sábado, 5 de março de 2011

DESPEDIDA (Isis Celiane)

Dos braços escapou o abraço,
da voz fugiram as palavras.
As mãos não se apertaram
e os olhares empreenderam fuga
e não se olharam.

Dos sentimentos sinceros,
aquela ausência impondo sua presença.
Nenhum sinal de gratidão,
somente ela: solidão
foi estrela naquele palco sem luz.

Inevitável era a sensação:
quanta vida deixada ali foi em vão!
Não valeu à pena sonhar tantos sonhos
nem fazer tantos planos.
Afeição sem desvelo não é afeição.

Recomeçar e mudar...
embora enfrentando as faces ríspidas
dos que não se alegram com sua chegada.
É preciso coragem para recomeçar
e fazer do desengano uma oportunidade nova.

E esta saudade
que será dor por algum tempo,
chegará um tempo
em que será só saudade.
.
.
João Bosco disse...

Boa tarde, grande poeta!
Cecília Meireles, em uma de suas belas canções, diz que "O poeta abriu o mar com as mãos para o seu sonho naufragar".Você, Isis, tem um quê de Cecília. É a herdeira moderna desse "monstro sagrado" da nossa literatura, desaparecida em 1965.Se ela, por acaso, lesse os seus poemas e canções, decerto ficaria envaidecida.Parabéns, poeta "espritada". E que tenha um bom carnaval.
João Bosco
Sábado, 05 Março, 2011

quinta-feira, 3 de março de 2011






A dádiva do Poti
...................... A Secular Crateús.

Este habitat, árido atributo é uma dádiva do rio
que jorra despido, amorosamente paterno,
tanto viril quanto oferecido
mas distraidamente intermitente.
Sobressaltado cabrito selvagem, flama aquosa
em voluptuosa profanação dos veios secretos,
nas entranhas sagradas da terra pelo seminal
líquido vital em ejaculação plasmática.
Célula fecunda, a cidade se dar terna e plena
no ventre farto da rijeza terrestre
e se expele do leito à margem,
como flor silvícola gerada de água e luz
tateando um úbere que a faça medrar.
Cândidos, de epiderme incandescente,
no ermo bravio que em mim ainda fervilha
como memória de extintos guerreiros,
os gloriosos karatis que ululavam por aqui,
com um intenso canto em danças de rogação
à caça e à pesca, nas margens pedregosas do rio
que se encobria em arremessada fuga, feito carcará
pela mata a dentro, como flecha rápida e sinuosa.
Neste inculto agreste um inexplicável fenômeno,
em decorrência do rio, um avivamento miraculoso,
na tosca mata branca de marmeleiro e mufumbos,
desta caatinga povoada por criaturas esquálidas,
o habilidoso pincel foi tingindo um quadro citadino
suficientemente bucólico pelo aroma dos currais,
espargindo o mungir do gado ao nascer do sol
e o aboio plangente que vem de um rústico gibão.
Contra as evidências de impassíveis estiagens
que assolavam, extirpavam, aniquilavam o que nem existia,
o sertanejo levantou-se como um audaz Hercules,
um heróico Quixote de La Mancha e pegou sua cuia d’água,
exibiu sua nobre enxada como fuzil de guerra
e ecoou sua imensa coragem no intrépido peito,
ao contemplar uma barra de chumbo visível ao céu,
dando existência a algo inimaginável: vida no sertão.
E foi deitando corpo, uma aldeia, uma vila, um povoado
de intensidade rústica, espírito indomável como seu rio,
mas o coração na imensidade de um horizonte.
Uma eminente capela guardava as coisas sagradas
com seus mandacarus padecente a render sentinela,
atordoados na hora escaldante. Hoje o suplício
é oficio de um crucifixo que se espreita na face da matriz,
com um ar sagrado velando as corredeiras que dançam,
por entre as serras vogando com ímpeto ao mar.
Ao se povoar em torno de uma imagem santa
a cidade exubera zelosa, como uma mulher virtuosa
que traja véus para invocar as bem-aventuranças ao lar
e suplicar clemências nas procissões de São José,
aleitando as robustas crias que brotam copiosas,
pelas esquinas onde parteiras para todos não há.
É um só ímpeto a urbe que se expande como se espicha
um couro curtido nos curtumes, espalhados pela beira do rio.
Paralelo a curva do velho Poti, avança a linha férrea.
Um formigueiro incansável firma os dormentes,
assenta os trilhos ao chão rumo a um sem fim,
como num tapete retalhado a ferro e fogo,
conduzindo condições de um haver fôlego por aqui .
O trem de ferro abre uma trilha sem porteira,
com seu dilatado apito cortando os ares, numa gargalhada
fina proferida por um meteórico rastro de fumaça
que desenha num trajeto aéreo e acetinado de uma nova lida.
O comércio é um rebuliço irrequieto de rude gente
que não sabe se vai ou se vem, mas mantém sua graça
de cidade que cresce e se mostra formosa e faceira.
E tudo se ameniza com o perfume de terra molhada,
que incita um faro comprido a farejar colheita e fartura.
O lavrador já arou, sente-se feliz, cheio de promessas,
esquecendo a penúria da seca recente que o vergou.
Condutor de benesses, mensageiro de vida,
do Poti sempre jorrou o nosso riso e o nosso sangue,
mas que de vez em quando conduz um fraco arroio, infecundo,
transcorrendo no lugar do grande e paternal rio,
um fio vertido em lamacento choro, num canto penoso
pelas circunstâncias corrompidas que lhe impõem.
Um dia desses, algum encantado do rio,
a mãe d’água feroz, apavorante iara guerreira
que entrança as linhas do tempo em devaneio,
nos anfiteatros pétreos a vigiar as cidades ribeirinhas,
subirá pelas corredeiras de revolta em punho
e com voz de trovão, caminhará pelas ruelas e becos,
tomando satisfação por este descaso e desleixo,
já que por aqui outro bastião, para nos ajudar, não há .
Indagará pelos filhos ingratos, os desalmados políticos
que só se saciam de um vil metal e daqui se vão
deleitar em outras pastagens, não tão agrestes,
esquecidos, sem se inquietar por nosso destino,
filhos ingratos, como vil raposas que são.
Mas a água do Poti é um fio de seda,
no vigor de um aço que prende em laço
afetuoso e sincero, numa proteção cordialmente aquosa,
o ensejo de quem o bebe e não mais esquece.
Aqui é o lugar em que a coragem brota do áspero chão,
onde bravura é sobrenome de um intrépido cidadão
que o leva marcado no peito, junto a designação
a de ser crateuense por índole, ou por amor ou por vocação.

