segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O ano em que parei de fumar


“Para os peixinhos do aquário, quem troca a água é Deus.”
Mario Quintana 

A graça de ver a fumaça esvair-se ao meu sopro, escorrendo líquida pelos meus momentos bons e outros nem tanto, perdera o gosto. Não lembro a hora, lembro apenas que esqueci o maço de cigarros ao lado do cinzeiro quase repleto de baganas e cinzas, que o ventilador se encarregava de espalhar sobre a mesa, os livros, meu quarto. Também dera! – a vida me escapava gota a gota, vermelha, empanturrando-me, roubando-me o fôlego e a consciência. Eu sumia em carne e energia, há anos. Então, de repente, minha chama da vida tremeluzia seu final. Cinquenta e três anos depois, eu apagava, finalmente. 

Então acorreram amigos, amores, parentes, e apelaram todos: viva!, e eu desobedeci. Doutores tomaram meu pulso, auscultaram meu peito, furaram-me, encheram-me de pilulazinhas de vida e me ordenaram: viva!, e eu desobedeci. Seres assépticos, claros, transparentes ligaram-me a tubos, despejaram litros e litros de sangue nas minhas desaparecidas veias, empurraram vento novo em minhas ventas e disseram: viva!, e eu desobedeci. E apenas esquecia de me despedir. 

Eita, nunca mais teatro! Nunca mais saudade! Nunca outra risada! O mesmo amor nunca mais! As tardes quedariam cinzentas, as ruas, vazias. E tantos livros pra ler! Tantos cheiros de mato! Tanta conversa não dita! E meu gato, quem o amaria? Qual mundo novo eu não visitaria? Alguém ainda diria meu nome pensando em mim?... 

Quando segunda-feira chegou e eu me esqueci de morrer, foi assim como a descoberta de outra primavera. Como se Thiago de Mello tivesse soprado em meus pulmões e anunciado, diretamente pra mim: "este homem renascido é um homem novo". Não resisti à ternura que me ofertaram e sobrevivi. Era o mínimo que eu podia fazer. 

Outro cigarro? Acho que agora não, obrigado. 

Lourival Veras 
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Especialmente para Paulo, o Nazareno, Nenzé, Carlos Felipe, José Wellington, Emiliano, Elanildo, Valneide, Gilvan, Célia, Raimundo, Ricardo Júnior, Neto – e todos esses que cuidaram de mim. Para Cleber Bonfim, Mauro Soares, Lourenço Torres, Hosana, Neto Gonçalves, Lucinha, Raimundo Candido, Edvaldo Barbosa, Elias de França, Adriana Calaça, Edilson Macedo, Edmilson Providência, Carlos Henrique, Raul, Edilson Pinto, Paulo Geovani, Rogério, Socorro Pires, Ailton – e todos esses que olharam por mim. Para Teka, Vania, Celina, Conceição, Veras, Socorro, Nego, Railce, Indinha, Mateus – e todos esses que rezaram por mim. E para Karla, é claro, essa que atrapalhou o trabalho da morte que me vigiava agourenta ao pé da cama, e ainda por cima me chama de meu amor. Obrigado por terem gritado: viva! Eu escutei.

Raimundo Cândido disse:

Poeta Lourival, Veras poeta! Que não seja a nossa audição a antena da alma! Você não nos desobedecia, pois o Lourival Veras está acima de um velho corpo cinquentão e o clamor  pela vida lhe chegava pela antena mais pura da raça, que é quando ouvimos pela LUZ e não pelo som.  O meu amigo Lourival é um poeta de luz, e ainda tem muito que nos iluminar!

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012


                            ANTES DO OUTRO SOL NASCER

“Destino não é uma questão de sorte, mas uma questão de escolha; não é uma coisa que se espera, mas que se busca”.
                                                                                (William Jennings Bryan)

2012 se despede com todas as memórias das nossas ações. Com todo o conteúdo dos nossos pensamentos. 2012 acena adeus. Feliz adeus. Ano excelente porque nossas atitudes foram excelentes. Não há ano ruim, mas atitudes ruins. O tempo é tão inocente como uma criança recém-nascida. Assim como uma criança, o tempo será o que nos faremos dele. Não existe felicidade fora de nós. Não existe sucesso fora dos nossos pensamentos. Não existem conquistas sem ações. Nada acontece de fora para dentro. A vida é o que somos internamente. Espiritualmente. Sempre seremos a representação dos nossos pensamentos. Final de ano, os pedidos desbotados se repetem: “quero mais paz, prosperidade, felicidade, amor, união”. QUERO. E esta comunicação na primeira pessoa não realiza nada por desconhecer que a humanidade resulta das suas ações diárias.
Em 2013 não esperaremos acontecer. Faremos. Em parceria com nossos semelhantes. Com Deus. Nada será impossível se a ação humana for constante no foco dos nossos objetivos. Dos nossos sonhos. Nada resistirá ao pensamento constante de VENCER. Nada. Nem as barreiras mais montanhosas. Nada é impossível para o ser humano. Nada. Se agirmos em comunhão com os nossos objetivos. Com Deus. Com o caráter. Com a dignidade. Com o respeito.

