sábado, 8 de junho de 2013

Salve, Salve...( Regina Estela Bonfim)



Meu primo...
Meu PROFESSOR...(muito obrigada pelas aulas de cálculo 1 e 2 quando ingressei na faculdade. Como havia cursado o Normal Pedagógico e não o Científico, tinha pouco conhecimento daquela matéria.

Graça e Paz !!!!
DEUS ilumine você na Presidência da ACL
   Parabéns pela espécie de homenagem ao jumento...
   Você é um ser muito sensível ao detalhes...
    Um ser humano diferenciado...
    Enxerga o mais  profundo na simpliciadade...
     Tem um olhar poético e enxerga a beleza nas adversidades da vida cotidiana do SERTÃO.
     Poucas pessoas enxergam assim... A Maioria ver o "BELO" através do luxo da ostentação.
     Para mim a beleza está na "simplicidade", no olhar observador que enxerga o que a maioria
     não enxerga.
     Fico revendo na minha mente e com uma gostosa saudade a  "pedra do fato"... ali mamãe nos levava para tomarmos banhos (quando ainda era possível). Ela ficava bem atrás da sua casa e da casa do "Pan" (pai do Gotardo).Tenho saudade da passagem das "Pedrinhas", alí tomavamos banho e praticamente não passava carros.
Oh, que saudade do "Jequi" ou "Jiqui", do Curtume, da Goela, ... tudo passa tão rápido.
Acredida que  acompanhei um dia trabalho  da Comadre Dilourdes, ( comadre e amiga da mamãe) lavadeira de roupa.Depois de muita insistência mamãe autorizou.
As lavadeiras eram muito cooperativas, elas eram organizadas: cada uma tinha seu derritório, sua pedra para lavar, ensaboar, seu local de colocar para quarar (ou corar) a roupa... (quaradouro, quarador,corador)e
local para enxugar ...
Elas trabalhavam em equipe... chegam na mesma hora e saiam todas juntas. Elas se ajudavam... Uma fazia o café...  fogo feito com galhos secos entre uma trempe de pedras... chaleira feita de uma lata com um arame amarrado de uma margem a outra da lata, era o pegador. Cada uma levava seu farnel... um pedaço de rapadura, farinha, feijão com toucinho, farofa de óvos, tapioca etc.
Quem terminasse de lavar primeiro ficava vigiando as roupas espalhadas nas moitas, nas cercas para enxugar (secar).
Mamãe tinha umas amigas lavadeiras... lembro de mamãe sempre esperando a passagem delas, tanto na ida como na volta para distribuir uma merenda... Eu gostava de ver e ouvir a volta delas, colocavam as trouxas nos parapeitos,as cuias com resto de sabão e as cabaças sem água no chão... Estavam suadas, o cheiro de roupa limpa era muito forte e gostoso... entravam lá em casa iam tomar água fria retirada do pote, enxugavam o suor com a rodilha que colocavam na cabeça para equilibrar a trouxa de roupas...
Ali era sempre uma parada...para refrescar um pouco, tomar água, café e muitas e muitas vezes até almoçar. Naquele momento elas compartilhavam o dia com mamãe. Também a dureza da vida familiar...
O relacionamento com as "patrôas chiques"... Mamãe sempre ouvindo, ouvindo... dava um leve sorriso e diazia: " cada um tem seu jeito de ser"...
A maioria não sabia ler nem escrever, muitas traziam cartas dos maridos e filhos que migraram para São Paulo, Rio ou Brasília para mamãe ler e responder...  Elas eram  as "heroínas anônimas" como tantas outras sertanejas menos favorecidas, discriminadas. MULHERES, ANALFABETAS, POBRES,LARGADAS. VIVENDO À MERCÊ DA SORTE.
(De Regina Estela Bonfim, num email para o Prof. Raimundinho.)


sexta-feira, 7 de junho de 2013

Campestre

Um aconchego 
recostado ao seio da terra
e pronto: fragrâncias de imburanas 
inspirando paisagens
que se estampam no ar!


