quarta-feira, 12 de setembro de 2012

                                                          
                                                                
                                                         CESSI
                                     (DEDICATÓRIA DO AUTOR)
Encontro Cessi balançando seus poucos pensamentos. “Cessi, como vai a senhora?” De dentro da rede os seus olhos antigos me contemplam tristemente: “Vou aqui sofrendo este resto de vida, meu filho”. Afetei carinhos a Madrinha Cessi, festejando os conselhos que ela me deu quando eu era menino.

Silas Falcão

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Vaqueiros e Currais


             O vento da madrugada traz um princípio de luminosa plenitude que será preenchida com afazeres imprescindíveis do dia, a começar pelo canto do galo, o chilrear dos pássaros, o coachar dos sapos e o latido dos cães que acompanham os denotados vaqueiros em reflexos imutáveis de uma eterna marcha rumo ao currais.                           
             A vida sertaneja sempre traspôs as tramelas das velhas porteiras langorosas, tangida pelo ecoar dos aboios e pelo mugido do gado difundido no ar. O forte aroma de estrume é o perfume que assinala as fazendas de gado, onde um denotado homem foi se arraigando no rude solo de um arrebatado agreste, desfrutando as horas generosamente paternas ou instantes impiedosamente insensíveis de um tempo padrasto.
            Sempre que vejo a peleja diária destes “Antigos Guerreiros Exaustos da Refrega” como os intitulava Euclides da Cunha, no livro Os Sertões, declamo no pensamento um trecho do verso decassílabo do repentista pernambucano Dimas Batista, ao cantar um belo galope à beira-mar, obsequiando os vaqueiros “... é no braço, é na mão, é na carne, é no osso, / é no osso, é na carne, é na mão, é no braço. / É o vaqueiro, é o boi, é a corda, é o laço, / quando ele persegue e sabe laçar...”.  
             Tenho uma autentica e sanguínea admiração pela lida de gado. Não à inquietação monetária dos ricos fazendeiros, impassíveis às agruras diárias dos animais e do homem, mas ao heróico condutor de um processo histórico chamado Civilização do Couro, relatado por um historiador cearense, o mordaz Capistrano de Abreu.
              Numa das mais antigas propriedades rural dos Sertões de Crateús, a fazenda Boa Vista (época da Vila Príncipe Imperial), quando a criação de gado era feita na forma mais primitiva, com os animais livres, rodeando sem cercas, soltos na imensidão de uma caatinga, o vaqueiro e vate maior crateuense cantou um valente boi num belíssimo épico bucólico, um poemeto romanceado ao cachaçudo Touro Fusco, preso num curral de pau-a-pique feito a troncos de aroeiras: “Em tanto, o touro-fusco, escavacando, / A lama para os lados espargia, / Tão intensa que, a tudo enlameando, / De lama tudo em roda ele cobria; / E, gemendo e a cabeça maneando, / Contra os fortes mourões, arremetia, /  E os robustos mourões, estremecendo, / Às cornadas do touro iam cedendo.”
                O intrépido vaqueiro, além de incansável trabalhador, é um homem que crê. Crê, ao seu jeito, na vida simples que leva, isolando-se, desconfiando de uma nova vida, pois vaqueiro nunca muda de hábito. Crê nos duendes, crê nas rezadeiras que combatem o mal olhado, debelam a coisa feita e até curam as bicheiras dos animais, infestadas de repulsivas moscas.
               Na fazenda Pereiros, há um vaqueiro que, pelas feições sempre serena, não demonstra o titã aguerrido no trabalho incansável dentro de um coração valente e enrijecido na labuta diária com o gado. O senhor Manoel Joaninha chama todas as vacas leiteiras pelo nome – já ordenhara quase todas – a última é a valente mimosinha, com os chifres laçados no cambão, as patas traseiras peadas e o forte bezerro colado na pata dianteira se contorcendo na laçada, louco para mamar.
              A pressa em terminar a ordenha bem cedo se justifica: levará o gado solteiro para escapar do pesado verão no clima agradável da Serra. Uma caminhada longa e difícil de subir, passando pelas veredas íngremes do Buritizinho até chegar ao aprazível São Luis, onde já começaram as agitações alegres das farinhadas, que faz seu Manoel se lembrar do baião de Luiz Gonzaga: ”Tava na peneira eu tava peneirando / Eu tava num namoro eu tava namorando. / Na farinhada lá da Serra do Teixeira / Namorei uma cabôca nunca vi tão feiticeira”.
             Admiração maior é ver na dura labuta, a tanger os animais brutos, uma sensível e  feminina mulher.  A preta Ernestina já nasceu respirando os currais e tornou-se a vaqueira destemida e preferida do Senhor Euclides Maravilha. Tangia dezenas de gado, a pé, só com um cacetete na mão, desde as margens norte do Rio Poti até os aprazíveis climas dos Tucuns. Como Diadorim, filho(a) de Zeca Ramiro, no agreste de Guimarães, a Preta Ernestina foi a heroína de nossos sertões.
             O Senhor Manoel Pereira Alves , o Joaninha é só por insistência de família materna, estava sempre  com um par esporas nos pés e chibata de couro nas mãos como a dizer, se não estou montado em minha burra baia agora, a qualquer momento posso estar, deixou a arte de guiar uma boiada com o canto monótono e triste de um aboio para todos os seus filhos que conferiram as honras de vaqueiro, como uma grande herança.
               E a todos os intrépidos vaqueiros, desde o pernambucano Raimundo Jacó, assassinado por um companheiro, até à heróica Família dos Joaninhas,  trajando gibão, peitoral, perneiras, luvas, esporas, chapéu e chibata na mão, que para arrebanhar uma rês desgarrada, enfrentam os maiores perigos, um poeta menor cantou assim uma pega de boi na caatinga:  Flecham-se! / Estica-se na sela / feito um guerreiro medieval. / Uma trincheira de juremas pretas / é um estorvo traiçoeiro e cruel! / Sombras e réstias de luz mesclam-se / na inextricável mata de espinhos acesos. / Arrematam-se pelo sem fim da caatinga / insensível, a tanto heroísmo, a tanta destreza!