Feliz 2013 com muita literatura e livros.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Espírito natalino


Na época em que os Galos das Torres (o Bonfim, um galiforme vivaz, e o atencioso Macedo) irradiavam a canção de natal – propositalmente antecipada para dar tempo aos preparativos de praxe – com enternecida emoção de repicados blim-blãos por ordem de um gorducho americanizado chamado Papai Noel conduzindo um trenó puxado por excêntricas renas, o meu olhar não andava tão corrompido ou doutrinado. 

O clima de festa logo se espalhava, como as manhãs tecidas pelos galos do poeta pernambucano João Cabral, e surpreendia a todos: – E já é natal? Alguns avoados, os desatentos da ação ímpia do tempo, perguntavam em perplexa alegria. 

Mesmo com as múltiplas preocupações de mãe, acumulando as funções de pai, nossa genitora já havia comprado uns metros de pano de brim para fazer a roupa nova dos filhos e caminhávamos contentes para a Rua São José, na extremidade oeste da cidade, aonde Dona Janoca já nos aguardava para tirar prova nas peças de panos cortadas e alinhavadas. 

Ficava boquiaberto com a velha máquina Singer trabalhando, quilômetros e quilômetros pedalados e sem sair do lugar, só a agulhinha caminhava num sobe-e-desce, ziguezagueando nas trilhas do pano sendo manipulado sabiamente pela velha costureira, com quem apreendi o dom gratuito da alegria. Por um corredor em tijolo vermelho, sem reboco, vinha o cheiro bom de fumo do cachimbo do Compadre Caboclo, um senhor trigueiro de idade avançada. Aos poucos não sabíamos mais que aroma apreciar com o aguçado olfato, se da pitada do tabaco do mestre Caboclo, se dos grãos de café que alguém torrava ou do estrume das vacas no curral ali ao lado. Um verdadeiro laboratório de aromas. 

Admirava a arte do corte em pano de Dona Janoca como me surpreendia com a precisão dos bodegueiros daquela região, cortando uma barra de sabão bem no meio ou medindo sobre um amarelado papel de embrulho uma porção exata de farinha ou de açúcar sobre os braços de uma balança. 

Enfim o desejado natal chegou! Um dia diferente, pois as pessoas estão mais acolhedoras e pacientes umas com as outras e é na cozinha em que mais se trabalha. 

Íamos à missa mais por obrigação que por devoção. Alguns poucos enfeites adornavam as ruas, como os do lado direito da praça onde haveria uma quermesse com leilão de prendas, e nesse ano todos afirmavam que o mesmo rico fazendeiro, em disputa com os férreos adversários políticos, iria arrematar um carneiro que novamente doara à Igreja, para alegria dos envolvidos na feira da paróquia. Chegava aos nossos ouvidos um som animado do parque fixado na Praça do Barroção. Isso já era motivo para tirar a atenção do longo sermão do Padre Bonfim, e como se não fosse ainda o sabor do bolo de milho com aluá insistentemente relembrado pelo nosso paladar, não víamos a hora do sacerdote dar às bênçãos finais para corremos às barraquinhas que se enfileiravam pelas ruas, para o nosso deleite. 

Não tínhamos real consciência do espírito de pão, vinho e sangue de Jesus, mas já sabíamos do motivo natalino de Papai Noel: era só para que ganhássemos presentes! 

Voltávamos para casa, esperançosos que sobre nossas chinelas repousasse um singelo pacote embrulhando o pedido que, ingenuamente, fora feito. Tudo isso bem antes que os madrugadores galos das torres tecessem àquela esperada manhã. 

Já se foi o tempo, em que a felicidade era mais fácil de alcançar, tempo em que o natal não passava de um sonoro rô rô rô de um alegre velhinho. 

Raimundo Candido

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Sem anunciação


De Ana e Manoel nasceu José, preto e raquítico como esperado. Entre os sovacos da serra grande, naquela noite do dia 24, nenhuma estrela riscou o céu anunciando sua chegada, também não vieram presentes, mas a morte espreitava acocorada na trempe. 

José cresceu, amou uma mulher e muitas outras, e dele nasceu filhos e netos. Fez fortuna rala, alimentou bocas e sonhos, dividiu com irmãos e amigos o pão de cada dia, abriu suas portas para os loucos, miseráveis e subversivos sem pedir nada em troca. 

Na luta cotidiana, engendrou folguedos e brigas – esperança grande nos homens. 