Um sereno,
segregando húmos,
afagos que borbotam
nos liame das aroeiras,
é o que será!

Um zelo acatado
do terral ímpeto
e a gêmula brota,
feito cerne fascinante
no pando esgalhar das canafístulas!

Raimundo Cândido

terça-feira, 4 de junho de 2013

O Berro do Jegue Crateuense


Percorria, vagueando, densamente absorto, uma poeirenta estradinha entre as sebes de ripas entrelaçadas de uns cercados nos arredores da cidade, e pareceu-me ouvir – muito ao longe - numa voz grave e rouca, alguém a citar meu nome:
 - Professor Raimundo!
Paro, viro-me e olho para a trilha já percorrida, só poeira! Verifico atrás das excludentes cercas, já em ruínas, mas não vejo ninguém que possa ter me invocado.
Confesso que senti um estranho calafrio percorrendo-me à espinha dorsal, até os pelos do braços eriçaram. Indaguei-me: - Será uma alma do outro mundo? Quis correr, porém olhei para a copa do Juazeiro, fincado na beira da estrada, sei que era quase impossível, mas poderia ter um vivente ali, empoleirado!
                Mesmo envergonhado pelo medo súbito e por confundir o som do vento com uma voz real, acelero o passo.
                - Professor Raimundinho! (De novo aquela estranha voz e, agora, tenho certeza absoluta, não foi o vento!) 
- Estou aqui debaixo do Juazeiro! Gostaria de conversar um pouco com o senhor!
                Parei novamente, mas fiquei sem coragem de olhar para trás, havia notado um velho e esgotado jegue, descansando sob a sombra do pé de Juá, que estava fora dos cercados... Não poderia ser?!
                - Não tenha medo, por favor! Sei que parece impossível o senhor está me ouvindo, mas é verdade! Nos falamos sim, mas só para aqueles que sabem ouvir e conseguem ver a essência das coisas e por isso você precisa saber o que estamos passando, deve ter ciência do que estamos sofrendo!
                Saber que os animais se comunicam e possuem sentimentos me ajudou aceitar o episódio inusitado... Mas um jegue! Por que não o vadio pinscher Luppi, que entendo tudo que ele diz e tudo que ele quer! O Jumento, de uma cor acinzentada com uma cruz negra pregada nas costa, continua falando:
                - Professor, pode me chamar de Jerico! Quero lhe fazer uma perguntas, eu posso?
                - Claro que pode, meu amigo Jerico! Respondi rápido, ainda com temor daquela arrumação.
                - É verdade que aquele povo de olhos puxados, querem levar o restante de nossos irmãos, aqui do nordeste, para fazer enlatado, lá na China?
                Eu sabia que era verdade, mas notando uma lágrima escorrer pela face do Jerico, fiquei sem saber o que dizer. Tentei amenizar:
                - Meu amigo, aquele povo é muito estranho, mas não se preocupe, eles vão primeiro consumir as formigas, os escorpiões, os morcegos e uma multidão de cães, que já estão armazenados em suas geladeiras... Não quis dizer que um acordo entre o Brasil e a China liberou o intercâmbio de jumentos!
                - Obrigado Professor, por tentar me acalmar, mas nós ficamos sabemos de tudo! Desde que aquele cidadão, que sabemos muito bem quem é, pegava os nossos antepassados pelas estradas – Lembra-se de que ele tinha até um jeitinho de laçar os jegues e uma roldana fazia o resto do serviço, puxando nossos irmãos para dentro de um gaiolão do caminhão? - que o apetite dos chineses foi despertado para carne de Jumento. Até aquele famoso escritor, seu amigo, o tal de Luciano Bonfim, e que escapa lá para lado de Sobral, denunciou que os enlatados provenientes de Pernambuco e São Paulo, eram quitute de jegue. Ele disse também, que uns amigos dele, depois de consumir o tal filé, forma vistos um bom tempo depois, a ornear pelos campos...
E o Jerico continua a debulhar seu rosário de lamentos:
                - Estou velho e cansado, não posso mais com o peso nos lombos, por isso me abandonaram nesta estrada. Professor me diga, sinceramente, você conhece um ser vivo na face da terra que já foi mais injustiçado que a nossa raça? Ganhamos essa cruz na nossas costas desde que ajudamos a Maria e o José a fugir com Jesus Cristo para o Egito. Ajudamos até a Sansão vencer uma guerra e se formos numerar, a lista seria imensa, não merecemos tantas injustiças, não acha, professor?
                Confirmei com o maneio de cabeça, mas não deu tempo nem de falar, o Jerico continuou:
                - Veja você, estamos passando por um aperto danado nestes anos de seca, água vai faltar nas suas casas e não se lembram do que nós fizemos! Mas professor, quantos anos e quantas décadas, sustentamos com água de beber os potes da sua cidade. Desde a época do lote de jegue carregados com os roliços canecos do Seu Lino, abastecendo a casa de Seu Amâncio e toda a Praça da Matriz.  Você era menino, professor, e o Seu Gonçalinho, o Gonçalo Soares Melo, está lembrado, que fornecia água para a casa da Dona Delite, do Seu Milton, do Seu Osvaldo, do Aguiar a 100 cruzeiro a carga, vindos da Grota do Neco ou do Retiro? Aqueles jumentinhos que trabalhavam o dia inteiro e à tardinha eram soltos no cercado do Poço da Roça, foram grandes heróis, professor!
                - Quero só ver quando setembro chegar, vocês todos correndo atrás dos carros pipas, implorando por água que não sabem nem de onde vem!
                - Professor, deixe eu lhe lembrar uma coisinha, nos anos de 80, 81 e 82, tudo foi seca braba como essa que estamos sofrendo e só foi chover em 83, no dia 19 de março, depois do décimo quarto dia de um sacrifício da santo Afredinho, lembra-se? Pois sim, em 82, todas as cacimbas aqui por perto secaram! Sabe como foi resolvida a situação? As tropas de Jegue, do Seu Alaíde, do Seu Chico Bezerra, do Joaquim Adão, do Seu Vicente, do Gonçalinho com seus canecos redondinhos, foram quem salvaram a situação. Água só tinha mesmo no poço do Ramalho, a 6 km de distância, lá no Morro Alegre. As veredas chagaram a afundar de tanto os jegues pisarem com suas cargas d’água que salvaram a cidade de Crateús, somos ou não somos heróis, professor Raimundo?
                Empolgado, com aquelas boas lembranças do Jerico, completo: - Sem falar, meu amigo, na tropa de Jegue do Genaro levando carradas e carradas de caixotes de areia para construir a cidade! Sem falar nas centenas de açudes, de barreiros, feitos pelo esforço e compactados com o suor de vocês.
                Notei que o Jerico até se animou mais um pouco, mas aquela lágrima não parava de escorrer pelo seu focinho e, também, me deu vontade de chorar. O jegue fala:
                - Amigo, Raimundinho, eu lhe chamei aqui, foi mais para que você levasse uma mensagem para esse povo que não tem o mínimo respeito pelo nosso passado e nem pelo serviço prestado que fizemos à cidade.  Concordo em transmitir a mensagem do jerico crateuense, e me despeço, do amigo que ficou esperando o fim de seus dias sem um reconhecimento e sem uma homenagem.
O Jerico me chama, mais uma vez, e diz: - Raimundo, se um dia não existir mais nenhum membro de nossa espécie por aí, gostaria que você convocasse aquela sua equipe: o Providência, o Flavio Machado e o Silas Falcão e empreendessem uma campanha para colocar o busto do jerico ao lado daquele poeta que vocês plantaram na Praça José Coriolano. Sorrio, sem negar, sem confirmar e sigo vagueando, densamente absorto, uma poeirenta estradinha entre as sebes de ripas entrelaçadas de uns cercados nos arredores da cidade.
                Agora, seres injustos e cruelmente ingratos, prestem bem atenção na mensagem de protesto, apurem bem a audição e ouçam o berro que o jerico mandou para vocês:
                - Hooooooonnn! Hiiiiii! Hooooonnn! Hiiii!  Hooooonnn! Hiiii!  Hoooon! Hiiiiii! Hooonn! Hooonnn!