Raimundo Candido
www.raimundinho.hpg.com.br

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011



Prezado Raimundo, acabei de ler seu texto sobre o Bandeira. É bom quebrar o jejum com uma iguaria desta. Parabéns. A propósito, outro dia, de brincadeira, rascunhei a paródia abaixo, no espírito gozador de Oswald de Andrade. E o meu amigo Claudio Parreira, do site de Literatura O Bule (conheces?) me disse que eu estava dessacralizando um cânone da nossa poesia que adorava dessacralizar seus antecessores.

Pasárgada, a Outra, primeira mão para voce dar uma apreciada.

Vou me embora de Pasárgada
A República triunfou
As mulheres não me querem
A minha cama quebrou.

Vou-me embora de Pasárgada
Escaparei por um triz
Da turba que não me atura
Caio fora, sigo em frente
Que Joana, safada, me estranha
Diz que me ama mas mente.
Já empregou seus parentes
Chance que eu jamais tive.

Na fuga farei um cooper
Roubarei uma bicicleta
Não mais burro nem mais brabo
Liso como pau-de-sebo
Tomarei banhos de gato
E quando estiver bem longe
Em São Paulo ou no Rio
Bebo, viro um pau-d'água
E dano a contar histórias
Que no tempo das vacas-gordas
Eu costumava inventar.

Vou-me embora de Pasárgada
Em Pasárgada não tem nada
Fim de civilização
Tenho um processo nas costas
Movido por Conceição
Meu celular não funciona
A Lei Seca me esturrica
As putas beijam na boca
Tenho pena de quem fica.

Um abraço de Tamanduá
Chico Pascoal
Crateuense de Ibiapaba, residindo em São Paulo
escritor/leitor. um aprendiz da arte de contar estórias.
postao por: Raimundo Candido