José não foi Jesus, mas nasceu quase no mesmo dia. Morreu não na cruz, mas deixou grande saudade. 

Karla Gomes

sábado, 15 de dezembro de 2012

Zenon - um conto de Natal


Para Nina, presente da Ana.

Noite alta. 24 de dezembro. Quase Natal. 

Na Barriguda, entroncamento de todas as estradas do mundo, Zenon aguça as orelhas aos barulhos da mata, força as vistas na escuridão e espera, aflito. À sua frente, atravessando calmamente a estrada empoeirada, um preá andou perto de morrer de susto ao avistá-lo. Zenon nem ligou. 

Minutos depois, primeiro um brilho balançante, ora aparecendo nítido, ora escondendo-se inteiro. Visagem? Então o barulho. E o coração de Zenon apertou e disparou, chegou a sentir o sangue correndo feito doido por sob sua pele. Pôs-se de pé num pulo e quase sorriu. Preparou-se. 

Quando o carro apontou na cabeça do alto, chocalhando seu desespero de chegar sabe-se lá em qual destino, Zenon postou-se no meio da estrada, pulando tão alto quanto conseguia sua pequena estatura, balançando e gesticulando todos os membros, chamando a atenção. O carro não parasse, na certa o atropelaria. 

Mas o carro não parou. Apenas diminuiu a velocidade. Quem estava ao volante, talvez tentando adivinhar o que se passava ali, matutando seus perigos. Aproximou-se. 

Zenon entendeu. Virou-se e tomou uma das estradas. Correndo. Logo depois parou, de novo pulou e gesticulou, fez zoada. Quando o carro, primeiro hesitante, depois convicto, passou a segui-lo, Zenon não se deteve mais. Apenas voltava a cabeça, vez por outra, vigiando seu seguidor. 

Nem cinco minutos depois, Zenon estancou de vez. Logo em seguida, o carro. Zenon, então, entrou no mato baixo, antevéspera da caatinga, e, por um instante, pareceu perdido. Quando os ocupantes do carro voltaram a vê-lo, à luz confusa das estrelas, Zenon estava ao lado de um carro escuro, rodas para cima. O vento soprou um chorinho fraco de criança. 

Dentro do carro acidentado, os corpos desacordados de um homem e uma mulher, jovens ainda. Da criança nem sinal. Nada. Apenas o chorinho. 

Onde Zenon? – pensaram. Zenon encontrava-se mais abaixo, numa ribanceira, cheirando delicadamente a criança, acalmando-a. Um alívio. 

Depois Natal. À volta da ceia, todos. Ao casal acidentado, somente leves escoriações. À criança nem isso. Descansava tranquila nos braços de seu salvador. Seu avô. 

E Zenon? Ah, Zenon era apenas um cachorro sem dono, morador daquelas paragens. Cachorro ninguém olha muito não. 

Lourival Veras

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A MINHA PRAÇA DA ESTAÇÃO

Tributo ao meu pai, chefe da estação, à minha mãe e aos meus irmãos queridos. 

“A praça é do povo como o céu é do condor” 
Castro Alves (1847-1870) 

Era meu império...meu mundo...meu sonho...minha vida. Alucinado por ela, suplicava para nunca dela me ir... Era a minha pátria ...era a minha nação... tinha limites... tinha fronteiras...tinha habitantes e todos amados. Nós sabíamos de cor seus habitantes... uma verdadeira pátria. Simples como seus habitantes que no fim de tarde se sentavam nas calçadas... a falar de magias... e de saudades. Minha agora era nua. Os bancos somente na imaginação. Sem arvores, somente chão batido, era a minha praça. Mas tinha poesia, tinha encanto, tinha sentimento...parecia rezar em um silencio de ternura e paz... Praça rústica, rude, mas era a nossa praça... e começou a morrer quando mudaram as suas feições originais. As suas luzes eram tão fracas que às vezes se confundiam com as estrelas... Em noite de lua, a praça parecia se vestir de um branco de noiva casando com a nossa virgindade de criança... A noite se fazia diáfana e telúrica e os gritos das crianças pareciam pequenos trovadores e seresteiros... Era a alma da cidade... era hospitaleira... abraçava gente de todas as partes de Crateús. Pela manha era um intenso movimento dos que iam para a missa, para a escola ou para o trabalho. Ao meio dia, pino do sol, um intenso silencio se debruçava sobre a praça... todos dormiam ... era a sesta... Mas no descambar do sol quando os chilros das andorinhas se confundiam com a ave-maria da radiadora, quando Gounod se estendia sobre todos nós, a praça era solene... um cerimonioso silencio se estendia sobre a querida ânfora onde guardo todas as minhas saudades, alegrias e lembranças da minha infância. Ânfora das nossas recordações, dos nossos sentimentos e esperanças, ganharás espaço eternamente na praça do meu coração. Estarás conosco nas nossas lembranças, cálice onde sorvo todos os meus encantamentos daquela fase tão feliz, âmbula onde guardarei para sempre todas as minhas saudades e alegrias. E no entardecer da minha vida, quanta saudade dobra-se em mim eternamente. Ao te recordar, chove em mim toda esta primavera da vida passeando no solo sagrado da minha mente... Eternecida praça... definidamente plantada no meu peito... acalanto do meu envelhecer... Minha doce praça que se foi nesta tristeza das ave-marias como uma flor debruçada no chão. E a ti trago os ramalhetes de amores e de saudades ao cantar esta saudade eterna de ti... Serás meu astro, meu símbolo, minha luz, meu encanto, o altar da minha infância, a estrela vésper do meu anoitecer. Guardarei em mim esta lembrança inscrita no meu coração, minha infinita Praça da Estação. O trem da minha vida que ainda não chegou... o tango que ainda não me sepultou na minha saudade. 

