quinta-feira, 27 de outubro de 2011


Elixir

Há uma ânsia fervilhando num cadinho
de bronze, onde meu escasso tempo
se mistura ao pó das minhas lembranças.

Há um aroma pungente de pálidas luas
fermentadas em mil noites inquietantes,
nutridas de êxtases e em apetecíveis fábulas.                       

Há um possível milagre se oxidando,
eletrolítico, na película de minha alma,
feito uma mitológica panacéia alquimista.

Raimundo Candido

terça-feira, 25 de outubro de 2011

                                                      
                                                            
                                                 Outra coisa

Ele, observando a pá veloz do coveiro:
– Quem será enterrado?
– Ninguém.  Este amigo me avisou que está vivo.

Por Silas Falcão


Raimundo Candido disse...

Já imaginou, amigo Silas, se fosse com um chip da Oi, o coitado estaria tentando linha até agora!
Terça-feira, 25 Outubro, 2011

Elias disse...
E se fosse da tim ou claro, aí era morte na certa

                                                                        As Benzedeiras

O  gênio francês Blaise Pascal era um primoroso físico e matemático dono de um corpo muito precário, mas tinha lá, no seu grande  espírito, umas ideias carregadas de radiações filosóficas moralistas embaralhadas com um vigoroso pensamento teosófico medieval. Era, além disso, o autor dessa famosa citação "Há duas espécies de homens: uns, justos, que se consideram pecadores, e os pecadores que se consideram justos", um assunto bem complexo que sempre se desenrola em longas e acaloradas discussões, mas é esta uma das frases que quase sempre nortearam minhas irracionais abstrações mentais sobre os mistérios da fé. Embora sendo a primeira espécie, infinitamente menor, se sobressem visivelmente pela ação que praticam em prol da condição humana, pois o verdadeiro pecado, penso eu com o meu falho coração que tem lá suas razões que a própria razão desconhece, é não se fazer, sempre, o bem.
No começo da Rua Santos Dumont, já quase à margem do rio Poti, um grupo de humildes e crédulos cidadãos espera a vez para falar com um ancião chamado Seu Gonzaga, já na idade centenária, mas de uma lucidez que impressiona. Imediatamente o enfermo seguinte de uma longa fila, com um rosto abatido por uma invisível moléstia, do corpo ou da alma, se aproxima e se senta num tamborete bem próximo ao rezador, que pergunta: Trouxe um raminho? Ele diz que tem que ser bem verdinho que é a cor da esperança. (Esperança que às vezes me engana, mas a carrego mesmo assim!) Recordo que, outro dia, ouvi alguém importante dizer “Este tem a reza forte, me curou da perna.”   
Aqueles que rezam e dedicam uma vida inteira ao bem da uma comunidade, sem jamais cobrar pelo trabalho que realizam, muitas vezes, não recebem nem um “obrigado”.
Eu não sei ler nem escrever, só tenho muita fé naquele Pai! Levanta o dedo indicador para o Céu, a dona Maria do Carmo, nos indicando que entende das doutrinas da fé. Reside numa singela casinha em frente ao Batalhão de Infantaria com seus filhos e muitos netos. Benzedeira há muitos anos, e se lastima constantemente da despreocupação juvenil com as coisas da fé e não vê continuidade de alguém da família com os seus trabalhos.
O berço das rezadeiras são as remotas celebrações afro-brasileiras dentro do catolicismo popular, sem o compromisso com um rito religioso específico, numa tradição que atribui fortes poderes de curas aos santos.
