sexta-feira, 23 de outubro de 2015

TOMEI UM ITA E ME FUI LÁ PARA O NORDESTE

                                               

As crônicas do poeta cearense Raimundo Cândido Teixeira Filho, ilustre cria dos sertões de Cratheús, são uma provocação a nos desafiar a vontade de prosear, sentado na calçada, jogando conversa fora.
Eis que ele acaba de pinçar uma inédita manifestação sertaneja no prolífero dicionário cearês - “a genial expressão “B.R.O brós” só para indicar os meses mais quentes do ano, de setembro a dezembro”.
Prosseguindo, arremata o período com uma sentença folclórica: “Dizem que o mundo, uma vez, findou-se com muita água e que, agora, vai se acabar é nas labaredas de fogo e o foco é no sertão cearense”.
Peço licença ao Professor pra me trasladar de cadeira e cuia até sua calçada e me sentar sem cerimônia alguma, aproveitando a brisa refrescante deste Aratiba amigo que surge em madrugadores mormaços.
Ah, se eu não falaria das estripulias de “El Niño” lá pelas bandas do Pacífico, causando esta tremenda bagunça que não deixa de ser sempre inversão de valores com inundação no Sul e seca no Nordeste.
Até proporia uma força tarefa de serafins bombeiros para conduzir essa nossa enxurrada para irrigar aquelas áridas terras do Agreste, combatendo as maléficas intenções do Capeta nesta fornalha acesa.
Para consolo desse nobre Vate, ainda relataria certa madrugada na praia de Tramandaí, em que alguns moradores do condomínio Quebra-Mar acomodaram seus colchões e ventiladores nos corredores externos.
Vixe, foi uma vez só, nem precisei aquecer água para o chimarrão, mas que me senti reencarnado nas profundezas ígneas, palavra que senti, duvidando existir qualquer calorão senegalesco mais intenso.
E você ainda fala de um outro Aratiba que se desviava pelas esquinas da cidade, levantando “santinhos” de mico leão dourado, onça pintada e garoupa que geravam corrupção entre políticos e eleitores.
Parece-me, Mundinho, que os ventos se comunicam entre si, se não como explicar que o nosso Minuano venha compactuando com essa safadeza engendrada pelo manhoso Aratiba nestas tão longínquas paragens.

José Alberto de Sousa – Porto Alegre - RS
O poeta das águas doces - http://poetadasaguasdoces.blogspot.com.br/

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O Aracati no sertão.

  
 
