quarta-feira, 4 de setembro de 2013


Carlos Mourão (RENAP) e André Feitosa (ARPIA) no Debates ADUFC na última segunda-feira (2/9) sobre "Direito à Resiliência na Ocupação do Cocó: Enfrentamento Jurídico e Psicológico ao Estado-de-Violação" (Foto: Assessoria ADUFC).
 
"Um dos melhores debates que tive a oportunidade de assistir nos últimos tempos! Uma abordagem séria, consistente e original. Parabéns ADUFC e palestrantes André Feitosa e Carlos Mourão.

Tânia Batista

 
"Concordo Tânia. Também estive no debate. Muito esclarecedor. Sugeri ao Carlos Mourão - a esquerda e meu filho -  e ao André que expandisse o debate a outras Universidades, Faculdades, Colégios. Há necessidade do público conhecer sobre os reais motivos que determinaram a ocupação do Cocô.  E, o mais grave, a reação autoritária e agressiva do estado e do município por ação da força policial".

 
Silas Falcão

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Pombal – Os pássaros de fogo!


             A divina catálise do fogo foi e sempre será uma afluência necessária... Um crepitar de labaredas, cauterizando, purificando as maturações orgânicas que estalejam aos ouvidos... Isso, desde o começo das eras! Uma purificação de ardências em brasas, pelo calor que ilumina e cega, transformando em cinzas um velho mundo caduco, fazendo emergir, de um quase nada, o súbito porvir. E foi assim que surgiu a Caatinga, numa ardência disforme e despretensiosamente tosca!
Quem já esteve no epicentro de um agitado pombal, com milhares de avoantes em revoadas aleatórias, percebe que o calor é o pai da vida... E também da morte! A quantidade fabulosa de pombas-de-bando que se assusta e levanta voo, simultaneamente, faz lembrar o ruído de uma locomotiva resfolegando em marcha acelerada: - Ôooo... Ôooo...  O Pombal, uma colônia reprodutiva gigantesca, é um forno inclemente pela alta incidência dos raios solares e pela quentura viva, emanada dos corpos dos incontáveis columbiformes, desesperados com a invasão do sacrossanto local de postura, e chegam a partir galhos, quando pousam. Os caçadores não fazem pontaria, não miram... Atiram no bolo em revoada constante e as coitadinhas das aves nem fogem dos estampidos das espingardas, que só intensificam o calor, a escorrer das frontes concentradas de Júlio de Maria e do certeiro mestre Doca, preocupados em não pisar numa cascavel que se farta com os milhares de ovos e com os empenujados filhotes, postos ao leu pelo chão irregular do carrascal arbustivo de ramos secos e retorcidos da inóspita caatinga, próximo ao grande açude de São Francisco.
Sempre voando, em massa prodigiosa, as ribaçãs deitam ao chão uma quantidade imensa de ovos, que atraem de suas tocas os gulosos teiús e as terríveis cobras, mas também convida o esfomeado sertanejo de sua rústica cabana, para o farto banquete a céu aberto.
À beira do açude São Francisco, no crepúsculo vespertino, o caçador Quidé prepara uma invisível forja e se camufla com galhos secos e sob um manto de terra batida, aguardando que as avoantes, com os papos cheios de grãos maturados no chão ressequido da caatinga, sementes de marmeleiros, de mufumbo, de bambural, de jurema e favela, venham matar a incontrolável sede. Uma coluna cerrada, num acinzado denso, aparece no horizonte como uma nuvem compacta que voa sem interrupção. A secura é enorme, e elas descem num funil de turbilhão, tremeluzindo as asas de prata e com uma plumagem de ouro esmaecida pelos últimos raios de sol. Os pássaros de fogo pousam nas margens e, sem perda de tempo, mergulham a cabeça num glub, glub, glub de desespero e sequer notam as companheiras sumindo na flor d’água, pelas hábeis mãos de Quidé.
Depois que o bíblico povo de Israel fugiu para o deserto e após muitos dias de fome, queixam-se a Moises: - Teria sido melhor que o Senhor tivesse nos matado no Egito! Lá, nós podíamos, pelo menos, nos sentar e comer carne à vontade! Deus manda um recado pelo Profeta: - Diga a eles que hoje à tarde, antes de escurecer, eles comerão carne em abundância. E fez chover uma incrível quantidade de avoantes, pássaros do fogo de carne amarga, fatigados de um longo vôo numa rota de arribação!
Como os Árabes do deserto e os Judeus errantes, os retirantes cearenses na grande seca de 1888, também foram salvos pela Providência Divina por um bando incomensurável de avoantes, mas os irmãos sertanejos não praguejavam pela dura sina imposta pelo cruel tempo, pois antes de tudo, mesmo inocentes injustiçados, são uns simplórios no modo de vida e de respeitável vigor de agreste alma!
No mês de setembro as pombas, zenaidas aureculatas, se despedem do sertão nordestino e levantam vôo, como as andorinhas, arribam para o longínquo sudeste. Vão nidificar nos canaviais de São Paulo e Paraná, onde encontram uma alimentação abundante nos cotilédones de soja que brotam do chão, nos grãos de trigo e nas sementes dos imensos arrozais, sendo consideradas pelos agricultores sulistas como animais sinantrópicos e por isso, combatidas por todos os meios, como uma pesada praga bíblica.   
Como um repentino sereno que libera o cheirinho gostoso de terra molhada, o calor dos fogões liberta o alifático cheiro de um café torrando, ou o infiltrante anel aromático de um peixe sendo frito ao meio dia, à hora da digníssima fome.  A divina catálise do fogo foi, e sempre será, uma afluência necessária... Principalmente na hora do almoço! Um vento brincalhão passa pelo crepitar das brasas, de uma casa vizinha ao Ceja Prof. Luiz Bezerra e nos traz um cheiro característico e raro, um petisco sendo preparado com esmero, e indica a atividade recente de um caçador. O professor André pergunta-me: - Oh, aí, Raimundo! Sabe que aroma é esse?
                Desde aquele dia, em que o caçador Júlio de Maria chegou em casa com um saco cheio de avoantes,as quais tivemos de depenar e tratar com muito cuidado, que este aroma e este sabor, de rara iguaria, não larga da minha mente!
                Os espertos caçadores, tentando burlar o negrinho de uma perna só, com seu cachimbo e com barrete vermelho, não mais atiram, para não atrair os colegas do Saci Pererê,  funcionários do IBAMA. Eles inventaram uma arapuca feita com varas de uma única entrada, sem saída, e pegam, silenciosamente, dezenas de avoantes enquanto essas tentam encher o papo pela capoeira aberta no eito de um deserto sertão.
                A Caatinga, com seu crepitar de labaredas, cauterizando, purificando as maturações orgânicas que estalejam aos meus ouvidos, nesta época impiedosa de contínua seca, me fala de aspirações e de longínquas saudades, pois também tenho alma incerta no eterno desejo de arribação!
                   
                Raimundo Cândido