quarta-feira, 25 de abril de 2012

CORTEJO HISTÓRICO PELA CULTURA DE CRATEÚS


Os olhos dos transeuntes de algumas ruas de Crateús puderam, hoje pela manhã, presenciar uma inusitada manifestação de protesto. Eram artistas de diversas linguagens, vestidos de seus "papeis", desfilando os trajes e facetas das artes, para chamar à atenção da Sociedade quanto a importância da cultura para o nosso povo.
O movimento de protesto, batizado pelos manifestantes de CORTEJO, denunciava a situação da gestão pública da cultura em Crateús, que padece um quadro de abandono e secundarização por parte da Administração do município.
O destino da passeata foi o Centro Administrativo, onde foi entregue ao gabinete do Prefeito una Carta Aberta, traçando um diagnóstico da atual situação cultural de Crateús e apresentando as reivindicações. A mesma carta foi distribuída à população durante o cortejo.

 

Carta Aberta ao prefeito Carlos Felipe Saraiva Bezerra


Senhor Prefeito,

"Cultura é comportamento, se manifesta nas mínimas relações do cotidiano, é postura frente ao mundo. [...] É com a cultura que um povo pode dar um salto no refazer da solidariedade, no direito à apropriação de sua memória e no conhecimento da importância do seu papel transformador." (Célio Turino)
Os que assinam esta Carta Aberta entendem ser urgente e inadiável uma política municipal de cultura que defina uma agenda mínima e contínua de atividades culturais em Crateús.
Passados mais de três anos da atual administração, apesar de conhecidos esforços da SECULT, do MINC e da comunidade artística local, no sentido e envolver os municípios no processo de construção dos sistemas públicos de cultura, vê-se em Crateús a continuidade do desmazelo e da secundarização desta área da gestão pública. A ausência de, pelo menos, um mínimo de planejamento nos leva ao diagnóstico a seguir:
1. Secretaria de Cultura e Turismo: A criação da Secretaria foi um avanço e trouxe grandes expectativas ao setor, mas esta tem se revelado potencialmente vazia, uma vez que não dispõe dos recursos necessários para implementação das ações que lhe competem. Seus gestores, embora pessoas afeitas à cultura, encontram-se limitados pela completa falta de verbas ou em realizar eventos (que, como a própria palavra revela, é vento).
2. Lei do Fundo Municipal de Cultura: Outra reivindicação do setor aparentemente atendida pela atual administração, mas inteiramente nociva. Isto porque não diz de quais receitas virá esse recurso e não estipula qualquer percentual para abastecer este fundo, o que o torna incongruente.
3. Pontos de Cultura: Crateús é uma das cidades do interior cearense melhor assistida em quantidade de Pontos de Cultura: são cinco! Cada um com investimento de 180 mil reais, recurso empregado todo ele em formação e desenvolvimento da cultura local. Mesmo assim, apesar das inúmeras tentativas de seus dirigentes em firmar parcerias com a administração local, não existe uma política voltada para estas entidades. Afora uma relação de proximidade com os Pontos de Cultura Beira de Rio, Topo de Serra e Cultura é para Todos (que são atendidos com o pagamento do aluguel e em uma ou outra ação), o restante é nulo.
4. Carnaval e Quadrilhas: Os dois carros-chefes da cultura de massa de nosso município encontram-se de pires na mão, praticamente pedindo esmola para poderem acontecer. O que se percebe, a cada ano, é um retrocesso violento em relação ao ano anterior, tanto em recurso quanto em qualidade do que é visto nas praças e avenidas da cidade. Algo que tem hora e dia marcados para acontecer, somente é pensado nos últimos dias, e feito de qualquer jeito, como se fosse para inglês ver.
Embora seja duro afirmar, é necessário dizer que todos os setores da cultura encontram-se em petição de miséria. Os grupos de teatro praticamente não existem mais; as companhias de dança extinguiram-se; o circo sobrevive apenas pelo trabalho abnegado de alguns multiartistas e seus panos de roda; a cultura popular dos reisados e das Danças de São Gonçalo não resistiram ao abandono; as artes plásticas, a música, os artesãos, a capoeira, as culturas afrosdescendente, indígena e cigana se encontram relegadas à própria sorte; o setor do livro e da leitura infelizmente não existe, e a biblioteca pública é apenas um depósito de livros. Todos os setores da cultura do município, enfim, pedem atenção, respeito e investimento.
Diante disto, vimos reivindicar a urgente implantação [1] do Sistema Municipal de Cultura, [2] criação do Plano Municipal de Cultura, [3] criação do Conselho Municipal de Cultura, [4] criação do Fundo Municipal de Cultura (com o repasse de no mínimo 1% da arrecadação municipal para o Fundo), [5] criação de leis e editais de incentivo à cultura, [6] criação da Lei do Patrimônio Material e Imaterial, [7] políticas de formação continuada em cultura e [8] apoio às produções artísticas locais.
Senhor Prefeito, não é mais aceitável, nos dias de hoje, com toda informação a que estamos sujeitos, entender a cultura como um artigo de 2ª categoria, relegada às questões menos importantes de uma administração. Conforme ressalta Marilena Chauí, "é a cultura que forma as realidades que nos condicionam e projetam os destinos da vida em comum". A cultura não é e nem deve ser entendida como artigo de luxo, é produto elementar para identidade de um povo. É a cultura praticada em Crateús o que nos torna únicos em relação aos demais povos do planeta. Sem cultura seremos para sempre desmemoriados.
Em razão da proximidade das eleições, queremos propor uma reunião até o dia 3 do mês de maio do corrente ano, para discutir a pauta ora entregue.
Atenciosamente,

