quinta-feira, 22 de agosto de 2013

A Praça da Matriz - O coração da cidade!


             Quando a comitiva do historiador, autodidata e polígrafo (aquele que redige sobre o que o nariz aponta) Antônio Bezerra de Menezes, na 4ª etapa de uma Viagem Científica de reconhecimento pelo interior do Ceará, chega à Vila Príncipe Imperial, no dia 13 de novembro de 1884, resolveu descansar um pouco. Fica, cinco dias, hospedado na casa do Sr. Francisco Coelho Ferreira, na Praça da Matriz. A esgotada tropa de animais descansa na Rua da Beira do Rio, ruminando o verde capim das margens do Poti, pois o percurso fora longo, desde a cidade do Ipu, no sopé da Serra da Ibiapaba. Já colhera as informações sobre o povoado com o Reverendo Macedo e o Juiz Municipal Antônio Gomes de Macedo Coutinho, sobrinho do padre. Agora, sentado num rústico tamborete, papéis sobre a mesa, faz os apontamentos para as Notas de Viagem. Escreve: “Esta Vila, situada na margem esquerda do Rio Poti, se compõe de uma espaçosa praça em cujo centro se acha a Igreja da Matriz, um templo pequeno, mas bem construído e ainda sem as duas torres.O sino alojado no lado esquerdo, sob um telheiro, é de onde o sacristão anuncia as horas que orientam a vida na vila, as últimas badaladas soam, exatamente, às 9 horas da noite. O povoado tem poucas ruas, com largos intervalos sem edificações, que se estendem de nascente a poente”
É a Praça da Matriz, exalando as primeiras inspirações bucólicas, florejando num instante de puberdade, alargando-se no poeirento chão de terra batida.
Na divagação sobre a Vila, surge nas veias do historiógrafo-poeta uma vontade de versejar, mas como afirmara João Brígido, um dos seus desafetos literário, faltava-lhe a tecla da inspiração. E eis que, repentino, é desperto por um ruído agradável, ininterrupto, vindo de longe, como se fosse a poesia chegando.
— nhein...nhemheinin...renheinhein...onooonnnn...nheim...
Sai a porta, olhando para a praça, e deslumbra-se com o que, naquela época, já se transmuta em momento de saudade. O canto lamentoso, como um gemido de dor, que passa em frente à Igreja, rumo a Boa Vista dos Correias. Quem ouviu, ouviu. Quem não ouviu, não ouve mais o murmúrio doce do carro cantador puxado por uma junta de bois, o primeiro veículo do Brasil. O carreiro caminha ao lado com o ferrão na mão, uma vara comprida e pontiaguda. Comanda os bois com ordem vocais:  —Ôooooo, êeeeeeeeee boi!—Õa, ôa Mimoso!
O escritor volta à mesa, para terminar de descrever a vila, com o Rio Poti, os banhos no Curtume e as cruzes enfincadas nos caminhos do sertão pelo monge capuchinho Frei Vidal da Penha, mas o canto poético não lhe sai da mente, nhein...nhemheinin...do carro de boi que descortina-se no horizonte decaindo para o poete, terra do poeta Coriolano, um massapé torrado e brusco onde nasceu o valoroso e eterno touro fusco.
Por falar em príncipe dos poetas, fundador da literatura do Piauí,que influenciou Castro Alves em alguns versos no épico Navio Negreiros, José Coriolano, ele mesmo, relata em carta a um amigo que o marco inicial da cidade de Crateús foi a construção de uma casinha, para abrigar os frades franciscanos que vinham em missão de evangelização, no povoado de Piranhas. Posteriormente, segundo ele, no mesmo local foi erguida uma igreja, que hoje é a Matriz da Diocese. Antes de uma capela, portanto, houve um alojamento, para o descanso dos franciscanos que percorriam os rincões do Vale do Poti, na nobre missão de pregar o evangelho. Era uma rústica latada de pau-a-pique com cobertura de folhas de coqueiros, entre os mandacarus e algumas frondosas árvores, onde se amarravam os animais.
Da primeira capelinha de taipa(1769), no largo terreno central do povoado de Piranhas,  principiou-se o esboço de uma Praça, que será o pulsante coração da vila, a princesa do sertão.
