sexta-feira, 13 de abril de 2012

Princesa, cadê sua majestade?


Elias de França

"...aquela que se proclama “Princesa dos Inhamuns”, cá nos SERTÕES DE CRATEÚS presta, isto sim, um medíocre e ordinário serviço de Bruxa."






Muitos crateuenses não compreendemos nem absorvemos positivamente a mudança no transporte intermunicipal Crateús-Fortaleza, de quando as empresas Rápido e Trans-Crateús foram substituídas pela Princesa dos Inhamuns.
Sabe-se que ocorreu num processo licitatório de concessão promovido pelo Estado do Ceará, por certo à luz da lei, segundo a qual há de vencer quem possui condições de oferecer melhores serviços a menores custos. Fora o preço das passagens, que vem se mantendo praticamente inalterado, no mais tem sido difícil notar esse plus de qualidade. Para não soar como injustificado apego ao passado e a resistência às “mudanças”, vamos a algumas comparações.
Comecemos pela frota, que deve ter sido um dos critérios considerados no processo licitatório. As velhas Rápido/Trans-Crateús não possuíam tantos ônibus, mas eram bastantes para dois horários diurnos e dois noturnos, diariamente, ida e volta. Nas datas especiais sempre eram disponibilizadas aos passageiros tantas conduções extras, quanto necessárias. É certo que a maioria emprestada e algumas davam prego, mas ter, tinha sim. Quanto à qualidade dos veículos, boa parte era de nível básico. Mas havia alguns bem melhores, com padrão semi-leito e até de dois andares, parecendo uma espaçonave.
Já a nova Princesa dos Inhamuns, dizem ter uma frota gigante, com centenas de veículos. Porém todos nos quais viajei, no itinerário Crateús-Fortaleza, são rigorosamente iguais e ordinários. Tirando-se o ar-condicionado, nenhum item de conforto relevante: mesma marca, modelo, tamanho. Poltronas estreitas e magras, de pouca inclinação para o sono, braço de apoio fino e seco e, as vezes, inexistente do lado da janela. Porta-pés desconfortável e de pouca mobilidade, e ausência de apoio de pernas – que no caso das velhas empresas era frequente. Nos dias especiais, é um sufoco conseguir passagem, mesmo com três, quatro dias de antecedência. Ônibus extra é sempre uma incógnita e, muitas vezes, também emprestado.
Vamos aos serviços, que devem ter sido outro critério considerado. As velhas Rápido/Trans-Crateús não tinham venda online de passagens nem aceitavam cartão de crédito. No mais, tudo era facilitado. Estivesse lá ou cá, bastava dar um telefonema para as agências e tudo estava resolvido. Se pedíssemos, alguém trazia a nossa passagem em casa. Para os mais exigentes e que desejassem uma viagem executiva, tinha um horário mais rápido, sem paradas, ao custo de R$ 5,00 a mais. Os passageiros eram saudados por uma produzida e simpática “rodomoça”, que oferecia chocolate quente de graça. Não bastasse isso, o serviço de bordo disponibilizava a venda de refrigerante, água mineral e outros. Enquanto se “pegava” no sono, sempre se podia assistir a um bom filme, no padrão “lançamento”, durante o percurso. No desembarque em Fortaleza, quem precisasse ir além da rodoviária central, até as garagens, não via cara feia. Moradores do bairro Montese e vizinhos também podiam saltar do ônibus na porta de casa ou há alguns quarteirões, assim como os que moram nas imediações da Bezerra de Menezes/ Mister Hull.
Nos tempos da nova Princesa dos Inhamuns, também nada de vendas online ou cartão de crédito. Os horários são todos ordinariamente iguais. Os ônibus param mais do que jegue cansado nos vilarejos da estrada, seja que hora for. Ainda que não haja passageiros a subirem, o motorista estaciona em plena madrugada para comer seu lanche e joga a luz interna nos olhos de todos os que dormem. Do sorriso da “rodomoça” e do chocolate quente, só a doce lembrança. Quem não tiver tempo de pegar a fila do quiosque de água na rodoviária, viaja com sede. Em vez do filme no padrão lançamento, só se for um galo na testa após bater nos inúteis monitores que descem do teto dos ônibus. Não tem história de garagem. Para termos a compra deslocada, foi preciso provocar uma confusão. E agora, se não remarcar in loco a viagem três horas antes, perde a passagem. E na última viagem, fui avisado de uma novidade: uma espécie de check-in para quem está em Fortaleza e compra a passagem em Crateús. Tem que chegar uma hora antes de embarcar para retirar a passagem na agência. É assim ou não viaja.
Poder-se-ia reclamar de muito mais, como agora a trama para privatizar a rodoviária (como já foi feito em Canindé e outras cidades); ou da cobrança de taxa de embarque e a ameaça de fechamento do único ponto de apoio remanescente, coisas “nunca antes vistas na história de Crateús”.
Em síntese, não se trata aqui de defender o retorno do velho. Sabe se que os serviços de antes tinham suas precariedades. Também não é mera bravata anticapitalista contra o que dizem, a grandes bocas, quanto a existência de um processo de cartelização do transporte no Ceará, em torno de quatro grandes grupos. Ao usuário, isso não desperta atenção. Muito lamentamos ter que fazer comparações entre presente e passado, quando já devíamos nos mirar pelos padrões de embarque internacionais, como nos aeroportos, em que se pode agendar e programar todo o pacote de casa, escolhendo voos, formas de pagamento, poltronas e até check-in.
O que nos toma é a sensação de mau trato e desconforto atormentando as necessárias viagens ou retornos da capital. Trata-se tão somente de manifestar o sentimento de que nós crateuenses merecemos muito mais do que já tivemos um dia: merecemos ao menos um horário executivo que chegue ao destino mais rápido com tempo de um descanso reparador para o trabalho no outro dia; merecemos – por que não? – uma condução com padrões de conforto melhores, quem sabe até um leito; merecemos saltar o mais perto possível de nossa casa e embarcar/desembarcar na Rodoviária, construída com recursos públicos, no ponto de apoio, na rua... sem barramento de cancelas e taxas extorsivas.
A palavra “princesa”, que dá nome à atual empresa responsável pelo deslocamento dos crateuenses, remete-nos a ideia de realeza, nobreza, grandeza, pompa, majestade. As sensações que vivenciamos no dia-a-dia das viagens, entretanto, nos deixam a impressão de que aquela que se proclama “Princesa dos Inhamuns”, cá nos SERTÕES DE CRATEÚS presta, isto sim, um medíocre e ordinário serviço de Bruxa.
 