Que saudade! 

José Maria Bonfim - Médico Cardiologista

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A Estação Centenária


A Estação Ferroviária de Crateús chega ao seu primeiro centenário. No dia 12.12.1912 era inaugurada a Estação de Crateús. Chegava àquela cidade o seu marco maior de desenvolvimento. O nosso corredor para ensaiarmos a nossa libertação. A nossa capacidade de se ligar ao mundo. Sem estradas. Sem mar. Sem veleiros e sem escunas, a nossa estação seria a nossa janela que se abria ao mundo. A nossa estação erguida solene, era o nosso porto por onde chegavam as nossas necessidades. As nossas alegrias. As nossas esperanças . Os nossos anseios. Foi o nosso porto, foi a nossa casa, o nosso abrigo, o nosso santuário onde as lagrimas de tristezas e de saudades secavam, quando o sol das nossas esperanças se aqueciam. Hoje os nossos olhos umedecidos voltam se para nossa velha Catedral da nossa infância. A edificação centenária tesouro de nossas lembranças e de nossas memorias. No seu dia centenário ela revive. Paramenta-se com cor lírica dos momentos mais belos das nossas vidas. E a liturgia mágica do tempo faz com que a esplendorosa estação reviva. Sacuda o pó desta longa e tormentosa estrada e volte aos seus belos momentos de realeza. Um reinado de historias inesquecíveis, que mais do que porto ela se transforma em farol. Em lampião cintilante. E qual uma estrela do Oriente volte os seus raios sobre as nossas vidas. E neste cenário saudoso se impõe a figura centenária do meu pai, Felipe Morais, desenvolto a scanear emoções e ternuras. O seu olhar afoito a esperar as alegrias das chegadas, os lenços mornos das partidas, os abraços dos que chegam e os adeuses dos que, se foram para nunca mais voltar. E nesta procissão lembramos o Chico Oliveira, Antonio Candido, José Euclides e tantos outros dignos funcionários que brilharam nesta faina de ferro. E na reza da nossa saudade, avulta a batina esmaecida do Monsenhor Luis Freire Ximenes. O trem era o seu quinto evangelho. A sua predica melódica e poética. A sua teologia de amor e de carinho para os mais pobres. Mais esquecidos. Mais oprimidos. Os mais amados por Deus. Não por serem os melhores, mas porque Deus é Deus. Mons. Ximenes traduzia os paradigmas da Lectio Divina. Um ser sedento de servir. Um ser cheio dos mandamentos teológicos do amor. Apaixonado pelo marchar poético dos comboios. Pela estações simples e humildes, como se fossem Via Sacra da Semana Santa. Este é o santo ferroviário que eu conheci e que mora bem perto do meu coração. Mas hoje, nos deixamos afogar nestas metáforas líricas, neste advento de recordações, neste panegirico insistente para que a estação volte a ser o estuário de riqueza e progresso, que um dia sonhamos. Um dia virá para todos que amam Crateús, a sua historia e o seu sagrado chão. A nossa querida centenária será novamente o anelo precioso que nos marcou nos momentos mais promissores de nossas vidas. Foi por ela que conhecemos o mundo. Que descobrimos a vida. Que realizamos os nossos sonhos. Sacramentamos os nossos ideais. Que construímos as aspirações que mourejavam buliçosas nas nossas almas infantes. 