Depois de algumas casas mais adiante, encontramos a residência da dona Maria Abel, uma senhora de cor morena e de fala compassada, com um olhar sereno que nos transmite muita segurança.  Diz-se, também incrédula no futuro das rezadeiras: - Daqui a alguns anos, quando falarem em Deus, alguém vai perguntar: Quem é Deus? As pessoas que vêem aqui às vezes nem pedem, mandam e eu logo lhes digo: - Não sou eu quem cura, é Deus! Quando Deus dá um dom você tem que assumir e atender a todos, adultos, jovens e crianças. Quem, algumas vezes, me mandava uns doentes era o falecido Dr. Geraldo, ele dizia para eles, os que chegavam aqui: - Eu não posso fazer mais nada. Vá à Dona Maria Abel, que ela resolve seu caso. Muitos eu resolvi mesmo, com bastante oração e fé.
Rezar é pôr em contato, por meio do pensamento, o ínfimo da aspiração humana com o infinito de Deus e o que podemos fazer de melhor para a nossa felicidade é pôr-nos em harmonia constante com Ele, por meio dessas orações, que é o preceito de todas as benzedoras que receberam o dom de curar: os quebrantos do mau olhado, as espinhelas caídas, os ventres virados, os nós nas tripas, as dores nos quartos, as indecentes sarnas, os maus fluidos, as pernas fracas, o olho grande, amarelão, cobreiro, erisipela, engasgo, sangue grosso, impingem, inflamações em geral e muitas outras doenças.
No principio do mundo, Deus nos deu a graça da cura, mas nos tirou com o inevitável pecado original de Adão e Eva e depois algumas pessoas o receberam de volta por intermediação de Jesus. Uma dessas felizardas almas foi Dona Mariquinha Menezes, esposa do Senhor Chico Maravilha que morava na localidade Pereiros, bem próximo à cidade de Crateús. Estranho dom esse, pois era direcionado exclusivamente à cura dos animais. Era um restabelecimento de saúde que se fazia com uma forte oração pelo ar. Da casa da Tia Mariquinha partia a oração, no rumo do curral em que estava o debilitado animal, com sua corrosiva ferida cheia de vermes, fosse onde fosse, exatamente na hora do ângelus e antes do anoitecer. Muitas vezes ela colocou a mão na anca de um indômito burrico, de uma braveza que não aceitava nem um cabresto, fazia uma breve oração e mandava o cabra subir. Logo animal ia e vinha, como um bom e manso animal amestrado.
Na cidade, um respeitável casal estava muito apreensivo, pois seu primeiro filho apresentava um ferimento muito feio na cabeça, cheios de vermes que fervilhavam no juízo do menino. Nem o famoso Dr. Olavo, médico da localidade, conseguira remediar tal ferida. Alguém lembrou-se de Dona Mariquinha, e lá vai o Seu Juramar pedalando na sua bicicletinha, passando pelas correntezas do rio Poti em dia de alta cheia, até a casa da rezadeira, que se apieda da situação e abre uma exceção, resolve rezar às 6 horas da tarde e manda Seu Juramar, mais tranquilo, voltar para casa.
Afirmam-se que um homem é sempre justificado pela sua fé em Cristo. Nesta noite uma criançinha se aquieta na sua rede, com um alivio inesperado. E a professora Neide Nogueira e o Sr. Juramar Leitão Bonfim conseguiram enfim, dormir, num sono bem sossegado.

Raimundo Candido

Luciano Gutembergue Bonfim Chaves disse:
Poeta, admiro a vossa produção e as suas temáticas.

Chico Pascoal disse:
Em Ibiapaba, minha avó materna Dona Anja (Ângela ) Belizário era benzedeira requisitada.  Tirava quebranto usando ramos de vassourinha e sussurando preces inaudiveis. Eu e meus irmãos adorávamos imitá-la.   Bela lembrança, conterrâneo.  Abraço.
Chico Pascoal

José Albeerto de Souza disse:
A sua temática popular é um forte componente dessas prolíficas crônicas, que nos conduzem a atitudes de antanho. Lembraram-me de uma saudosa tia que formava uma cruz de sal no beiral da janela - rezando à Santa Barbára - toda vez que se anunciava uma tormenta. Ou então do seu esposo fazendo o sinal da cruz em uma das fases da lua para tirar uma verruga na pálpebra do olho.