 Em 1770 é construída, no lugar do tosco tapume, uma capela em alvenaria sólida, tijolos de 17 quilos, tão fortes quando a fé que fervilha na alma do sertanejo aterrorizado pelas imagens horríveis de um purgatório, pintada pelo Pe. Serafim.  O Cel. José Amâncio, sentado numa cadeira de balanço, na calçada de sua casa, olhando para a mureta que circula a Igreja, predizia: -Nosso primeiro sacerdote foi o Padre Serafim e o último será um Bonfim! Levando em consideração uma era, ele acertou em cheio!
Com a chegada de uma imagem esculpida por santeiros da Bahia, conduzida por escravos, em 1792, numa fantástica viagema pé e a mando de Dona Luiza Coelho da Rocha Passos, a Praça da Matriz ganhou novo impulso. A Catedral Senhor do Bonfim, de paredes espessas e dilatáveis como a grossa artéria de um coração-praça, bombeia fôlego e vigor que vitaliza a cidade. A capela de Dona Luiza cresceu de reformas em reformas (Pe. Macedo, Pe. Rosa, Pe. Juvêncio e Pe. Bonfim) chegando à Catedral. A construção das Torres da Igreja, como dois braços implorando aos céus, rogando-nos bênçãos, completara-se com o assentamento da estátua do Cristo Redentor, numa proteção divina.
Existia, numa das solitárias esquinas da praça uma velha casa de taipa, teimosa ruína subsistindo ao inclemente sol e às águas invernosas, que testemunhou o soerguer dos primeiros casarões dos coronéis numa época de indultos fáceis e aquiescência de títulos, comprados de acordo com as posses dos ricos fazendeiros. A antiga tapera viu subir o serpenteado  da fumaça dos fogões a lenha em plena praça, escutou o barulho da fábrica de cigarro e ouviu o tilintar dos vinténs jogados pelo janelão do sobrado da Rua Santos Dummont para os desafortunados sertanejos na cruel seca de 1877. De um Quartel General, na Rua Firmino Rosa, um heroico Capitão Peregrino mirava a torre da Igreja, e nem imaginava o futuro duelo com os revoltosos esgotados, que vinham numa interminável marcha de esperança e sonhos. E na Rua do Poeta José Coriolano, onde já havia um busto lustroso estampado no ar, o comerciante Mariano Raimundo Cândido sai, orgulhoso à porta, expondo aos raios matutinos, o primeiro rebento da professora Maria Delite, sua esposa.
Como uma autêntica acrópole grega, a praça exibe-se, naturalmente exuberante. Como um lugar sagrado, sacrário da alma, o coração de um povo sofrido. Como uma poética sala de estar que é constantemente remodelada de acordo com o mero desejo de um gestor, na vontade de se perpetuar na sua estampa. Num forçado metamorfismo, uma indelicadeza com um rico passado e, assim, a praça passa uma borracha no nome de quem, intencionalmente a transforma. O Paço do resplendor ilumina-se por si, e bem reluz!
Das missas campais, a do cinquentenário da cidade foi inesquecível, com a inauguração de um obelisco egípcio, um quadrante solar em plena praça, guardando, na base de concreto, uma cápsula do tempo que ninguém leu.  As animadíssimas quermesses da Igreja, no mês de Junho, o tempo deletou...  A mão que constrói, também aniquila, como o cruel e huno Átila, e o belíssimo coreto circular, ao lado da catedral, foi apagado.  Cadê os Jovens que, após a missa das 9 horas, iam se deliciar e paquerar na Sorveteria Itália que logo se transformou num inferninho, chamado Barril?  E a noturna e velha praça, giroscópica, em circunvolução de verso e reverso, com as flores-meninas, belas de olhar com cheiro de pétalas?  Como afirmou um velho poeta: “A minha saudade, até agora, rodopia, de tanto lembrar!”
Hoje, uma felicidade, como um invisível vaga-lume, continua a vaguear pelo Largo da Matriz e se senta no banquinho entre as flores de um jardim, aspirando ao aroma gorduroso de presunto e ovos fritos, sem a malemolência opaca da antiga Vila Imperial e da poética vida de outras horas. Um modernismo trouxe uma Praça de Alimentação, com um desespero e uma pressa de viver, ouvindo a canção alegre de um povo fingido e triste. E o saudoso vaga-lume da felicidade, sentado no seu banquinho da praça, relembra uma canção triste, orquestrada no velho coreto da Matriz e animando, no coração da cidade, o povo alegre e resplandecente de outrora.
Raimundo Cândido