Fortaleza, 09 de dezembro de 2012
José Maria Bonfim de Morais- médico cardiologista

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Gonzaga Centenário


Este ano se fecha com a celebração do nascimento centenário de Luiz Gonzaga, o rei do baião. Outros dois nordestinos são também centenários Jorge Amado e Nelson Rodrigues. A saga de Luiz é fantástica. Desde o seu nascimento em Exu, a sua fuga para se alistar no 23 BC de Fortaleza, os seus quase 10 anos de serviço militar, ate sua morte em agosto de 1989, Gonzaga, descreveu uma vida de lutas e conquistas memoráveis. Nunca se despiu de sua roupagem sertaneja. Nunca pois de lado suas origens simples e pobres. Nunca fugiu do compromisso com o seu povo nordestino. Nunca esqueceu sua origem matuta e pura dos sertões pobres e sofridos do nordeste. Não se pode negar que a presença forte e marcante de Januário na sua vida foi de uma imensa importancia. Dele bebeu sofregamente a pureza das cantigas, das modinhas, dos xaxados e dos cantos chorados e doidos destas plagas tão fantásticas. Dele herdou a magia da sanfona. E com a sanfona Luiz se casou. A sanfona foi a sua companheira dileta. Com ela pode expressar com talento a vida estética nordestina. Difundiu para o mundo uma riqueza que durante muito tempo era confinada nas academias, nos livros, nos corredores das universidades e nos laboratórios de estudo. Luiz rasgou estas cortinas e trouxe a gente mais simples e mais pobre o canto e a beleza de um povo oprimido, sofredor e magoado pela aspereza da vida. Pela fome crônica. Pela terra inclemente. Pelo desprezo dos ricos e poderosos. Luiz foi o sociólogo primoroso quando levou para o migrante as suas tradições e seus costumes. Luiz trouxe para todos os pedaços do país o universo particular e familiar do nordeste. Distante, saudoso, sofrendo as lonjuras de sua terra natal, o canto de Luiz é um balsamo. É  um afago. É um abraço na partida infeliz.  Foi mestre. Foi psicólogo. Foi profeta. Foi teólogo. Fez ficar incólume os costumes dos migrantes. Não permitiu o esgarçamento das praticas culturais nordestinas no universo daquele que parte. Seu aboio foi estridente. Foi melífluo. Uníssono. Afinado. Perfeito. Cantou a ecologia. Cantou os amores. Cantou os sofreres. Cantou a esperança. Cantou o seu mundo com suas penúrias, suas belezas. Suas traições. Sua dor crônica sustentada por políticos inescrupulosos e corruptos. Fez muito Luiz. Longe de ser marginal, seu canto foi consistente. Foi frutífero. Libertador. Toda esta filosofia estirada nos braços e nos dengues de uma sanfona. Com o sotaque e jeito peculiar do nordestino. A sanfona poética de Luiz move a vida e se estira no tempo. Relampeia na aurora. Dobra-se ao crepúsculo. Faz cair a chuva. Faz molhar o sertão. Faz molhar a alma e deixar os olhos se deitar sobre a saudade choradeira que cada um de nós carrega.

Fortaleza, novembro de 2012
Jose Maria Bonfim de Moraes- médico cardiologista.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Sobre calçada

Rua D. Pedro II / Crateús
Há tempos isso vem me incomodando. Pensava a respeito, discutia com amigos, mas sempre me faltou coragem em dividir com o papel – primeiro porque nunca sei como dizer as coisas ao papel, segundo porque ainda não tinha parado para pensar direitinho, elaborar. Agora que pensei e elaborei, vou tentar, feito criança, dizer o que sinto – me refiro a criança pela simplicidade da conversa – e com a ansiedade de dizer de uma vez tudo que sinto, como criança mesmo, cheia de atropelos, idas e voltas. 

O assunto é calçada. Sim, calçada, aquele pedaço de chão que se estende para fora das nossas casas, uma das partes mais coletivas do ser humano. Ela é minha, mas todos têm direito sobre ela, acho isso massa, legal, show de bola – e só não cito mais gírias para não irritar os sucintos. 

Lembro que na minha infância as calçadas serviam como parques de diversão onde jogávamos castanha e bola, trocávamos figurinhas, pulávamos elástico e macaca, e quando algum transeunte se aproximava, com todo respeito dávamos licença para não ouvir reclamação. Às vezes havia brigas porque nas brincadeiras sempre há os trapaceiros que subiam a pedra de casa na macaca ou que surrupiavam uma figurinha, aí era carreira grande e quizumba feia, depois era ouvir os gritos das mães pra sair da rua e voltar pra calçada. 

Outra função da calçada era abrigar as cadeiras nos fins de tarde, boca da noite. Os pais e mães se reuniam para contar as noticias do dia, saber da vida do outro, um fuxico, uma palavra sagrada, um acerto de conta, uns que passavam e paravam para uma prosa rápida... Aqui e acolá saia uma história de visagem, depois era se recolher para assistir o jornal nacional. Para nós, já maiores, tinha antes que passar o anel, cair no poço e espreitar o casal que escolhia uma calçada menos iluminada para os beijos mais quentes e abraços mais apertados. Depois era ouvir grito de mãe, já era hora de entrar. 

