se exclamou:
               — "A que estão matando os cavalos!..."

               Arre, e era. Aí lá cheio o curralão, com a boa animalada nossa, os pobres dos cavalos ali presos, tão sadios todos, que não tinham culpa de nada; e êles, cães aquêles, sem temor de Deus nem justiça de coração, se viraram para judiar e estragar, o rasgável da alma da gente - no vivo dos cavalos, a tôrto e direito, fazendo fogo! Ânsias, ver aquilo.”
               Sem temor de Deus, sem um pingo de justiça no coração o perverso gatuno desfere duas punhaladas mortais no corpo do inocente Corcel que sangra até cair.
               Correm para chamar Seu Cícero Maçal que não suporta o sofrimento do fiel amigo, não consegue olhar aquela difícil aflição. O veterinário, chamado as pressas, já desistiu e manda arrastar o animal para acabar de morrer na beira do rio.
               Uma comoção domina o alpendre da Fazenda Boa Vista, um peito fechado, uma intraduzível dor a se misturar com a crescente revolta, mas eis que, repentino, levantam o olhar e todos ficam incrédulos. Na estrada, o Corcel caminha vagaroso, penosamente puxando o passo que a pouco trotava pela Frei Vidal. Arrasta-se, rumo ao seu dono, como para a agonia da última despedida, pois somente no adeus frontal, olho no olho, somos capazes de compreender a profundidade de uma grande amizade ou de um incondicional amor, mesmo entre o ser humano e seu querido animal.
               Alguém viu cristalinas lágrimas escorrem da face do cavalo, que se foi sem um relincho, como um sopro de brisa que partiu a galopar deixando uma triste poeira daquele dolorido silêncio. Como os cavalos de Riobaldo, o Corcel tordilho de Seu Cícero Marçal partiu, trazendo a lembrança da poetisa Cecília Meireles que verteu estes versos para toda despedida equina:
Vi a névoa da madrugada
deslizar seus gestos de prata,
mover densidades de opala
naquele pórtico de sono.

Na fronteira havia um cavalo morto.
...

Mas todos tinham muita pressa,
e não sentiram como a terra
procurava, de légua em légua,
o ágil, o imenso, o etéreo sopro
que faltava àquele arcabouço.

Tão pesado, o peito do cavalo morto!

                                                                                                                       
Raimundo Candido.

Jose Alberto de Souza disse...
Bárbaro, pungente, comovedor,
digno das observações agudas
de um grande escritor

João Silas Falcão Soares disse...
Poeta, excelente resgate de memória. Inúmeras vezes presenciei o Cícero Maçal indo/vindo do centro de Crateús pela Rua da Cruz em seu Manga larga veloz e competente no trote. Sempre relembro esta magnifíca imagem. Nunca o vi dentro de um carro. Sempre achei muito personalidade dele não se desgarrar do Manga Larga.

Parabéns Poeta.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A tia da Graça

E assim se vão fechando, momento a momento, estas pérgulas por onde os raios de luz de minha infância, iluminuras de minha vida, emergiam. Última acha que ardia no lume do meu passado. Hoje uma sombra de saudade. Ancora sobre os meus dias. Os brilhos vão se escurecendo neste sítio bendito da memoria, onde as flechas tomam conta de nós. Onde estão aqueles sorrisos de graças que pousavam doçura sobre todos. Hoje se vai a última tia. A tia Gracinha. Morre Maria das Graças Bonfim. Aquela alegria pueril. Aquela fala mansa, qual um poema. Aquela apascentadora amiga, afogada em afagos, que explodia quando a aurora de nossas vidas ainda borbulhava. Um coração de Adamastor, carregando as pertenças do amor. Um mar generoso, leve, de um marulho silencioso, ia a querida Tia a nos trazer as graças da felicidade. O sol ainda ruminava no ventre da noite, a nossa mãe sazonal, nos enchia de mesuras. Hoje ela se vai, no dorso inquieto do tempo. Leva de cada um de nós mais de um quartil de viva felicidade. Ficamos nesta penumbra de anoitecer, com cheiro de cipreste nas canaletas da morte. Nestas cinzas que tingem tanta magia, naqueles dias distantes. De tardes fagueiras. De tantas noites telúricas sob o lume do luar. Sucumbimos ao passado. Pesarosos voltamos a Crateús para enfrentar estas esfinges famintas que nos devoram a todos. Apaga a última estrela de opala, como diz Bilac. Faz os nossos olhos vazios, lacuna na mente, pedra na alma e a dor infinita no peito. Tao somente o peso da saudade. Graça, que vestia o nosso luar de sedas e purpurinas. Que nos protegia dos açoites das noites. Hoje sobra este olhar marmorizado sobre o tempo. Perdemos a Graça, ficamos sem graça, a morte me parece ser esta veste estendida sobre a dor. Espargindo um bardo triste de lamento e saudade. 

Jose Maria Bonfim de Moraes
Cardiologista.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

                                                        É FERRO NA PRINCESA
                                                                                                           Edilson Macedo

            Deu na Gazeta do Centro Oeste: “Em Crateús, os paredões de som estão tomando chegada e se entocando para quando o carnaval chegar”.
            Meia Verdade não basta, Crateús terá, neste CARNAFORRÓ, concurso de Paredão, sim! É a genialidade de um povo cujo juízo derreteu sob o causticante sol que assola nosso DeSertão...
            O inferno é aqui , e aqui o galo canta ao meio dia, e reza braba nenhuma adianta, nem mandinga nem cara feia, que ninguém arreda o pé e o que é do diabo, o diabo há de levar... a Ética dos outros não nos atinge...
            E começo a acreditar na cosmologia dos Maias, que sentencia 2012 como fim do mundo. Eia!, é aqui mesmo que o apocalipse vai começar! E que Deus se apiede ao menos de nossos TEÚS...

            P.s.: E disse Giordano Bruno, antes de arder no Fogo Santo da Inquisição: “Que ingenuidade a minha, pedir ao poder, que reforme o poder!”