sábado, 29 de janeiro de 2011

ILUSÃO (Elias de França)

Qual (ilusão) te leva ao engano?
Qual a que te faz insano?
Qual a ilusão matriz?
Qual a que te faz feliz?
Qual a ilusão do ano?
(Erasmo Roseno - Erasmito)
.
.
.
Disseram-me um dia – acreditei -
que os sonhos levam à vida nova
e pus-me tempo-a-diante
fiando linhas azuis
polindo bilros de cedro
batendo estacas no tabuleiro
tecendo e enchendo meus baús de planos
suei o peso constante de malas mil
por, de repente, um limiar
subi, desci
descansei nos braços da morena da ocasião
doei horizontes aos despojados
adornei de flores os caminhos
arranquei pedras, amaciei trilhas
amoleci e endureci...

Fim de estrada:
não há mais linha nem vontade...
nenhum limiar
nem ao menos uma aurora cor-de-rosa
os caminhos continuam
de pedras e passos
a vida segue em passos
... passa
passo
sem chegar à vida sonhada
mas, olhando para trás:
minha vida foi “um sonho!”

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

QUANDO CHEGA A VELHICE (Isis Celiane)


Aquela voz que outrora gritava
e esbravejava por seus ideais,
agora enfraquecida quase não fala,
quando raramente não cala,
diz manso, diz baixinho.

O corpo sempre apoiado,
não arrisca um passo sem seu bastão,
aquele bordão que lhe sustenta a matéria cansada,
servindo de apoio a velha mão calejada.
Marca que o trabalho lhe deixou de herança.

Mãos trêmulas tentando equilibrar o copo.
É difícil andar, falar e comer...
Viver é difícil quando se chega à velhice.
Na mente cansada, sinais de caduquice.
Permanecem intactas as boas memórias.

A vida se esgota!
Todos os sonhos estão esgotados,
encerrados nas conquistas e nas frustrações.
Exaurem-se os desejos e as ilusões.
O velho deseja apenas descansar.

Quando se chega à velhice
nada mais parece lhe pertencer.
É comum ouvir dizer: “no meu tempo...”
Como se o tempo da gente durasse apenas o instante
em que se é jovem.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A exposição.....................................................................................................................As horas que eu passava no quintal eram de treino para a poesia.
..................................................................................Manuel Bandeira.

Seu primo conta-lhe a novidade. Atentamente ele ouve, estranhando, porque nasceu crescendo em apartamento de passos medidos. Desde então a curiosidade borbulhante insulta-lhe viagem.
Interior.
A pequena cidade é construída de ruas mansas, sorrisos fáceis, simplicidades abundantes, natureza ativa, rio corrente, pássaros emoldurando as casas niveladas. Ambiente de caráter.
O primo detalha cada centímetro da área feita de liberdade. Universo de aventuras.
Sua alma, ganhando movimentos inéditos, corre espaços como o vento, o sol.
Seu olhar, desviando-se de um plano a outro, se amplifica como os puros sons do sino anunciando missa.
Sua maturidade de concreto sensibiliza-se insolitamente.
Ele se sente outro. Outro completo.
E fotografa.
Fotografa minuciosamente como quem eterniza uma relíquia volátil.
No final de semana ele convida os amigos dos apartamentos de passos medidos para a exposição fotográfica dos quintais, que os concretos do crescimento urbano aterraram.
(João Silas Falcão Soares)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

... e todo o resto!

Van Gogh - Stary Night

Havia algo
adoçando as noites de insônia
e lembranças de belas namoradas.
Havia alma,
e mais oxigênio na brisa matutina.
Eu pensava versos,
gemia cantigas
e enxergava com o coração...

Algo se perdeu no emaranhado de sonhos e tentativas,
levado pelo vento errante
com a poeira dos chinelos, ao caminhar.
Algo desbotou na retina embotada...
Gastou-se junto às botas...

O coração ficou cego:
não me deixa ver graça em viver.
O coração está surdo:
só ouço esvaírem-se os encantos
das melodias mundanas...
Salta, coração aleijado,
enquanto a vida corre
para lugar nenhum...

O tempo passa...
leva o doce
ficam as noites de insônia;
leva as namoradas,
ficam as lembranças tenras;
leva a alma,
fica o corpo cansado
implorando a piedade eterna;
leva a inspiração,
fica a brisa matutina
cada vez mais poluída;
leva o verso,
fica o pensamento repleto de remorsos;
leva as cantigas,
fica o gemido;
leva o coração,
ficam as pontes de safena...

O homem passa...
leva sua ganância,
fica sua fortuna;
leva sua esperança,
ficam as marcas dos seus atos;
leva sua arrogância,
fica o desprezo pelo seu ódio;
leva sua bondade,
fica a saudade;
leva suas derrotas,
ficam as chacotas;
leva suas utopias,
leva suas vitórias,
leva suas alegrias... suas agonias,
fica a história...
.
(Elias de França - do livro "cantigas do oco do mundo - poesia. Ed. independente, Fortaleza, 2002.)