 Raimundo Candido

José Alberto de Souza disse...
Observador arguto das lides sertanejas,
            Nada escapa ao cronista atento
            Desde a dureza da vida do vaqueano
            Até o conformismo dessa alimária.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

                                                  


                                                                
                                                     A BEATA
As contas corroídas do rosário giram nas mãos estranhas duma beata em pé na torre da Igreja.

Silas Falcão

TRÊS GÊNIOS DO NORDESTE


HOMENAGEM A NELSON RODRIGUES, JORGE AMADO E LUIZ GONZAGA

Dideus Sales

Nelson Rodrigues, cronista,
Dramaturgo iluminado;
O genial Jorge Amado,
Fulgurante romancista;
Luiz Gonzaga, um artista
Da sanfona e da canção,
Três notáveis na invenção,
Três gigantes, três arcanos.
Três gênios fazem cem anos
Nelson Jorge e Gonzagão.

 Três símbolos deste país
Deixaram enorme lacuna:
Amado, de Itabuna,
Do Exu, o rei Luiz,
Nelson deixou seu matiz
Na robusta produção.
Os três com certeza não
São sagrados nem profanos.
Três gênios fazem cem anos
Nelson, Jorge e Gonzagão.

 Três corcéis soltos sem rédea
Nos campos férteis das artes,
Três cetros, três estandartes
Três estros além da média
Nelson deu alma à comédia,
Luiz criou o baião,
Jorge leu com emoção
Os sentimentos baianos.
Três gênios fazem cem anos
Nelson, Jorge e Gonzagão.

 Três bússolas, três timoneiros
Três videntes, três estetas
Três sonhadores poetas
Três autênticos brasileiros
Três mágicos, três feiticeiros
Três luzes na amplidão
Três sementes de emoção
Lançadas em solos planos.
Três gênios fazem cem anos
Nelson, Jorge e Gonzagão.

 Três cascatas, três rochedos
Três rapsodos etéreos
Três enigmas, três mistérios
Três boêmios, três aedos
Três decifráveis segredos
Três bombas numa explosão
Três invernos no sertão
Três destinos, três ciganos.
Três gênios fazem cem anos
Nelson, Jorge e Gonzagão.

 Três plantadores de sonhos
Três jardineiros, três lagos
Três caminheiros, três magos
Três vencedores medonhos
Três estafetas risonhos
Três aves de arribação
Três faróis na escuridão
Três naus em três oceanos.
Três gênios fazem cem anos
Nelson, Jorge e Gonzagão.

 Três geniais nordestinos
Três astros incandescentes
Três jazidas, três torrentes
Três lentes, três paladinos
Três artistas genuínos
Três monstros da criação
Três mundos de inspiração
Três deuses, três soberanos.
Três gênios fazem cem anos
Nelson, Jorge e Gonzagão.