Raimundo Cândido



Zacharias Bezerra de Oliveira disse...
Hooooooonnn! Hiiiiii! Hooooonnn! Hiiii! Hooooonnn! Hiiii! Hoooon! Hiiiiii! Hooonn! Hooonnn!

É verdade, professor Raimundo, os animais falam, mas nós não os sabemos escutar!

José Alberto de Souza disse ...
Quem sabe este dileto amigo não funda um Centro de Tradições Crateuenses a fim de preservar o jegue como animal símbolo da sua cidade, a exemplo do que ocorre com o cavalo aqui no Rio Grande do Sul. Até podia ser equiparado a uma condição sagrada que nem a vaca na Índia...
Já ouvi falar que nossos antepassados, quando queriam abrir uma estrada, costumavam amarrar umas latas na cola de um burro e depois espantavam-no mato afora, seguindo seus rastos para abrir a facão essa picada.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Academia de Letras de Crateús elege sua nova diretoria


Sábado, 1º de junho de 2013, a Academia de Letras de Crateús elegeu sua diretoria para o biênio 2013-2015. Foram eleitos: Raimundo Cândido (presidente), Flávio Machado (vice-presidente), Karla Gomes (secretária), Adriana Calaça (tesoureira) e Ana Cristina do Vale (Diretora de Publicações e Comunicações); para o Conselho Fiscal: Edmilson Lopes, Lourival Veras e Vera Fernandes.

A posse da nova diretoria será dia 13 de junho, no Teatro Rosa Moraes, quando da abertura do II Encontro Cearense de Escritores, que estará acontecendo em Crateús entre os dias 13 e 15 de junho de 2013.

