terça-feira, 6 de setembro de 2011


Edmilson Providência
convida você e sua família para lançamento de seu primeiro livro e CD 
Sertanejo, Oh! Xente

Sábado dia 10 de setembro de 2011 às 19:00h na Cabana Mendes

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

                                                                          Expedição Tucuns
                Saímos, mais ou menos, ao meio dia do sábado com precisão (quase!) britânica que supomos haver nas grandes expedições que desbravam o mundo. O tempo, esse ímpio e supremo ser, estava todo a nosso favor, nenhuma azáfama nos impulsionaria, mas havia só  uma leve circunstância para a realização desta missão, a condição de que retornássemos a tempo de assistir ao jogo do flamengo, no domingo. Infelizmente meu querido time perdeu, mais uma vez. Não era uma daquelas potentes Toyota Hilux , tração 4x4, nem um berrante carro de rally que arremessa lama e acorda a poeira das estradas esquecidas de meu Deus, por onde passam. Era a esmeraldina e experiente Periquita que, de tanto roncar pela trilha que nos levaria ao nosso objetivo cientifico, já está amarelecendo.
                Como seu dono,o Edilson Macedo, um explorador de mundos e dos submundos, um especialista da vida vegetal, o nosso Burle Marx do sertão, cujos cabelos crescem serenamente em busca de um chão como se fossem raízes . Há uma diferença entre a temeridade e afoiteza, sabemos muito bem disso, mas na hora da partida nos benzemos silenciosamente e procuramos não pensar na ladeira íngreme e perigosa ,que nos aguardava.
                Com o experiente piloto na direção, conhecendo todas as manhas de sua velha Kombi e os dois passageiros bem acomodados na boléia, só precisou do consentido latido das três passageiras que iam muito bem a vontade, lá atrás: as três cachorrinhas mais salientes e namoradeiras da saudosa praça dos Pirulitos, pretinha, mel e tuxaua,  e  partimos.
                A periquita percorreu, rapidamente, um longo pedaço de chão asfaltado. Para ela, aquele tapete preto, é como andar numa escada rolante, só reclama mesmo é dos estremecimentos horrorosos que há nos malfeitos calçamentos de Crateús , que vibra seus nervos como se estivesse no centro de um abalo sísmico. Enfim, avistamos Queimadas, um povoado ao sopé da serra. Não tem o calorão do sertão, pois fareja o friozinho montanhês que sempre desce lá de cima, da Serra da Ibiapaba onde o lugarejo está escorado. Resolvemos fazer uma paradinha para esfriar o motor da Piriquita.  Ali, uma primeira surpresa nos aguardava. Uma inesperada emoção.
                A palavra é como uma chave que descortina o mundo, é só saber usá-la adequadamente.E foi a tagarelice do Edilson que descobriu aquele momento. Era exatamente naquele sitio que fariamos a entrega da preciosa encomenda que levávamos: um abraço enviado por Dona Delite ao seu irmão Zé Belê. Encontrei-o, arqueado no fundo de uma rede, consumido por uma malvada doença, e aos cuidados de sua zelosa filha. Vi os traços de meu avô no rosto sofrido de meu tio. Inconfundível DNA... ausente família... onde estão todos! As lagrimas que brotaram de meu rosto trouxe-me uma angústia que me apertou por  toda  viagem.
                Mas chegara o momento em que, receosamente, aguardávamos, era hora da subida. O motor da periquitinha, ora gemia numa primeira marcha de muita força, ora rangia numa segunda, demonstrando vontade de criar asas e nos levar logo, lá para cima. Não nos atrevíamos a olhar para trás, queríamos urgentemente um encurtamento ao topo, que enfim chegou e nosso alivio foi imenso. Tucuns à vista! Uma segunda parada era inevitável, já na primeira singela e bucólica rua, uma oportuna bodega com um bêbado caído na calçada e um pulguento cachorrinho ao seu lado. Edilson abastece o tanque dele, claro, e regamos o nosso alivio com um refrigerante bem geladinho.
Tucuns é uma terra de realidades e mitos que se mesclou e ainda se mistura, e se tece, nesta doce vida que buscamos. De um passado difícil e isolado, no vai-e-vem de tropas, com a vida dentro de surrões de couro nos lombos dos burros,  subindo e descendo a ladeira íngreme. Tucuns é a terra da rosquinha de goma mais gostosa do mundo, feitas na mercearia O Braz, pelas prendadas mãos de Dona Lúcia, cujo segredo é um tempero chamado quero mais. Tucuns era a terra das caninanas que corriam atrás das mulheres que iam buscar água na bica. É a terra do magnífico e esplendoroso Castelo de Pedras, local onde morava o mago Patrocínio que falava com os animais, e os pássaros vinham cantar em seu ombro. Lá tem uma exuberante beleza que infelizmente Crateús não conhece.
Não devíamos chamar mais aquele local de Tucuns, pois nenhuma touceira de tucum sobrou , devíamos  denominá-lo de Monte Olimpo, a morada dos deuses, que sempre reservam o que é de melhor para si. Onde Éolo , o deus dos ventos, manda uma forte e fria brisa na madrugada assoviar aos nossos ouvidos para uma tranquila noite de sono.  Um  aprazível Oasis na beira de um tórrido sertão que aos pouco vai sendo loteando, como um sitio exclusivamente particular e paradisíaco, uma imensa beleza nas mãos de alguns privilegiados. Uma riqueza turística inestimável que não sabemos aproveitar.
Mais uma vez rezamos silenciosamente pela proteção divina, pois é hora da descida. Lá de cima pensamos no vôo das águias, e mesmo sem suas asas para ruflar, vamos descendo devagarzinho, nos espremendo ao chão para senti-lo nos pneus da periquita e que seus freios suporte o retesamento da gravidade que nos  puxa fortemente em descida. Nas ladeiras íngremes, descendo ou subindo , sempre rogamos pelas forças dos céus, e este nos atendeu, pois a descida foi tranquila. Mesmo assim, a Periquita assustou logo que avistou Crateús, propositalmente secou um pneu, que rapidinho trocamos , aliviados por não ter sido lá  em cima.
Ainda tenho no paladar o sabor das rosquinhas de goma e nas retinas a estampa da estonteante paisagem do Castelo Encantado de Seu Patrocínio, implorando por um breve regresso ao Monte Olimpo dos Tucuns.

Raimundo Candido

José Alberto de Souza disse...

Grande Poeta Bodegueiro:
Mais um de seus "pitéus" litero-poéticos para saborearmos com essa sua habilidade de tratar as coisas mais simples deste universo de diversidades que abrange um sertão inteiro.
Palavra que dá vontade de acompanhar vocês nessa aventura para desbravar o "Monte Olimpo"...

Segunda-feira, 05 Setembro, 2011