Elias de França é Pedagogo, especialista em gestão, auditor fiscal do Estado e escritor.


Socorro França disse...

 "Bela reflexão de Elias de França com a qual concordo e ainda acrescento: somado a tudo isso, ainda há a descortesia e falta de habilidade de alguns que assumem a cadeira de motorista e de 'cobrador'. Um ou outro lembra de desejar uma 'boa noite' e 'uma boa viagem' quando lhes entregamos o bilhete de passagem. A alguns falta tanta habilidade para dirigir, seja pela excessiva lentidão seja pela excessiva pressa e falta de cuidado ao passar nos buracos e quebra-molas.
Aida bem que uns poucos são corteses e habilidosos, a exemplo de
Junior Candido, um crateuense com quem, para mim, sempre é um prazer viajar sob sua responsabilidade.
  Penso que precisamos fazer valer nossos direitos e concordo com você que precisamos de mais opções, mais conforto, melhor tratamento de uma forma geral, enfim, precisamos fazer valer a tal REALEZA!
 Diana Márcia Resende disse...
 Muitos foram aqueles que renunciaram ao títilo de nobreza por não terem aptidões. Como também muitos foram aqueles que perderam seus súditos, por incompetência

terça-feira, 10 de abril de 2012

Silêncio

Emudeço,
asfixiado pela palavra obscura,
na primazia de um longo silêncio
a me devorar, no mar das coisas
que não sei como dizer.

Raimundo Candido

                                                          O LEGISTA

Já autopsiou centenas de corpos, mas nunca a de uma pessoa que ele mesmo matou.

Silas Falcão