Fotos: Carlos Henrique









domingo, 2 de junho de 2013

O Trem do medo


A nave da Igreja Senhor do Bonfim nunca admitira tantos fiéis como naquele distante domingo de janeiro de 1926, estava lotada. Aglomera-se gente até nas calçadas e, na ponta dos pés, estiravam o pescoço para melhor ver e ouvir a homilia do Padre Juvêncio. A pregação do sacerdote teve de tudo, menos o seu estilo característico, coloquial e ameaçador, sobre as benesses e os castigos do Evangelho. O Padre Juvêncio, ao perceber a grande inquietação, parecia um psicólogo:
- Meus amigos, fiquem calmos! Sabemos que os revoltosos estão chegando, mas não se alvorocem, por favor! Rezemos para que tenhamos a proteção de Nosso Senhor Jesus Cristo!
A maioria não esperou o final da missa. A prédica surtira um efeito contrário. Correram para suas casas e reforçaram as tramelas das janelas e das portas. Pelas ruas só se via os soldados dos municípios vizinhos ajudando à força policial do Governo Federal e da cidade de Crateús a reforçarem as barricadas e a cavarem trincheiras na Praça da Estação.
Alguém, imprudentemente e numa propagação desesperançada, anuncia aos quatro cantos da cidade, para que todos possam ouvir:
- O aviso do ataque veio pelo telégrafo da estação! A coisa não é de brincadeira, meu povo! Quem puder que se salve, pois o Capitão Peregrino soltou até o famigerado cangaceiro Zé Mourão, para proteger a nossa cidade!
O alvoroço, que já era grande, piorou. Os mais abastados, na calada da madrugada, sumiram para as fazendas, em ligeiras tropas de animais e, antes de escapulir, enterraram suas patacas de ouro e prata, amarradas em mocós de couro de bode, debaixo de algum verde juazeiro, pelas redondezas da cidade. Nestas desesperadas apreensões, para evacuar uma população em perigo, a quem tolha os movimentos e trave as suas ações, mas também há quem cedo se alvoroce e busque as soluções dos desespero.
Um trem estava parado na estação. E da idéia para a ação foi só o tempinho de reunir algumas famílias importantes, incluindo a do maquinista e do foguista, sem eles não teriam como partir.  Tudo em surdina.  Não poderiam espalhar a notícia, pois não comportaria uma cidade inteira nos vagões da Maria Fumaça. Dizem que foi o único trem que partiu sem um apito de despedida, e até o fumo que exalava de sua negra chaminé era pálido como a neve, para não chamar atenção! Mesmo assim, estava abarrotado de gente, que desertavam de sua cidade.
Fora o desagradável sacolejo dos vagões e o repetitivo som metálico: tchuc tchuc tchuc das rodas de aço nos encontros dos trilhos, só se ouvia as aves marias e as salve rainhas, quase silenciosas, dos lábios das aflitas senhoras com terços nas mãos. Algum soluço choroso, pelo pavor reinante nos lábios de uma criança, era imediatamente abafado. O Trem do Medo abria caminho pela madrugada incerta e todos tinham a impressão que caminhavam para a morte!
 Alguns corajosos cidadãos, com seus revólveres winchester Smith na cartucheira, ou mesmo um socadeira dependurada no ombro, confabulavam com o condutor sobre a probabilidade de encontrarem os revoltosos pela frente, eles diziam:
- Maquinista, se avista uma tropa com lenço vermelho no pescoço, não pare o trem, siga em frente!
Avisaram para os demais passageiros que ficassem abaixados, principalmente quando passassem por uma cidade, e quem olhasse para aquele trem, deslizando sobre a linha férrea, teria a impressão de que era uns vagoes fantasmas, sem um vivente nas cadeiras.
O trem, enquanto engolia carvão, comendo distâncias, soltava fumaça e já passara pela cidade de Ipueiras, ao sopé da Serra de Ipiapaba, sem parar. Subitamente um grande medo toma conta de todos, pois o maquinista reduzira a velocidade. Na frente, um amontoado de dormentes despregados sobre os trilhos, anunciava perigo. Tiveram que parar, senão desencarrilhariam e seria grande o desastre. Primeiro, perscrutam qualquer som estranho, como um estalar de galhos, vozes de soldados ou o engatilhar de fuzis, pois estavam todos abaixados. Levantam-se, lentamente, e percebem que estão sozinhos, sem poder seguir para a cidade do Ipu. A linha férrea havia sido destruída.
Ponderam sobre o que fazer, diversas sugestões aparecem, até em abandonar o trem e ganhar a caatinga sem rumo, em busca de algum socorro. O maquinista, como líder experiente, toma uma firme decisão, ele retornará e quem quiser ficar, que fique e ganhe as brenhas da caatinga, sem comida, sem água para beber. Todos resolvem segui-lo e o trem começa a longa viagem de volta, rumo à cidade de Crateús e de marcha à ré.