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quarta-feira, 21 de agosto de 2013


SOBRE O LIVRO:

“O poeta e escritor Dideus Sales nos encanta com Luiz Gonzaga, muito além de um sanfoneiro, luminosamente ilustrado por Audifax Rios, uma das mais belas e emocionantes homenagens que já se renderam ao criador de Asa Branca e Assum Preto...” EDMÍLSON CAMINHA.

“Encantamento redobrado é quando nos deparamos com poeta cantando e contando a história de outro poeta. Eis que o poeta Dideus Sales dedilha sua lira e em versos cheios de fervor e melodia, conta a vida do filho de Januário, num preito de ímpar homenagem àquele cuja voz soa à audição do povo nordestino como um hino perene de estímulos à resistência e à luta pela liberdade e pelo direito inalienável a uma vida digna. A inteireza da obra se confirma com o traço inconfundível e também eivado de sugestões poéticas de Audifax Rios (...) a encher nosso olhar de terra, coisas e povo do sertão.” 
BARROS ALVES


SOBRE O AUTOR:

DIDEUS SALES, Poeta, Escritor, Radialista, Folclorista e Produtor Cultural. Nasceu na fazenda Várzea do Canto, Independência – Ceará e criou-se em Crateús. Verteu parte de sua produção poética para o áudio, lançando os CDs “Frutos Poéticos”, “Alma Brejeira” e “Cantilena”, este último em parceria com o cantor e compositor Acauã. Foi radialista em várias importantes emissoras do Estado.

                                                       Publicou:

O Sertão de cabo a rabo; Matuto do Pé Rapado; Florescências; Colheita de Versus; O Sertão em Verso e Prosa; Nos Cafundós do Sertão; Veredas de Sol. Flores Vivas e Mortas; Minha Terra, Minha Gente; Natureza, Paz e Poesia.



Postagem: Silas Falcão

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Dor


(FRANCISCO PASCOAL PINTO)

Chega
De chagas, de cravos
De tapatabefe e choque
Providenciem um acalanto
Que a dor (com ou sem mágoa e pranto)
Deve adormecer.

Que a mão verduga
Que a inflige
Exige
Réplica & reparação

 Chega!
Quero aspirina
Morfina
Xilocaína
Para esta dor ausente
dor constante
dor cortante
dor de dente
dor do parto
dor do Horto
dor da cólica
dor de cotovelo
dor da saudade
dor melancólica
dor fingida do poeta
migué do jogador

Tudo nesta vida minha amiga é falsa dor

Portanto
Quando calar o acalanto
Vá devagar com o andor

Que é de terracota o santo
E é de Mártir do Gólgota

A sua sagrada dor.

Última imburana



                                                                       Silêncio...
                                                                       O espírito da mata
                                                                       prescreve calmaria!
                                                                       Astúcia... Precaução...
                                                                       Esquivam-se as plumas!
                                                                       Não piam, a rolinha,
                                                                       a sariema e o cancão!
                                                                       Avizinham-se passos...
                                                                       Machado à mão!
                                                                       Pá... Pá... Pá...
                                                                       Som furioso e seco,
                                                                       tal qual o desespero,
                                                                       impregna o ar,
                                                                       pendoa amargura
                                                                       a escorrer da pele
                                                                       lisa e nobre
                                                                       do tronco musculoso
                                                                       e oleoso da imburana!
                                                                       E a resignada mata-branca
                                                                       em pranto negro-triste
                                                                       abafa o longo silêncio....


                                                                       Raimundo Cândido