sexta-feira, 15 de julho de 2011

Laço




Raimundo Candido disse:

Por onde te escondias, poetisa?
O tempo passava e a gente te via
por ai, toda arte e prosa, toda rosa,
mas nada do que agora mostras: poesia!!!

Adiposidade
Nem só o olho é gordo
quando as papilas sonham
(onze em cada dez!)
com docinhos e pastéis.

Nem só a adiposidade
deságua num ventral pneu
sedimentado pelo ávido
descontrole de uma gula.

Nem só um obeso sobejo
 de repulsa e decepção
arboriza-se na desfiguração
ridícula e risível do espelho.

Raimundo Candido

terça-feira, 12 de julho de 2011

Tykere, uma fábrica de sonhos, amizade e alegrias...

Maria da Conceição Rodrigues Martins (Nêga)[1]

Quem de perto conhece meus sentimentos, minhas crenças e defesas de mundo sabe que por batismo sou Maria da Conceição, uma mulher de fé, de amor, que busca alegria com o amparo da verdade, pois creio na objetividade proposta pelo materialismo histórico. Popularmente ou afetuosamente sou Nêga, assim mesmo, com acento, uma entusiasmada pela terra Crateús, apaixonada pelas letras, pela poesia, pela cultura e pelos amigos.
Assim é insistente minha busca em unir esses elementos, para mim, imprescindíveis, a outra tão presente e importante paixão que carrego: a educação ou Educere, tirar de dentro ou ainda a arte de partejar como sugere o mestre Paulo Freire[2].
Pois bem, existe um grupo em nossa cidade que propiciou-me esta alegria do partejamento, juntando em um só caldeirão: sentimentos, trabalho, conhecimento, alegria e beleza. O Bloco Tykerê é o nome dessa rica mistura. Com as pessoas que compuseram esse grupo até o ano de 2006. Estudei, dancei, aprendi, criei, inventei, chorei, briguei, comemorei... Fiz muitos amigos e alguns poucos oponentes. O fato é que o Tykerê tornou-se junto com seu principal adversário, o Bloco Mandacaru Beleza, um grande diferencial para a cultura da região, revelando talentos, profissionais competentes, sensíveis e criativos. E como nasceu tudo isso?
O ano era 1998, o sonho: montar uma fábrica de alegria; o desafio: recuperar uma das festas mais populares de nosso município, que durante algum tempo demonstrava sinais de cansaço, beirando ao descaso até surgir um gestor capaz de nos dizer em palavras e ações que “cultura faz bem”.
Nesse período propício à criação reuniram-se artistas, professores e empresários, pessoas advindas dos grupos Sepultura e Tá tudo serto. Dessa união nascia o grupo cultural Tykerê, um bloco louco por você. Juntos, trabalhamos (muito), estudamos, festejamos (muito) e criamos uma nova forma de fazer carnaval. Numa inusitada receita unia-se à proposta das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro com os moldes das grandes micaretas baianas.
Com carros alegóricos, fantasias luxuosas e coloridos abadás, cantamos em 1998 a alegria e o talento da professora de arte educação Rosa Moraes; alertamos sobre a poluição do velho Poty no ano de 1999; em 2000 fomos convidados a festejar os 500 anos de Brasil, uma festa verde amarela e todas as outras cores ; em 2001 foi a vez de destacar os 50 anos da TV brasileira. Quem não lembra da alegria de ver o Dedé Loyola e o saudoso Aldileno no Cassino do Chacrinha? Em nossos desfiles todos os sonhos eram possíveis.
