quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Flor



                                                                        A flor que colhi
                                                                        no teu coração,
                                                                        murchou!
                                                                        Despetalou-se,
                                                                        sozinha.
                                                                        Me ama...
                                                                        Não me ama...
                                                                        ...
                                                                        ...
                                                                        E a última pétala
                                                                        emudecida,
                                                                        pálida, sem cor,
                                                                        exprimia dor
                                                                        espinho na mão,
                                                                        ausência a dizer:
                                                                        morrer...
                                                                        não hei de morrer...
                                                                        ...
                                                                        ...


Raimundo Cândido

Viver...
Hei de viver
Reviver...
Sobreviver!

José Alberto de Souza disse...
Na gangorra de mal-me-queres
ou bem-me-queres,
ocultos na farsa das máscaras,
alternam-se indecisões
nas encruzilhadas de fingidos amores. 

Piranhas

                                                        
 Todo povoado hierarquizado que brotou no seio do mundo, deliberadamente, assentou-se nas margens de um imenso rio de correntes revoltas. Formou-se, inicialmente, como uma pequena aldeia que evoluiu para um povoado, vencendo tantas dificuldades em subsistir que revelou-se numa grande cidade, num formigueiro humano vivendo da agricultura irrigada, aproveitando as terras férteis deixadas pelas repetidas enchentes do Tigre, do Eufrates, do Jordão, do Nilo e até mesmo do Ganges, no sagrado coração da Índia. Os volumosos cursos de água geraram, nas planícies varzianas, as cidades históricas de Ur, que um dia foi encoberta pelo quadragenário dilúvio de Noé, a cidade de Damasco, no caminho da qual a Luz cegou Saulo, a fenícia Biblos de onde se enviavam os papiros egípcios para os manuscritos da instruída Grécia ou, a mais antiga de todas elas, a cidade guarnecida de Jericó, onde Josué com estrondosas cornetas e um brado potente de guerra derrubou suas intransponíveis muralhas de pedras.  
Dezenas de séculos depois, nos idos de 1700 da história do Brasil, nos sertões de Cratheús, onde perambulavam índios tapuas, os Kara-thi-us, ainda pertencentes ao domínio do Piauí, um bucólico povoado afoitava-se em existir. Nas margens serpenteadas do Rio Itaim-Assu, os primeiros currais de gado começaram a aparecer, ao lado de uma grande invenção daquelas civilizações antigas, a enxada, usada como arado para revolver e renovar os substratos da terra.
Casinhas de taipa iam se aglomerando, em torno das outras, habitadas pelos descendentes dos colonos que foram os primeiros sesmeiros dos lotes de terras da região dos Caratius. Em 1770 é construída uma capela, em homenagem ao Senhor do Bonfim, uma imagem de madeira vinda da Bahia a mando de Dona Luísa da Rocha Passos.
O povoado, denominado Piranhas, que brotava do descampado subjugado a machado, facão e foice, possuía dois marcos de referências importantes, motivo de orgulho para seus habitantes, a branca capelinha com um cruzeiro de madeira fincado no alto de sua fachada, onde o Pe. João Ferreira dos Santos, da Vila de Marvão, vinha em comissão de evangelização, para a desobriga dos sacramentos, batizados e casamentos e o intermitente Itaim- Assu, o rio das pedras grandes, com suas águas transparentes e puras e que, já nas proximidades do povoado, é chamado de Potingh - afluente do grande rio, na linguagem indígena, ou com o poético significado de águas de camarão - quando parte em fuga, rumo ao paredão da Ibiapaba.
O filho das nascentes da Serra da Joaninha, já deixara de correr em sua calha seca, pois a época invernosa já passara, mas fica decantando como lâmina espelhada nos poços, largos e profundos, repletos de peixes: curimatãs, piaus, traíras, mandis, cari-bodós, branquinhas, surubins e as carnívoras piranhas, vermelhas ou pretas, mas todas perigosas com dentes serrilhados, afiadíssimos e um faro muito apurado para o sangue! Todos os poços eram infestados destes peixes vorazes, daí o nome da bucólica localidade: Piranhas! Alguns até chamaram o velho e intermitente Rio Poti de o rio das piranhas!
