Este é o chão sagrado da Academia de Letras de Crateús na internet. Como um templo ecumênico, nele há espaço para todos que adoram cultuar a beleza da virtude, a simplicidade da inteligência, a singeleza do verbo, o fascínio da cultura, a liberdade da palavra, a profundidade do amor.
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Dia 21 de maio (segunda-feira)
Abertura - Sr. Luiz Gastão Bittencourt da Silva, Presidente do Sistema Fecomércio
Biografia Afetiva: O Sr. Verso - Silas Falcão (Escritor, pesquisador da obra literária de Milton Dias, Diretor de Eventos da Associação Cearense dos Escritores (ACE), Membro da Academia de Letras de Crateús (ALC) e do Abraço Literário, do SESC.
A Pastoral Poética de Francisco Carvalho - Batista de Lima (Escritor, membro da Academia Cearense de Letras (ACL), Professor da UECE e da UNIFOR, Mestre em Literatura pela UFC).
Momento Poético - Grupo Converso
Dia 22 de maio (terça-feira)
Abertura – Ana Néo (cerimonialista)
Os Diálogos Poéticos de Francisco Carvalho – Carlos Vazconcelos (Escritor, graduado em Letras pela UECE, Mestrando em Literatura pela UFC, Membro da Ceia Literária, do Abraço Literário e da Associação Cearense dos Escritores (ACE)
Esquete: A Ciência não gosta de rir – Airton Soares e Eudismar Mendes
Momento Poético - Ricardo Guilherme
Coquetel
Coquetel
quinta-feira, 17 de maio de 2012
quarta-feira, 16 de maio de 2012
SOBRE A IGREJA E O ESTADO
O Ministério Público Federal de São Paulo ajuizou ação pedindo a retirada
dos símbolos religiosas das repartições publicas. Pois bem, veja o que diz o
Frade Demetrius dos Santos Silva.
"Sou Padre católico e concordo plenamente com o Ministério Público de São
Paulo, por querer retirar os símbolos religiosos das repartições públicas…
Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião. A Cruz
deve ser retirada!
Aliás, nunca gostei de ver a Cruz em Tribunais, onde os pobres têm menos
direitos que os ricos e onde sentenças são barganhadas, vendidas e
compradas.
Não quero mais ver a Cruz nas Câmaras legislativas, onde a corrupção é a
moeda mais forte.
Não quero ver, também, a Cruz em delegacias, cadeias e quartéis, onde os
pequenos são constrangidos e torturados.
Não quero ver, muito menos, a Cruz em prontos-socorros e hospitais, onde
pessoas pobres morrem sem atendimento.
É preciso retirar a Cruz das repartições públicas, porque Cristo não
abençoa a sórdida política brasileira, causa das desgraças, das misérias e
sofrimentos dos pequenos, dos pobres e dos menos favorecidos."
Frade Demetrius dos Santos Silva - São Paulo/SP
terça-feira, 15 de maio de 2012
MANOEL MELO CAVALCANTE
Sábado passado, apresentando mais um livro do
poeta Dideus Sales, ensaiei uma resposta sobre a tarefa de um poeta. Relembrei
aquele episódio ocorrido com o poeta Olavo Bilac. O dono de um pequeno
comércio, amigo, abordou-o na rua: - Sr. Bilac, estou precisando vender o meu
sítio, que o senhor tão bem conhece. Poderá redigir o anúncio para o jornal?
Olavo Bilac apanhou um papel e escreveu: "Vende-se uma encantadora
propriedade, onde os pássaros cantam ao amanhecer no extenso arvoredo, cortada
por cristalinas e mareantes águas de um ribeiro. A casa, banhada pelo sol
nascente, oferece a sombra tranquila das tardes, na varanda." Meses depois
se reencontraram. O poeta perguntou se o amigo havia vendido o sítio. - Nem
pense mais nisso, disse o homem. Quando li o anúncio foi que percebi a
maravilha que tinha.
Eis a tarefa de um poeta: revelar a beleza escondida nas coisas, nos lugares e nas pessoas!