Em 2002 ousamos vestir a alma de branco pra vida ter cor e de forma poética cantávamos a paz no mundo e na nossa aldeia; uma pomba gigante atravessava a avenida.  Todavia foi no ano de 2003  que emocionamos o público e um dos jurados, Gilmar de Carvalho, que vibrou lá dos camarotes, enquanto cantávamos e dançávamos na avenida: Cata rima, catavento, cata verso, canta meu Tykerê poesia e paixão (FRANÇA; MARTINS 2003)[3]. Cantamos naquele emocianante desfile a obra de Patativa do Assaré, noite em que a  poesia popular ganhou brilho e movimento.
Em 2004, aventuramo-nos no estilo boêmio das noites crateuenses, embalados pelos versos do poeta Elias de França que nos dizia: na cidade sou cigarra, sou artística, meu Crateús é meu cantar, cidade à beira do Poty onde a Boemia se banha ao luar. Assim cantamos a boemia, fazendo a cidade lembrar que o  famoso Club Beira rio já não estava mais lá.
 No ano de 2005 a maioria dos componentes do Tykerê optou por não participar da Carnafolia e somente no ano seguinte, cantamos o jeito baiano de viver, amar e escrever com Jorge Amado. Eita Jorge letrado bailado, eita jeito baiano de amar Tykerê que também é amado vem todo pra te cantar... (FRANÇA ; MARTINS 2006)[4]
Foi somente no ano de 2007 que nosso Tykerê conseguiu por meio de uma justa e questionada homenagem levar para avenida um significativo número de foliões. Com o enredo o Dom do mundo, um dom de amor, fez na avenida um verdadeiro tributo a Antonio Batista Fragoso, o nosso dom e naquela noite foi tão bonito se ouvir a canção, cantada de novo...  o próprio Zé Vicente veio para cantar e testemunhar tanta emoção.
Outros enredos foram cantados como os quatro elementos fundamentais da natureza (2008); a África mãe de todos nós (2009); o Velho rei do cangaço (2010) e a escritora Raquel de Queiroz (2011). Enfim diversos temas que motivaram não só a alegria por se tratar de uma atividade lúdica, carnavalesca, mas que conseguiu de forma didática gerar conhecimento, educere, tirar de dentro das pessoas novas sedes e aprendências, para mim algo fundamental em um feito artístico.
Muitas são as histórias e as  pessoas que merecem aqui serem citadas, mas temo ser injusta com alguém que tenha madrugado em nome da alegria, da cultura e da estética, por isso destaco dois nomes representativos durante pelo menos uma década dentro do grupo de amigos que fiz no Tykerê, notadamente, Cicy Macêdo e Osvaldo Melo.
Ela, pela sensibilidade, habilidade e competência técnica na área artística. Sem o talento da nossa Cecy não teríamos tido tão lindas baianas, pierrôs e colombinas no asfalto que virou palco lírico de seus figurinos que misturava o rústico, o lixo e o luxo. A ela devemos muito.
Ele, o Osvaldinho, por seu empreendedorismo e senso de organização que foi fundamental para que o bloco ganhasse destaque para além das terras de karatius. Muitos afirmavam que o Tykerê não era bloco, e sim uma empresa. Com todo esse grupo de gente apaixonada por festa , encontros e alegrias, podemos afirmar que o Tykerê tornou-se mesmo foi uma fábrica de sonhos e de amizade. A cada ano, um carnaval bonito, alegre, mas – sobretudo – organizado. Graças à liderança e ao carisma do Osvaldinho e a partir de seus ensinamentos não podíamos mais fazer arte distante de um  planejamento financeiro.
Por fim, asseveramos que o Tykerê foi e é; hoje com novas lideranças, novos olhares e também novos talentos, um grupo de pessoas unidas pra fazer carnaval e dizer que esta festa também pode ser permeada de educação, competência, afeto, sentimentos latentes e muita fé. Assim é o Tykerê, um bloco louco por você.