As mesmas orações que foram ditas na vinda são, desesperadamente, reconfirmadas na volta, pois mesmo em regresso, continuam numa viagem de fuga e cheia de incertezas. Mais de 200 quilômetros percorridos pelo Trem do Medo, onde em cada janelinha semiaberta pares de olhos imaginam vultos armados nas moitas de mufumbo, que margeavam a linha férrea.
Ou foi o poderio das rezas das senhoras ou um grande lapso da sorte, pois o destacamento de João Alberto marchava seguindo a linha férrea. Retornam à Crateús, são e salvos. Param o trem ao lado de uns cargueiros repleto de algodão, e se dirige as suas casas, vão reforçar, também, as tramelas da portas e das janelas.
Foi a tempo de saberem notícias de um estranho mendigo, se fazendo de aleijado, pedindo esmolas pela cidade, perambulando pelas ruas, mapeando tudo, caxingando por uma perna e com uma suja capa preta cobrindo a cabeça. O pedinte estira a mão para o casarão da Rua João Tomé nº 290 e pede esmola. Dona Isabel Bonfim Leitão oferece água, café e bolo, mas nota que o aleijado tinha boas maneiras, firmeza em pegar na xícara e levá-la à boca. Corajosa, pergunta:
- O que o senhor sabe dos revoltosos?
- Minha Senhora, eu não sei de nada, só sei das minhas esmolas!
Era o capitão Pretinho, perigoso espião do Batalhão de João Alberto, que anunciava angustiantes momentos de tempestades e medo!
Às três horas da madrugada, quando os revoltosos soltaram uma saraivada de fuzis, pelos cantos, denotando o cerco da cidade, os corações dos passageiros do Trem do Medo aceleraram novamente em disparada, e ao mesmo tempo sentiram alívio por não terem encontrado esses disparos em sua frustrada rota da fuga. A força policial que defenderia a cidade, revida com um crepitar intenso de fuzilaria. Era a cidade de Crateús em guerra!
O cangaceiro Zé Mourão rolava pelas calçadas e, agilmente, disparava seu fuzil, tal qual o bacamante de Alexandre Mourão, mas a Praça da Estação caiu em poder dos revoltosos, que ataram fogo nos cargueiros com algodão.
A nossa sorte foi que o Quartel General da polícia era a Matriz do Senhor Do Bonfim e do alto de uma das Torres um tiro certeiro acerta Antônio Cabeleira que saía correndo de uma casa em frente à Igreja. O tiroteio continua cerrado.
Dona Maria Augusta, olhando por uma fresta de porta, atesta o fim da luta. O Pelotão de policiais comandados pelo capitão Peregrino Montenegro encontra-se com uma tropa de revoltosos liderada pelo Tenente Tarquínio, na Rua da Pimenta, separados por um monte de pedras. Os dois oficiais, em duelo, trocam palavrões, vitupérios mútuos e por fim, tiros, mas erram. O Tenente provoca o Comandante da guarnição de Crateús para uma luta, na ponta ferro branco. O que faz Peregrino gritar: - Pois então saia daí e venha brigar! Mal o delegado de Crateús fecha a boca, já viu diante de si o audaz guerreiro revoltoso, que foi recebido com um tiro certeiro de mosquetão. Com o revoltoso ao chão, as pontas de facas o acabam de matar.
Era o crepúsculo de uma luta feroz pelas ruas de Crateús.  Os revoltosos, com seus lenços vermelhos nos pescoços, desaparecem pela Várzea dos Paus Brancos, foram enterrar seus mortos... Mas as lutas, as eternas lutas, pelas quais começaram uma grande marcha contra as fraudes eleitorais, a concentração de poder político nas mãos das elite agrárias, exploração das camadas mais pobres pelos coronéis, ainda continuam...
Pelo visto, os Trens do Medo nos trilhos da vida, permanecerão a circular!

Raimundo Cândido

José Alberto de Souza disse ...
Isto já não é crônica, mas sim capítulo de um romance histórico que, a partir deste momento, esse grande escritor está desafiado para concluir, pois deixou seus leitores ansiosos em saber começo e fim de tais acontecimentos.

Joâo Silas Falcão Soares disse...
Poeta e presidente eleito da Academia de Letras de Crateús, Raimundo Cândido. Li e reli com atenção única e vigorosa a sua crônica histórica e muito bem narrada. O título O trem do medo se encaixou com muita fidelidade ao contexto da narrativa de medo, receios, fugas e perigos. Desde criança escuto falar dos revoltosos, da Coluna Prestes em nossa cidade, mas não com detalhes como você abordou. Sei que você tem muitas pesquisas sobre a história de Crateús. Muito bom porque todas estas pesquisas serão assuntos para suas crônicas. 
Parabéns, amigo cronista.