SABI (Sociedade Amigos da Biblioteca Norberto Ferreira Filho)
ORCA (Organização Karatiús)
Ponto de Cultura Quintal com Arte
Ribuliço Ecoart
Academia de Letras de Crateús
Frente Social Cristã
Cáritas Diocesana de Crateús
Movimento Negro de Crateús / Comunidades de terreiros
Paróquia Imaculada Conceição
Centro Espírita Boa Nova
Centro Acadêmico de Pedagogia Luís Palhano Loiola – FAEC/UECE
IDSAF (Instituto de Desenvolvimento Social Dom Antonio Batista Fragoso)
Acadêmicos do Tykerê
Bloco Alternativo Inkomuns
Escola de Samba Malagueta
Quadrilha Junina Roça de Milho
Quadrilha Junina Arraiá Esperança
Quadrilha Ceará Junino
Família Norberto Ferreira Filho
Francisca Erbênia de Sousa
José Carlos de Paula Miguel (artista plástico)
Hilda Cristina (artista plástico)
Francisco Welington Alves Lira (ator)
Raimundo Cândido Filho (escritor)
Flávio Machado e Silva (escritor memorialista)
Maria do Socorro Malveira Siqueira (atriz)
Waldenia Bezerra Rosa (cantora)
Messias Gomes (ator)

terça-feira, 24 de abril de 2012

SOBRE POESIA E POLÍTICA




Hoje pela manhã fui despertado por um telefonema do César me lembrando de que era dia de fechar mais uma edição do Jornal. Portanto, aguardava minha crônica. Na sequencia me narrou seu encantamento com a fala do recém-empossado Presidente do nosso Tribunal Constitucional, Carlos Ayres Britto. Colhi daí o mote para estas linhas: a intercessão entre as linhas da poesia e da política.

Aproveitei para, primeiro, revisitar um verso de Ayres Britto: “Namore bem com a vida./ Deixe que ela seduza você./ Permita-se ter um caso de amor/ Com ela,/ Mas não pare por aí:/ (…) Faça tudo isso e prove da vida/ Como do néctar das flores/ Prova o colibri,/ Sem se perguntar se existe outro céu/ Fora daqui”.