[1] Mestre em Educação (UECE). Professora substituta da Faculdade de Educação de Crateús (FAEC-UECE); ex porta bandeira do Bloco Tykerê

[2] Paulo Freire educador  nordestino reconhecido internacionalmente por ter estruturado a Pedagogia Libertadora.
[3] FRANÇA, Elias de. MARTINS, Maria da Conceição Rodrigues. Poeisa e Paixão. 2003.
[4] Elias de França e Maria da Conceição R. Martins . Jorge, letrado bailado ...amado (2006)

segunda-feira, 11 de julho de 2011


                                                                  
                                           Poço da Roça
            Tínhamos o domingo como uma hora de recreio. Um gostoso intervalo entre as fastiosas horas de uma semana sem fim.  Impacientemente aguardávamos aquele momento em que mal começava o dia, no cruzamento da Rua Frei Vidal com a Padre Juvêncio, quando íamos chegando um a um. Nunca era o primeiro a chegar, fato que me dá a impressão que aí começou o horrível hábito de descumprir as minhas futuras horas de precisão, embora morasse ali mesmo, naquele subscrito endereço. Às vezes o Bitonho, outras o Renato, já estava por lá nos aguardando. Era um grupo bem unido, muito compacto de cinco ou seis meninos. O Flávio tinha um Q de adulto, com ares de um amadurecimento antecipado, ainda que não passasse disso, mas comandava a partida marchando em frente, sem uma ordem expressa, para que o seguíssemos.
            Já sabia de memória quantos passos teríamos que dar do final da rua até chegar a nossa magnífica piscina olímpica. Um imenso poço que nunca secava. Um espelho imperecível com sua lodosa água verde e por isso mesmo eterno em nossas mentes. A longa marcha começava com uma selvagem alegria infantil que borbotava de nossas almas, num contentamento que só aparece entre as crianças que além de companheiras, se sentem iguais. Era uma longa trilha por entre marmeleiro e mufumbos, sempre margeando o leito seco do Poti que nos mostrava sua calha poeirenta e entorpecida, num estado letárgico para suportar sua longa espera até chegar uma nova quadra invernosa.
            Os raios de sol desdobravam uma paisagem minuciosa para o nosso entusiasmado olhar, que ia captando tudo como uma avidez impressionante. Um calango colorido disparava em fuga por entre os gravetos do chão, produzindo um gostoso chiado nas folhas secas. O Bem-te-vi recebia-nos com sua algazarra de boas vindas. Era uma catingueira agreste que se mostrava viva e exuberante na sua difícil maneira de subsistir. Nada passava despercebido aos nossos avivados sentidos, até um louva-a-deus em seu equilibrado voo de moderna aeronave ou enquanto pousava num galho, aparentando uma pessoa em serena oração, nos deixava em estado de alumbramento. Os pássaros cantavam, e nós tentávamos imitá-los num desarranjado assovio àquele milagroso som do bico de um golinha, de um estrelinha ou do galo campina com todo o esplendor de uma Flauta de Pan.
            De longe avistávamos o imenso poço de água doce e logo a adrenalina aumentava nosso anseio só pela sua simples presença. Ali se manifestava uma magia e um mistério que éramos incapazes de compreender. Percebíamos que a sede da terra em sorver toda água do mundo, no Poço da Roça estava saciada. Por isso, aquela imensidão ficava em paz. Nem o sequioso chão o sorvia, nem o inclemente sol o devorava, feito vapores para suas dispersas nuvens brancas.
            Os bancos de areias, ao lado das pedras baixas, se estendiam como lençóis e nos convidavam ao banho. Infinitos segredos foram desvendados sob as imensas copas das oiticicas, do imbuzeiro ou embaixo de um grande juazeiro que nos oferecia sua abrandante sombra enquanto as singelas lavadeiras nos ofertavam esplendidas visões que enrubesciam nossas faces.
            Se a mais autêntica forma de felicidade é ser feliz sem motivo, éramos genuinamente afortunados na embriaguez da existência, em comunhão com àquela hora que conservei num infinito antes de mergulhar na solidão da minha realidade futura. As árvores confabulavam com os irrequietos duendes do ar, as rãs bisbilhotavam na água enquanto um céu esplendorosamente azul aquiescia o nosso mergulhar e abrandava o medo que sentíamos de encontrar os assombrosos monstros que sempre habitam a escuridão das nossas águas turvas. Nadávamos de uma margem a outra até gastar o fôlego, com a seriedade das competições olímpicas.  Havia muitas brincadeiras, mas a de que mais apreciava, era lançar o pitel, pedrinhas de forma chata para saltar sobre as águas.
            Arremessávamos na horizontal, e ela corria vencendo a cruel gravidade até perder o fôlego e mergulhar. Discutíamos: foi cinco! Não, foi seis! Foi, foi dez... Lembro-me bem, era minha vez e lancei o pitel que se suspendeu no ar bateu resoluto na água e voltou como um pássaro para o ar, uma, duas, três... dez... vinte ... e ainda assim está, a quicar, por lá!

Raimundo Candido