Semelhante missão têm aqueles que abraçaram a apaixonante e sacerdotal causa do magistério. Ser educador é deslizar na correnteza da sabedoria, perscrutar talentos, retirar poeira de diamante. Não é entregar a isca e o anzol, mas desenvolver o gosto pela pesca. Não é oferecer a faca e o queijo, mas despertar a vontade de comer. Educar não é lançar, mas extrair, retirar de dentro.
Dos meus tempos de aluno do então “Ginásio Pio XII”, em Crateús, lembro da silhueta de um amante do magistério. Alto e sereno, reservado e narigudo, aristocrático e silencioso. Era inimaginável que aquele corpo esguio escondesse um glutão compulsivo, incorrigível devorador de letras, voraz consumidor de livros. Pois Manoel Melo Cavalcante, nos anos do decênio iniciado em 1970, já havia engolido mais de mil livros. Aprendera com um mestre Taoista que passar três ou quatro dias sem ler causava debilidade nas palavras, fraqueza na memória, deficiência no cérebro.
Hoje, exilado em Fortaleza, revisita as páginas que protagonizou no álbum da própria existência. Recompila o capítulo em que, com asas de sonho, pousou na Capital para estudar no Colégio Cearense. A alimentação irregular, em hotéis e restaurantes, provocou a abertura de uma ferida no estômago e forçou o retorno à terra natal no início da década de 1960.
Foi quando resolveu descer do berço da própria solidão e espalhar sobre o chão de giz o óleo do amor à leitura. Lecionou inicialmente na Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio, onde foi Vice-Diretor de 1968 a 1975.
Em 1976, por influência do Deputado Antonio dos Santos – na época, líder absoluto no município – vira Vice-Prefeito da chapa encabeçada pela primeira mulher a chefiar o Executivo Municipal, Lionete Camerino. Aceitou a missão com a alma fervilhando de projetos. Imaginava que, em algum momento, seria instado a colaborar ativamente no comando da cidade. Aquele mar de sonhos, no entanto, virou um martírio. Se pudesse, eliminaria as páginas que tratam dessa estação...
Após esse período, se deixou embalar pelas ondas do rádio, dirigiu o Colégio Regina Pácis e prestou serviços na Delegacia Regional de Educação. A bandeira da educação empunhou até o dia em que recebeu a carta de aposentadoria.
Atualmente reside em um dos pontos mais altos de Fortaleza, próximo das principais torres de TV da cidade, no cosmopolita bairro Dionísio Torres. Ali, entrega-se a uma tarefa cada vez mais rara: recuperar molduras factuais sob a precisão das datas. Por isso esquadrinha o tabuleiro da história e recompõe a cronologia da ribeira em que nasceu, que pretende exibir em formato de livro.
No mais, nota-se uma invisível trava de melancolia nas cercanias de sua alma. Diz que a aposentadoria equivale a ser um vagabundo mal remunerado. Sente-se só. E, sobre os ombros, o peso das barras de ferro do abandono. Porém, quando o indago se ainda é capaz de sentir o silvestre perfume do original torrão, desaparece a lamentação e faz irromper uma canção. Rejuvenesce o poeta, que abre o coração:
Crateús, oh! Terra boa,
E prá que seja sempre assim
Protege minha pessoa
Nosso Senhor do Bonfim!
(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)
Eis a tarefa de um poeta: revelar a beleza escondida nas coisas, nos lugares e nas pessoas!
Semelhante missão têm aqueles que abraçaram a apaixonante e sacerdotal causa do magistério. Ser educador é deslizar na correnteza da sabedoria, perscrutar talentos, retirar poeira de diamante. Não é entregar a isca e o anzol, mas desenvolver o gosto pela pesca. Não é oferecer a faca e o queijo, mas despertar a vontade de comer. Educar não é lançar, mas extrair, retirar de dentro.
Dos meus tempos de aluno do então “Ginásio Pio XII”, em Crateús, lembro da silhueta de um amante do magistério. Alto e sereno, reservado e narigudo, aristocrático e silencioso. Era inimaginável que aquele corpo esguio escondesse um glutão compulsivo, incorrigível devorador de letras, voraz consumidor de livros. Pois Manoel Melo Cavalcante, nos anos do decênio iniciado em 1970, já havia engolido mais de mil livros. Aprendera com um mestre Taoista que passar três ou quatro dias sem ler causava debilidade nas palavras, fraqueza na memória, deficiência no cérebro.