No centro da cidade, as calçadas eram verdadeiros shoping's a céu aberto, uma verdadeira festa do comércio. Os olhos se iluminavam diante de tantas bugingangas, roupas, brinquedos, comidas, óculos escuros e relógios de pulso – os meus fascínios. As calçadas eram apinhadas, impossível passar sem parar para olhar, impossível não roçar o ombro. Bom mesmo era o cheiro de suor, o grito dos vendedores, o calor do sol. Era tudo tão quente e ofuscante que pensava estar em um filme, onde eu, personagem principal, via e documentava tudo. E era a calçada uma feira pública, coletiva. 

Hoje as calçadas, em todos os lugares que já fui e que observei, são particulares, são extensões de bares e estacionamentos, uma feiura só, um incômodo danado. Se fosse festa, dizia nada não, mas é tão particular e inconveniente que tenho inclusive vergonha [porque é como se eu, pedestre, estivesse atrapalhando] de passar e me arrisco disputando a rua com carros, motos e bicicletas. Eu acho tudo de tão mal gosto! 

Não quero aqui falar de um tempo que foi bom e outro que não é. Compreendo que cada geração, cada década tem seus costumes, seu jeito de sentir, de viver. Por exemplo, hoje já não temos mais os camelôs nas ruas, eles tem um lugar próprio, o que é bom pra eles. As crianças quase já não brincam mais nas calçadas porque tem games à vontade em casa, o que é ruim pra elas, pois não têm aquele contato com gente, com terra, que é bom. Já se tem medo de ficar a noite nas calçadas porque existem assaltos, nem tem histórias porque já tem a novela, o que é ruim porque pouco nos conhecemos e sabemos da vida um do outro. Aqui e ali ainda se avista um casal sob alguma árvore, sobre alguma calçada, o que é bom, mas já pensamos no perigo que correm, o que é ruim porque vivemos em estado de medo. Mas não poder andar sobre esta faixa de terra que é coletiva porque donos de bares e veículos não permitem muito me desagrada e acho ruim, porque falta coletividade, porque se sobrepõe o desejo de um sobre o direito da maioria. 

E é isso. 

Karla Gomes

Heróis – Nós temos sim senhor!


                                              (Em nome do agente ferroviário Antônio Cândido homenageio à todos que fizeram a história da REFESA. 12/ 12/ 1912 ____12/ 12/2012)


Das árduas circunstâncias do dia-a-dia emerge o imprevisto herói ou um insensível e inerte personagem da história. O verbo agir, do vocábulo latino agere – aquele que atua, que aciona, opera e faz – sempre determina, como um carimbo, os momentos que ficam estampados nos textos áureos da volumosa obra da humanidade. Agir, no momento exato, é tão crucial que fixa uma possibilidade, entre infinitas outras, rumo ao futuro que se supõe incerto. A conjugação deste precioso verbo é tão importante que devia ser repetida a exaustão, ano após ano, incutindo toda força psicológica na consciência das crianças, que lentamente amadurecem nos bancos escolares. Aos atos heroicos ou às condutas pusilânimes também se regam como se água uma frágil plantinha de um jardim. Assim, a tendência altruísta vai se fortalecendo, de grau em grau, na índole de um cidadão.

Foi o impulso da índole que fez com que a coragem do jovem Peter colocasse o dedinho num orifício que jorrava água de um enorme dique de proteção das inundações do mar, salvando a Holanda. Depois de uma noite solitária e uma frienta madrugada, com o dolorido braço começando a ficar dormente e nenhuma resposta aos gritos de desespero: – Socorro! Alguém venha até aqui! Ele repetiu incansavelmente as suplicas chorosas: – Será que ninguém vai vir? Mãe! Mãe! E no clarear do dia, aquela região que fica abaixo do nível do mar, tinha um herói para aclamar!

Foi o impulso da índole que fez com que aquele pai na interiorana cidade de Paiçandu, no Paraná, salvasse o filho. A BR-467 é sempre movimentadíssima e no acostamento está ele a segurar a mão do menino de três anos. A irrequieta criança se solta e corre para atravessar a pista. Num automático ato de coragem, o pai o alcança e o joga no acostamento. A moto desesperada atropela o bravo senhor, que não resiste à pancada e ali mesmo, ensanguentado no chão, dá adeus ao filho pequenino.

Foi o impulso da índole que fez com que o sargento Sílvio Delmar Hollenbach, sem pensar nas consequências, pulasse no fosso das ariranhas do Jardim Zoológico de Brasília e salvasse uma criança que estava pestes a ser devorada pelas feras. O militar morreu, mas tornou-se um herói sem ter que ir para a guerra. No outro dia o jornalista Lourenço Diaferia escreveu uma crônica “Herói Morto”, dizendo que o sargento é que era o verdadeiro herói e não Duque de Caxias. O redator foi preso porque o Exército Brasileiro considerou o texto uma ofensa às Forças Armadas.