O cearense, com sua irreverência nata, inventa cada nome estrambólico para as coisas que ocorrem e que existem nos quatro cantos do sertão: Arre-égua, capoeira, coivara, cangapé, desembestar, embiocar, frivião, gurgúi, mutuca, pixilinga, talagada... Vixe! São tantos os neologismos que aparecem no dia-a-dia do sertanejo que até ajuntaram todos esses vocábulos incomuns num magote só, e chamaram de Dicionário Cearês. Minha admiração maior é de quando, nós, ispritados cabras-da-peste, unimos numa única designação uma série de palavras, como a genial expressão “B.R.O brós” só para indicar os meses mais quentes do ano, de setembro a dezembro. Dizem que o mundo, uma vez, findou-se com muita água e que, agora, vai se acabar é nas labaredas de fogo e o foco é no sertão cearense.
Os B.R. O brós são uns dias tão quentes, mas tão quentes que ainda tem crateuense que fica sentado na calçada, até altas horas da noite, em cadeira de balanço, esperando o Vento do Aracati chegar para amenizar o mormaço que abafa o mundo e, só assim, ter uma noitada tranquila de sono.
Ventilador, na minha meninice, era coisa muito rara e só existia nas casas dos ricaços da cidade que dormiam embalados por uma frescurinha artificial. O Povão ficava era nas calçadas, nas noites quentes dos B.R.O brós, de abanador na mão, fofocando da vida alheia e esperando a friagem do Aracati chegar.
Os mais velhos diziam - e eu piamente acreditava - que o vento do Aracati partia de um gigantesco moinho que ficava assoprando da praia, onde nasceu o Dragão do Mar, e sem falhar um dia sequer, no rumo à fornalha do sertão. Era até um motivo de empurrar, mais cedo, as crianças para dormir nas suas baladeiras, na ameaça da tal de cruviana, que estava, sorrateiramente, chegando.
Alguém, de imaginação muito fértil, tentava explicar a demora do Aracati em chegar ao sertão: - Ele vem de muito longe, lá do fim do mundo, onde o Rio Jaguaribe se despeja no mar e vem muito devagar, vem se arrastando, se entretendo, ora aqui, ora ali e é por isso que demora. É um vento muito invocado, embioca de lá prá cá, fazendo estripulias pelo mundo. Boa parte sobe pela calha do velho Rio Jaguaribe, passa por Russas, Limoeiro e vai bater na terra abençoada do Padim Cíço. O restante do sopro do mar, que parte da praia de Canoa Quebrada, dos verdes mares de Majorlândia, pega o rumo do sertão brabo, encrespa as penas da Galinha Choca, em Quixadá, e tira, numa linha reta, por cima da cidade de Boa Viagem, até chegar nos Sertões de Cratheús e nos cumprimenta com um refrescante boa noite. O Aracati é um vento muito brincalhão, mas vem amenizando as altas temperaturas por onde passa e, às vezes, escaramuça que nem potro selvagem levantando poeira pelo chão. Quando muito cansado, desce pelos povoados, assovia nos telhados e, só de brincadeira, levanta o vestido das moças fogosas ou então assanha os cabelos das senhoras de respeito, que se balançam nas cadeiras, nas calçadas. O bonito é quando ele faz um cansado cata-vento, todo enferrujado no reumatismo agudo, girar sua ventoinha e, só no susto, entoar uma canção de saudade, no meio da noite que, lentamente, vai se esfriando.  O vento do Aracati é como o sopro de Zéfaro, faz a Caatinga criar vida.
Por aqui, nos Sertões de Cratheús, “existiu” outro Vento do Aracati, um outro vento bem diferente daquela friagenzinha que sempre vem do mar, mas que também alegrava quando passava pelas esquinas dos bairros da cidade ou pelos povoados do interior. O eleitor ficava sentado nas calçadas, só aguardando a passagem “da brisa” e, quando chegava a alegria era geral. Se o vento, das notas de cruzeiros, fosse  em Rui Barbosa tinha que ser, no mínimo, de umas dez cédulas, duas de Osvaldo Cruz já serviam ou então um JK brilhozinho e se confirmava o acordo de um quadro endêmico que, por muito tempo corroeu,  e ainda corrói a honradez e o brio do glorioso Brasil: Uma corrupção mútua e safada entre políticos e eleitores, entre eleitores e políticos.
Há quem diga que o verdadeiro Vento do Aracati nunca consegue chegar por aqui, nas lonjuras deste nosso imenso sertão, como um rio que voa, trazendo a rajada da brisa do litoral. Mas quem assim diz é porque não sabe da coragem do Mar que um dia animou a alma do jangadeiro aracatiense Chico da Matilde para se tornar o herói que fez do Ceará o Pioneiro na Abolição.
Há quem diga que não é o Aracati que vem amaciar o rosto do rude sertanejo com sua brisa que acalma a alma, nas madrugadas frias. Mas quem assim pensa é porque não sabe da fluência da poesia do mar, não sabe que o Vento do Aracati recita no ar o doce odor das maresias e nos oferta flores marítimas na inalação, em plena sequidão do sertão.
E quem somos nós para contradizer o grande escritor José de Alencar quando afirmava: “O doce Aracati chega do mar e derrama a deliciosa frescura pelo árido sertão. A planta respira e um doce arrepio eriça a verde camada de capim, pelo chão.” É isso mesmo, o vento do Aracati resvala no sopé da Serra da Ibiapaba, nas beiradas da Bica do Ipu, onde a escultural índia Iracema se banhava, toda vestida de graúna.
E no mormaço brabo do meu querido sertão, aqui na calidez da Ribeira do Poti, só me resta colocar uma cadeira de balanço na calçada e esperar, esperar e muito esperar que a Brisa do Aracati chegue trazendo o desafogo das rajadas de poesias do belíssimo mar de Canoa Quebrada, nos ofertando o frescor dos ventos de Majorlândia que aumenta a esperança de vida de quem só sabe viver no clima quente do sertão. E, como os poetas ribeirinhos, aguardo a eólica inspiração, espero, espero e muito espero o sopro do Vento do Aracati para aliviar este imenso calor que me sufoca e, também, para suavizar a viva fornalha de onde flameja a sequidão desses meus rudes pensamentos.  
- Ah! Que alivio e que vento bom, está chagando a brisa do Ara Katu!
( Através do poeta crateuense Dideus Sales, o nosso abraço e agradecimento à Aracati pelos seus 173 anos que nos manda a suave brisa do Aracati)


Raimundo Cândido 

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Por que fiquei da minha aldeia.


                                                                     
Ouvir o chamado,
vivo, nítido,
irrecusável,
eu ouvi!
Os meios, a ocasião,
e os álibis estavam ali,
aos meus pés alados,
e não parti!
Permaneci pousado
num galho seco
em tempos de arribação.
E fluíram todos, arrojados,
livres e aos bandos!
Regressaram, um a um,
para abrandar o vazio do peito.
E voltarão, como de praxe
mas, não para ficar!
Ficar... Fiquei eu!
É que as asas criaram raízes!

Raimundo Cândido