Hoje, exilado em Fortaleza, revisita as páginas que protagonizou no álbum da própria existência. Recompila o capítulo em que, com asas de sonho, pousou na Capital para estudar no Colégio Cearense. A alimentação irregular, em hotéis e restaurantes, provocou a abertura de uma ferida no estômago e forçou o retorno à terra natal no início da década de 1960.
Foi quando resolveu descer do berço da própria solidão e espalhar sobre o chão de giz o óleo do amor à leitura. Lecionou inicialmente na Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio, onde foi Vice-Diretor de 1968 a 1975.
Em 1976, por influência do Deputado Antonio dos Santos – na época, líder absoluto no município – vira Vice-Prefeito da chapa encabeçada pela primeira mulher a chefiar o Executivo Municipal, Lionete Camerino. Aceitou a missão com a alma fervilhando de projetos. Imaginava que, em algum momento, seria instado a colaborar ativamente no comando da cidade. Aquele mar de sonhos, no entanto, virou um martírio. Se pudesse, eliminaria as páginas que tratam dessa estação...
Após esse período, se deixou embalar pelas ondas do rádio, dirigiu o Colégio Regina Pácis e prestou serviços na Delegacia Regional de Educação. A bandeira da educação empunhou até o dia em que recebeu a carta de aposentadoria.
Atualmente reside em um dos pontos mais altos de Fortaleza, próximo das principais torres de TV da cidade, no cosmopolita bairro Dionísio Torres. Ali, entrega-se a uma tarefa cada vez mais rara: recuperar molduras factuais sob a precisão das datas. Por isso esquadrinha o tabuleiro da história e recompõe a cronologia da ribeira em que nasceu, que pretende exibir em formato de livro.
No mais, nota-se uma invisível trava de melancolia nas cercanias de sua alma. Diz que a aposentadoria equivale a ser um vagabundo mal remunerado. Sente-se só. E, sobre os ombros, o peso das barras de ferro do abandono. Porém, quando o indago se ainda é capaz de sentir o silvestre perfume do original torrão, desaparece a lamentação e faz irromper uma canção. Rejuvenesce o poeta, que abre o coração:
Crateús, oh! Terra boa,
E prá que seja sempre assim
Protege minha pessoa
Nosso Senhor do Bonfim!
(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)
-
Meu caro júnior Bonfim, parabéns pela excelente crônica. Bem escrita. Excelente desenvolvimento. Fui aluno do prof. Manoel Mano, no colégio Pe. Juvêncio. Vez e outra encontro nosso velho mestre no centro da nossa capital ou nas ruas do consumo das lojas do Pão de Açúcar, Av. Antônio Sales.
Gostei do anúncio feito por Olavo Bilac para a venda do sítio do amigo. Pesquei esta preciosidade e intertextualizei em um trabalho que apresentarei no IV Seminário Revelando a Literatura Cearense, com o tema Vozes e Silêncios de Francisco Carvalho. Este seminário é outra rica ideia literária do SESC. Obrigado pela oportunidade.
Abraços, poeta.
Confabulações entre Ivens Mourão (Trineto do poeta José Coriolano) e Raimundo Candido
1-
Caro Raimundo Cândido
Muito obrigado pelo belo texto sobre José Coriolano. Fico
feliz que a cidade que ele tanto admirou
está resgatando a sua obra.
Pela foto percebo que o busto já existia desde a década
de 40. Sei que o meu pai providenciou a feitura do busto, quando morávamos em
Crato.
A Academia tem tudo para ser o ambiente para o estudo da
obra do poeta. No google coloquei todas as poesias dele, inclusive as inéditas,
salvas pelo meu pai.
Fico à disposição
Ivens Roberto de Araújo Mourão
2-
Meu caro Ivens Mourão, Saudações!