Foi o impulso da índole que fez com que um avô, o Senhor Joaquim, se atracasse com uma sucuri de cinco metros para salvar o netinho Matheus que já estava sendo estrangulado pela mesma. Um córrego da cidade de Cosmorama, interior de São Paulo, deságua numa imensa represa de onde a cobra subira para caçar. O avô obstruiu a boca da serpente com tijolos e pedras, salvando o neto que já desmaiara.

Foi o impulso da índole que fez com que Jordan Rice, de treze anos de idade, insistisse para que o bombeiro salvasse primeiro seu irmão Blake, de dez anos e a sua mãe. O carro deles fora arrastado para um caudaloso rio, numa das piores enchentes da Austrália, em 1967. As águas torrenciais levaram o jovem Rice, que superou o primeiro degrau do heroísmo, vencer o medo, mesmo sem saber nadar.

Nos Sertões de Crateús, o ano de 1967, também fora de uma quadra invernosa particularmente pesada. As chuvas não davam tréguas para que o solo desencharcasse no calor do sol e as plantas realizassem uma salutar fotossíntese. Quase toda lavoura estava ameaçada, todos os açudes já haviam sangrado, e o Rio Poti invadia as ruas próximas do seu leito, locais que são seu por direito.

Na noite alta de domingo do dia 23 de abril, mês dos ápices dos bons invernos, todos os moradores da fazenda Pastos Bons do Senhor Eduardo Melo estavam numa preocupante expectativa, pois a grossa chuva que começara à tardinha não dava sinal de esperado fim. O sangradouro, que fora providencialmente alargado, não dava conta de liberar tanta água com uma lâmina já lambendo rente ao topo da parede.

Precisamente à meia noite o Antônio Pequeno ( Antônio Cavalcante Morais, um dos moradores do lugar) sai à porta da bodega do jovem Mesquita Torres, filho do Seu Melo, e vê o destroço das águas revoltas arrancando de rojão os pés de bananeiras na vazante  abaixo da parede do açude, que já havia se rompido.

Grita para a esposa de Seu Eduardo Lima: – Eita, Dona Jandira, agora o açude véio arrombou mesmo!  Todos viram, com os olhos de espanto, quando num instante a água em turbilhão impetuoso chegava à calcada das casas e arrastava na força bruta o pontilhão da linha férrea, ficando somente os dormentes e os trilhos dependurados.

Alguém se lembra do trem de passageiros, que vinha de Sobral, e ainda não havia passado. O Antonio pequeno, espiritualmente conjuga o verbo agir e por impulso da índole pede emprestada a saia vermelha da irmã, colocando-a na ponta de uma vara. Ele e o Mesquita se apressam de encontro ao trem, para evitar um trágico acidente.

Caminham entre os trilhos, pois a noite é um breu, e a grossa chuva com clarões de relâmpagos que estalam bem próximo e com os estrondos de trovões intensificam um pavor, fazendo das trevas algo ainda bem mais pesado.  A probabilidade de ser uma vítima deste fenômeno é grande, principalmente se alguém sai numa noite de chuva forte, vendo os clarões dos raios que correm estalando como chicote nas cercas de arame farpado, ouvindo o som das trovoadas estremecerem o ar com um eco seco estridente: – Brrrrr boooom! boooom! rasgando as grossas folhas-de-flandes no céu. É natural que se tenha medo!

Com menos de um quilômetro de caminhada vislumbram o facho de luz da locomotiva que, prudentemente, vinha mais devagar do que de costume. O maquinista ver o aviso de perigo e vai parando lentamente até chegar próximo ao pontilhão estraçalhado e agradece a Deus e aos dois heróis que salvaram o trem com 200 passageiros a bordo. As pessoas vão lentamente tomando consciência de que aquela parada forçada não fora um prego nos pneus do trem, como algum engraçadinho afirmava dentro dos vagões, e sim uma benção por suas vidas que foram salvas naquela torrencial noite de abril.

O Trem volta de macha ré até a fazenda Tetéu do senhor Pedro Bandeira para pernoitar. Alguns passageiros mais abastados atravessaram a caatinga rumo à estrada onde os carros de praças ou familiares os aguardavam. Outros esperavam o dia amanhecer e tiveram que atravessar a grota nos braços do Antônio Pequeno, com água até o pescoço. O disposto Antônio ainda ganhou um bom trocado dos agradecidos passageiros do expresso ferroviário de domingo.