 Os habitantes do lugarejo, ao perceberem a poeira levantada pelo redemoinho em pleno meio-dia, fazem o “pelo sinal” para afastar um Saci Pererê que passa, à luz do dia, rodopiando em desafeto e dissipando ofensas. Muitos compram água das cacimbas do Retiro, cargas transportadas em canecos pelos incansáveis jegues e enchem os potes de beber e os tachos de banho. A maioria vai tirar a poeira do dia-a-dia e dos empoados remoinhos trazidos pelo negrinho de uma perna só, nos banhos da Goela e do Curtume, arriscando uma mordidinha da famigerada piranha.
A boca deste peixe, quando fechada, engana os imprudentes, parece banguela, mas numa rapidez tremenda abocanha a sua presa e o sangue escorre fazendo com que todo o cardume entre em desenfreada frenesi e, em poucos minutos, só restará um alvo esqueleto, raspado a navalha, do que antes fora vida. Era um espetáculo horrendo, um show cruel do peixe carnívoro no leito do Rio Poti, capaz de fazer inveja às películas de terror da indústria cinematográfica de Hollywood.
Algumas localidades conservaram seus nomes de peixes, como Jardins das Piranhas (RN), Peixe-Boi (PA), Peixe-Gordo (CE) e mesmo a cidade de Piranhas em Alagoas, banhada pelo majestoso Rio São Francisco, onde ficaram expostas as cabeças de Lampião, Maria Bonita e nove cangaceiros decapitados, todos à mostra infame, na escadaria da Prefeitura Municipal daquela cidade peixeira.
Quando o historiador Antonio Bezerra esteve em Cratheús, no ano de 1884, foi tomar banho nas águas famosas do Curtume, e ficou sabendo que: “Há muitos anos, um grupo de senhoras tendo ido banhar-se naquele poço, uma caíra inesperadamente na água e, fora assaltada pelas piranhas ( Serrasalmus piranha).  As companheiras pedem socorro, e chegando um preto nadador, não mede o tamanho do seu sacrifício, atira-se ao fundo do poço, saindo à riba oposta com o precioso fardo, mas em vez de ter salvado uma preciosa mulher, traz um esqueleto horrivelmente mutilado. O nadador não sofreu a mais leve arranhadura.”
A literatura crateuense é rica em espetáculo macabro das piranhas, quando estas carniceiras ainda existiam no bojo do nosso querido rio, porém, hoje,  maltratado e abandonado. Conta-nos o Senhor Norberto Ferreira Filho no Livro Fatos e Cousas do Passado sobre as piranhas do Poti: “Estávamos no verão de 1931. Grandes farras já se faziam naquele tempo. Depois de uma dessas festas, alguns jovens operários rumaram para o grande poço denominado Curtume, ponto tradicionalmente preferido pelos que gostavam de natação. Eram quase seis horas da manhã e já se retiravam os banhistas, o Lourenço da Cecília disse que ia dar mais um mergulho e, por ironia do destino, antes de pular da lisa pedra do mandi, falou “Adeus, negrada”. E daquele mergulho não voltou mais o Lourenço e sim, um corpo com o rosto todo comido por peixe carnívoro, que é a piranha.”
Há muito que o Rio Poti não é mais o mesmo, pois está mais morto que vivo, resistindo às agressões humanas com a força que a natureza guarda para se reconstruir e me lembra o Tietê paulista, cheio de sulfitos e sulfatos, consequências de uma irresponsável poluição. Com o projeto de saneamento da cidade de Cratheús era de se esperar que, uma revitalização de nossa artéria vital ocorresse, mas num determinado dia ensolarado, a CAGECE solta grande quantidade de uma amarelada salmoura química da estação de tratamento e a vida que existia no leito do rio, a contar da velha Fazenda Boa Vista, passando pelo Morro Alegre, pelo Quirino e descendo até o Vale da Ibiapaba, pereceram todas: garças, socós, mergulhões, cagados, e os peixes... Todos mortos! Acho que, as famintas piranhas que sobraram, ainda estão por aí, na expectativa, em espreita nos açudes limpos da região, aguardando que o sofrido Rio Poti um dia respire e reviva, para que possam voltar!
Sonho com o Poti dos poços translúcidos e limpos de minha infância e até nas manchas oleosas de suas águas poluídas vejo o voo branco das garças transbordando de sua paisagem, e não quero mais essa solidão de suas águas poluídas que se mostram como túmulo do silêncio.
Sonho com o Poti dos poços translúcidos e limpos de onde, um dia, surgiu o povoado de Piranha, evoluindo para uma bucólica Vila chamada Príncipe Imperial, hoje a promissora cidade de Cratheús, como brotou Ur, Biblos e Jericó nas margens de seus caudalosos rios...
Sonhos com o Poti dos poços translúcidos e limpos, mesmo que o veja, novamente, infestado de horríveis piranhas carnívoras!

Raimundo Cândido

José Alberto de Souza disse...
Abençoada a comunidade 
que dispõe de um poeta-historiador 
para preservar a sua rica memória 
em registros pictóricos 
de artísticos coloridos.