É um prazer e uma intraduzível honra me dirigir ao
trineto de José Coriolano. Seu email me chaga trazendo uma energia tremenda e
um inesperado susto, pois é como se viesse do próprio poeta, se me entende.
Há uns dois anos,
li (e ainda não parei de ler) o Blog onde você postou Impressões e Gemidos, e
não entendia como uma obra grandiosa pode ficar na poeira do esquecimento por
todo esse tempo. Não compreendia porque uma cidade inteira (quase!) com um
filho ilustre, chamado de o PRINCIPEDOS POETAS no estado vizinho, não o
valorizava como deve ser e merece. (Podemos considerá-lo bicidadão: cearense e
piauiense)
A Academia de
Letras de Crateús o citou num artigo, no livro sobre o Centenário de Crateús,
através de acadêmico Juarez Leitão, mas não foi o suficiente. Descobri aquelas
fotos antigas que lhe mandei– as duas crianças que aparecem ao lado do
monumento são meus irmãos – e escrevi aquela singela crônica que lhe enviei e a
partir daí tem surgido algum movimento que nos anima a acreditar que Crateús
logo saberá quem foi e o que representa para nosso torrão ter um herói, um
literato comparado aos grandes do romantismo nacional.
O acadêmico Edmilson Providência, que me repassou seu
email, não poupa esforços na procura do Busto do Poeta. Estamos formando uma
equipe para cumprir esse objetivo: repor o busto, seja como for, para o mesmo
local e nomear a Praça da Matriz com o nome de José Coriolano.
Meu caro, Ivens Roberto de Araújo Mourão, não imagina o
prazer e a satisfação que nos dá com esse contato. Não quero mais tomar seu
precioso tempo, mas fique na expectativa, pois em breve terás noticias sobre o
que temos por obrigação de fazer quanto a retomada da valorização do NOSSO
Poeta José Coriolano. Foi um imenso prazer e um grande abraço.
Raimundo Candido
3-
Caro Raimundo Cândido Teixeira Filho
Foi com grande satisfação que recebi o seu email. Há anos
que tento fazer com que a obra literária do poeta José Coriolano tenha o seu
devido reconhecimento. Estou convencido de que,agora, encontrou o ambiente
propício para tanto. E não poderia ser melhor do que a Academia de Letras da
sua cidade natal.
Por vinte anos morei fora do Ceará. Ao retornar (1996),
procurei marcar presença junto aos meus pais, em idades avançadas. Para manter
a mente do meu pai ativa, sempre procurei conversar com ele sobre os assuntos
da sua predileção. Um deles as poesias do seu bisavô, José Coriolano. Sempre
guardou, como relíquia, o que restou dos originais de Impressões e Gemidos,
redigidos de próprio punho pelo poeta.
Comparando os originais com o que havia sido publicado em
1870 e 1973, eu e ele constatamos que existiam 49 poesias inéditas. Todas de
grande valor poético.
Tentei sensibilizar o prefeito da cidade, à época (2001),
de criar um memorial para o estudo da obra do filho ilustre. Não recebi
retorno.
Poucos dias antes do seu falecimento (outubro de 2001), o
meu pai, após declamar parte do poema Crateús,entregou-me a responsabilidade de
guardar os originais e fotos do poeta.
Passei a desenvolver um trabalho de digitação, tanto do
livro de 1870 com os acréscimos feitos na edição de 1973e, principalmente dos
poemas inéditos. Para este trabalho foi imprescindível a ajuda da minha esposa,
Edméia Teixeira Mourão profunda conhecedora da poesia e dos poetas da língua
portuguesa. Na tentativa de deslindar certas grafias, achávamos que o poeta
havia se equivocado. Ao compulsar o dicionário estava escrito que a palavra existia,
era adequada ou própria de uso poético no século XIX. Convenci-me da sua grande
cultura humanística.
Em outras ocasiões, a traça havia feito desaparecer
certas letras. Graças ao esforço e conhecimento da minha esposa sobre métrica,
musicalidade da poesia e o tema, ela reconstituía apalavra. Às vezes
parecia-nos que o poeta havia “ditado” no ouvido dela.