 Como naquele sortudo trem viajava uma delegação do LIONS CLUBE DE CRATEÚS proveniente de uma convenção em sobral, os filantrópicos leoninos com suas respectivas domadoras, agradecidos, homenagearam ao jovem Mesquita com uma digna medalha. Hoje, eu pergunto, não está na hora de se fazer justiça para história dos fatos acontecidos no dia 23 de abril de 1967, amigos Leões?

Como me disse o Antônio Pequeno, lá na sua casa, na Vila Toré da Rua Franquinha Machado: – O Mesquita não fez quase nada e foi todo merecido!

Pois se alguém me perguntar se nós temos heróis, eu direi, e com muito orgulho, que sim e são dois.

Em Cratheús, nós temos heróis, sim senhor! 
Raimundo Cândido




(No dia 12 de Dezembro de 2012 o  Lions Clube de Crateús concedeu ao Senhor Antonio Pequeno um Certificado de Reconhecimento, agradecendo pelo feito heroico que salvou muitas vidas! Foi o reconhecimento a um herói!)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

MINICONTOS - Crônica de Pedro Salgueiro para O Povo

"Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá" - Augusto Monterroso, "O dinossauro"
Talvez por preguiça, sempre tive fascínio por textos curtos. Frases aparadas até quase o miolo. Gracilianos, Rulfos, Moreiras e João Cabrais limando adjetivos. Procurando substantivos que dispensem adereços, penduricalhos. Nenhum preconceito contra os caudalosos rios Euclidianos, Proustianos, Joyceanos, Roseanos. Apenas predileção e pronto. Ponto.

Sempre desconfiei que nós, os pobres escrevinhadores de vãs malfeitorias, não escolhemos o gênero literário no qual vamos nos expressar. Mas ele, irremediavelmente, nos escolhe. Tenho certo amigo que até pra me passar um número de telefone conta seu dia inteirinho. Outro, inquirido, me deixa apenas fragmentos de suas intenções. Claro que alguns podem, e até devem, ir contra a corrente. Deslizar rio acima, olhos estufados de lama. Alma pesada, mas satisfeita.

Para mim, o “barato” é tentar dizer o máximo com o mínimo de palavras. Mesmo sem quase nunca conseguir.

Há tempos recebi convites dos colecionadores Marcelino Freire (Os Menores Contos Brasileiros do Século XX) e Laís Chaffe (Contos de Algibeira) para participar, com textos mínimos, de duas coletâneas. Tomei gosto pela coisa. Resumi contos antigos. Li Haicais. Reli Dalton Trevisan. Arrumei esmeril, comprei estilete. Lupa de relojoeiro, dedal de sapateiro...

Os perigos do laconismo, da incompreensão total, da pura piada. Quase nunca encontramos o ponto certo. Mil tentativas e pouquíssimos acertos. Vamos tentando pulverizar o mundo, atomizar o cotidiano. Minimalistas que fomos. Minianimalista que somos. Ao pó que retornaremos.
(Rinaldo de Fernandes)

(Silas Falção)


Alguns amigos, recentemente, têm incorrido nessa prática de limar continhos já por demais curtos, numa quase obsessão. Rinaldo de Fernandes mandou alguns pra que eu desse opinião. Organiza um livro. Silas Falcão, lá das bandas da Vila Coutinho, tem pegado gosto pela coisa. E leva jeito o Morcegão, como carinhosamente o apelidamos. Tem feito progressos incríveis nessa arte de quase reduzir a pó histórias, frases, palavras, intenções.

Resgatei dos meus cadernos de ocioso alguns relatos mínimos. E vão aí para distrair preguiçosos:

MECANISMO
Mesa posta. Pai, mãe e filho regem o silêncio.
Preces.
Novamente.

MEDO NA PRAÇA
Silêncio. O artista sua, lapida suas preces. Aplausos. De novo. O silêncio.

PESO DO MORTO
Noite sem lua. Rasga-mortalha.
— Dorme, pai. Deixa de falar só...
Já no meu segundo livro, O Espantalho, de 1996, eu havia (em vão) tentado:

DALTONIANAS EM FÁ MENOR
A mulher matou o marido. Mandou matar em cima do túmulo. O único pecado dele trocar seu nome por outro e acender velas todas as quartas-feiras.
* * *

Havia olhos fugindo de órbita, um coração descompassado. Um medo de ir... outro de voltar.

Havia ossos enterrados no quintal e um medo danado de assombração.

Havia uma multidão de adrenalinas e uma certa dúvida...

* * *

Enquanto cancão brinca no quintal, deixei muleta, um pé-de-cabra e uma bengala. Deixei um grito preso no elevador.

* * *

Antigas visitas já mortas retornam à antiga sala de visitas. Cumprimentam o cadáver de minha mãe, recebem um aceno eufórico de meu pai moribundo.

— Cala a boca, velho caduco, deixa de falar só.

Grita a negra Suzete, da pia.