Pois é... O verso acima é produto da tecelagem poética de Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto (eis o seu nome completo). Um sergipano de Propriá que assumiu na última quinta-feira, 19 de abril de 2012, a Presidência da mais alta Corte de Justiça Brasileira, o Supremo Tribunal Federal. Ayres Brito ganhou relevo pelo fato de povoar suas intervenções no STF com frases que destoam do trivial, forjadas na máquina de tear de sua genial renda literária. Teima em provar que continua inalterado: “Hoje me chamam de ministro/ E eu decido sob respeitável toga./ Meu coração, porém, não mudou nada./ Continuo um romântico indiozinho/  a remar sua piroga/ E a cismar por entre as árvores, à noitinha,/ Vendo em cada pirilampo e em cada estrela/ Os faiscantes olhos da namoradinha.”

Seu discurso de posse se constituiu em uma tela de delicada tessitura criativa. Exala o orvalho de sensibilidade que brota do autor. Urge registrarmos quão raro é a nação assistir um poeta tomar as rédeas de um dos três poderes da República. Oh! Quanta falta faz, no áspero e belicoso bioma da política, a presença de seres banhados pelo sereno do bom senso!

Alguém pode imaginar que considero os poetas como homens acima da média, bafejados por alguma aura extraordinária. De jeito nenhum. Concordo com Neruda: “o poeta não é um «pequeno deus». Não, não é um «pequeno deus». Não está marcado por um destino cabalístico superior ao de quem exerce outros misteres e ofícios. Exprimi amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se julga deus. Cumpre a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, levar ao forno, dourar e entregar o pão de cada dia, como uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a atingir essa simples consciência, a simples consciência também pode se converter em parte de uma artesania colossal, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos”.

Pois bem. É isto que quero dizer: a política - o serviço à polis, à cidade, à comunidade - é essa atividade magnífica de tornar acessível a todos os bons frutos da árvore da vida.

Um pulsante exemplo da poesia materializada na política é a capital da França. Paris, a bela, a exuberante, a formosa Paris, com suas marmóreas construções, com suas pontes esmeradamente decoradas, seus prédios amarelos e suas catedrais cinzentas é um belo modelo da transfusão lírica nas veias de uma metrópole. Paris realizou o onírico rito de passagem, a incorporação da sensibilidade artística na reunião das pedras para as edificações arquitetônicas. É sintomático que um dos seus programas mais festejados seja o passeio pelo rio Sena. O rio, artéria vital, é como que reverenciado pela cidade. As principais e as mais tradicionais construções estão à margem do leito fluvial que banha a urbe.

Mirando Crateús, surgem as indagações. Por que desprezamos nosso rio? Por que as nossas construções estão de costas para o Poty?

Imaginemos, por mera divagação ou louvor ao diletantismo, um rio despoluído e perenizado, as margens recuperadas, a mata ciliar preservada!... Imaginemos as pontes iluminadas, exibindo esculturas de arte dos artistas locais!... Imaginemos uma orla prazerosa, com espaços de lazer, pistas de Cooper, jardins de meditação!... Imaginemos pequenos barcos disponibilizando passeios românticos e culturais ao longo do percurso urbano!...

Saber que nada disso é devaneio gratuito, mas possibilidade desperdiçada. Saber que temos muito mais potencialidades inexploradas... Saber que outras regiões do planeta, sob condições bem mais adversas, executaram ideias incrivelmente mais arrojadas que esses simples e modestos desejos... Confesso que me dói...

Confesso que me dói ver nossas lideranças políticas reféns de uma agenda mesquinha, entrecortada pela futrica menor, pelo alarido da maledicência.

Meu pequeno coração de poeta me diz que falta algo ao estrume da nossa política, que o torne gerador de vida, germinador de alegria: sementes de poesia! 

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)