Procurei, então, com o meu irmão Raimundo Nonato Mourão,
residente em Teresina, sensibilizar a Academia Piauiense de Letras para
publicar as poesias completas. Conseguiu excelentes contatos tendo em vista o
seu bom relacionamento com diversos intelectuais. Porém, não houve continuidade
com o seu falecimento precoce (julho de 2007).
Ao ver o blog da minha filha Ivna Teixeira Mourão,
artista plástica, no qual ela divulga a sua arte, perguntei como se “fazia” um
blog. Ela deu-me uma “receita de bolo” e coloquei a obra completa na Internet.
Deu-me o grande prazer de que as poesias estavam salvas e disponíveis para o
mundo inteiro. Mas, faltava alguém para interessar-se pelo estudo delas e
incluí-las no local que merecem: a literatura nacional.
Desde então, vez ou outra, alguém entra em contato
comigo. Geralmente literatos do MA e PI que solicitavam permissão para incluir
Impressões e Gemidos nos seus blogs.
Recentemente, um estudante de letras da Universidade
Federal do Piauí interessou-se pela obra. Alguns professores entraram em
contato, mas não passou disso.
A minha sugestão é que a Academia crie um memorial.
Havendo essa formalização, terei o máximo prazer em colaborar naquilo que
estiver ao meu alcance.
Por fim, indago se os restos mortais do poeta ainda estão
na Igreja Matriz. Há tempos um primo informou que o Bispo (não o atual) havia
mandado retirá-los, alegando que a Igreja não é o local adequado. Lembro-me de
ter visto a lápide que a esposa (Maria Cisalpina) havia mandado colocar na
Igreja em homenagem ao marido. Localizava-se em uma das colunas, no lado
esquerdo, voltado para a praça onde existiu o busto.
Fico sempre à disposição.
Grande abraço
Ivens Roberto de Araújo Mourão
segunda-feira, 14 de maio de 2012
Galo do Tourão
Há quem diga que sempre é tempo de
travessias — solto a voz nas estradas, já não quero parar, meu caminho é de
pedras, como posso sonha — como diz a letra de uma música, e se não transpormos
as arriscadas correntezas ficaremos sempre às margens de nós mesmos. Não
importa como, ou porque, um vento norteador, continuamente, nos
impulsionará.
O Rio Poti, apressado em cumprir-se em largo apetite
oceânico, era como uma 5ª Sinfonia de Beethoven quando as margens se iam
estreitando. Às vezes, se expandia como uma clássica melodia ressoada a violino,
aparentando uma sutil calmaria e nesse ponto, na passagem do Bairro dos
Venâncios, os canoeiros aproveitavam para atravessar os viajantes, que vinham apressados
com seus indispensáveis afazeres ou regressavam resolutos de suas obrigações para
o sossego da Ilha, para o campestre Tourão ou o distante Pastos Bons.
O Zé Regino, excelente tocador
de violão, também entendia das artes de canoagem, juntamente com seu amigo, o
experiente remador Dão Aleixo, o único concorrente. Quando um ia firme e
determinado, o outro vinha com intensa coragem, cortando na proa a força bruta das
águas onde esta era menos intensa e sem o perigo de ir ao encontro das pedras
traiçoeiras.
A clientela que ia chegando logo
ajustava o preço da arriscada travessia que nunca passava de um reles cruzado. Um
jovem elegante que se aproxima, num gingado matreiro, já é bem conhecido da
dupla de canoeiro, e chama-se Antonio Xavier Mota do Nascimento, o Galo do
Tourão, possuidor de um ilustradíssimo discurso.
Com seriedade que lhe é própria,
pergunta:
—
Canoífero, quanto queres de remuneração pecuniária para me transportar deste pólo
ao outro hemisfério?
O
canoeiro também querendo se exibir, graceja espirituoso:
— Seu Antônio, o senhor está me
perguntando quanto cobro para lhe deixar lá no cemitério?
Indignado
com a réplica rimada do canoeiro, o Galo responde na bucha:
— Caboclo, se fores por
ignorância te perdoarei, mas se fores zombando de minha alta prosopopéia
caniancra, dar-te-ei um murro no alto da sinagoga que cairás chorando aos meus
pés como uma mulher perdida.
Toda lenda começa assim, de uma simples e maravilhosa
narração oral que cai no repertório popular como fato sucedido e que é repetido
pela imaginação poética, virando tradição.
Isso se deu, também, com Águia de Haia, o ilustradíssimo Rui
Barbosa. Um relato diz que, ao chegar em
casa, ouviu um barulho estranho vindo do quintal. Chegando lá, constatou haver
um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do
indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos,
disse-lhe:
— Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.
E o ladrão, confuso, diz:
— Dotô, eu levo ou deixo os pato?
— Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência que o vulgo denomina nada.
E o ladrão, confuso, diz:
— Dotô, eu levo ou deixo os pato?
Todo
homem rude, que chama atenção pelo feitio quixotesco, mas sendo dotado de uma rara
inteligência, aprimora-se pela escola da vida, pela lida na roça e sempre se
sobressairá no manejo das palavras ou no dom da arte, feito um Patativa ( Se um
doto me perguntá / Se o verso sem rima presta, / Calado eu não vou ficá / A
minha resposta é essa: / — Sem rima, a poesia / perde alguma simpatia / e uma
parte do primô / não merece munta Parma / é como corpo sem arma / E como
coração sem amô). No improviso das palavras, utilizadas pelo Galo do Tourão está
a mais pura prosa que brota da emoção, como ao chegar ao mercado para comprar
um cambo de peixes:
—
Moco, quanto queres por um cambo desses nadantes que vivem a explorar as águas
do Poti que nasce na Serra da Joaninha, atinge o Atlântico e vai até mesmo ao
Pacifico?
Ou mesmo quando viajava de saudosa
Maria Fumaça para a cidade de Ipu, e replica ao fiscal do vagão após a terceira
abordagem sobre uma passagem:
—
Bilheteiro, queres ter a equiessência de não incrementar a picotação desta
minha autorização de viagem a qual me conduzirá à terra de Iracema, a vigem dos
lábios de mel que a plebe apela para a ignorância e chama de a loira desposada
do sol.
Um
homem não é só um “ter” ou um “ser” de um instante presente, é também o que ele
profere e o que ele edifica sobre o torrão em que nasceu como um patrimônio
cultural e humano para que as ascendências se perpetuem nas gerações futuras e
fujam de um obscuro anonimato. Os discursos empolados e veementes do Sr.
Antonio Xavier é um dos nossos bens imateriais que devem ser tombados.
Trabalhador incansável, não media
esforços para sustentar uma prole numerosa, e sempre necessita da ajuda dos
filhos para a árdua terefa:
—
Marclô, oh filho meu, érguide deste leito e vai aquele aglomerado público que
os imbéceis chama de mercado e compra duas massas côncavas e convexas que
servirão de alimento vitais e que a peble apela para a ignorância e chamam de
cuscuz.
Por
motivos diversos corremos o risco de perder tudo que temos até mesmo a nossa preciosa
liberdade, pois um agir não é só determinado por um constrangimento exterior
mas também de acordo com nossas necessidades interiores. De uma feita, na
prisão, o Galo chama seu filho:
—
Marclô, oh filho meu, vai a tua casa e diz a tua mãe, que é a minha legitima
esposa, que eu não estou preso, estou apenas détido, que os imbécieis apelam
para a ignorância e chamam de detido.
Suas refutações espirituosas sempre
provocam um riso espontâneo nos lábios de quem o ler, como o que ocorre agora com
você, meu amigo leitor, e é de se esperar que, lá de onde esteja, com seu
agastamento peculiar, ele nos responda:
- Sujeito inculto, se ris de minha prosopopéia
por tua estúpida ignorância, eu te perdoo, mas se zombas com desdém por tua
alma tosca, dar-te-ei um cocorote no alto da tua sinagoga que ficarás a ver
estrelas.
Mas isso não acontece, e ele
permanece calado, na sua maneira elegante, no seu garbo de um fino dândi, a nos
mostrar que o silêncio, às vezes, é a melhor resposta...
Raimundo Candido
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Luciano Bonfim.