 Jorge Amado absoluto
Em seu ideal político;
Nelson Rodrigues um crítico
Controverso e muito astuto;
Luiz Gonzaga um matuto
De apurada aptidão,
Os três legaram à nação
Feitos quase sobre-humanos.
Três gênios fazem cem anos
Nelson, Jorge e Gonzagão.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Um príncipe da Poesia


                                      ( A José Coriolano de Souza Lima)

Era um dia de festa na praça,
num envolvente ar de graça!
O preito ao Geraldo Mello Mourão
irmana-nos a um ipuerense cidadão.       

 E não mais que de repente,
afrontando toda aquela gente,
indaga-nos, num ímpeto novo:
- Cadê o Coriolano, meu povo?

 Notara um abandono injusto,
aonde antes havia um busto,
que mostra-se, flor despetalada
de uma memória abandonada!

 Uma cepa daqueles antigos Mourões,
irados nos descampados dos sertões
brigando à ferro, implacável teimosia,
isentou a estirpe no ritmo da poesia.

 Época de um romantismo intenso,
veia poética fluindo tal rio imenso
de um Gonçalves Dias a cantarolar,
e o telúrico Coriolano a acompanhar.

 Tempo de Castro Alves bradando nos ares
para que se fechem as portas dos mares
é o momento do poeta das águas do Poti
deixar seus primores, para mim e para ti.

 Crateús, uma singela vila, Príncipe Imperial
e nosso vate magistral, um lírico  cordial
com versos suaves, sem um traço brusco
a celebrar amores e endeusar o Touro Fusco.

 Chega-nos com tanta beleza, tanto sentimento
as imagens revestidas de fé e luz, que num alento
de êxtase sorvemos, inebriados e agradecidos
o consistente vinho tinto de Impressões e Gemidos.

 Raimundo Candido

José Alberto de Souza disse ...
Escreve-se para quê? Para o além?
Será que ainda precisam ser esquecidos
Para que sejam descobertos também
Entre tantos raros livros perdidos



                                               O CRONISTA           

Após escrever uma longa crônica, ele percebeu formigas andando pelas entrelinhas do texto.
 

Silas Falcão

 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O Triunfo do Talento


Francisco Sales de Macedo é morto. Crateús desfalca-se de um dos seus
mais talentosos filhos. Homens e mulheres reverenciem-no. Emudeçam-se
os cantares. Os sinos em dobres e langorosos. Profundo respeito por um
cidadão na expressão mais lidima. Como na morte de Geiuseppe
Verdi (1813-1901), atapetem-se as ruas para que o barulho dos coches
não perturbem a paz deste brilhante esculápio. Dr. Sales se fez o
filho mais legitimo de Crateús. São grandiosos os amantes da terra. Vá
Pensiero, o coro dos escravos hebreus, é um canto apaixonado a mia
pátria, tão bela me escuta. João Paulo II, sua Polônia, era o seu
mundo. Dom Pedro II não pediu a coroa de volta, no exílio tristonho,
suplicou um naco de pó do Brasil. Sales já medico veio como um
desbravador, não como um exilado. Arou o chão com a competência do seu
saber. Deitou suor úmido de sacrifício no solo morno de sua nova
pátria. Acendeu archotes de inteligência, abriu portas repartidas de
esperanças, envergou seu talento e seu carisma a serviço dos seus
novos irmãos. Encheu-se de coragem para fundar a medicina na nossa
terra. “Virtus crescit audendo”, a coragem cresce com a audácia. S.
Francisco de Sales dizia que o leito do paciente é um altar. O santo
nascido em 24 de janeiro bem próximo ao natalício do Dr. Sales é
doutor da Igreja. Sales, o físico, ungiu suas mãos de magia para
tecer vidas em frangalhos, para estancar dores, para soerguer
moribundos. Foi maior do que sua jornada. O medico in extremis.
Cabe-lhe melhor o termo latino, ‘DILIGO”, amar profundamente a sua
profissão. Ou mesmo ágape o amor sem medidas. Numa noite distante
chega no Santa Terezinha um homem com uma ferida só. Um lago de dor.
Uma cascata de sangue. Dr. Sales, sozinho, me chama para auxiliá-lo.
Era estudante. A maior alegria da minha vida. Varamos a madrugada. O
doente foi salvo. Somente pelo seu talento, pouco pela minha ajuda. Em
plena madrugada sai sozinho para casa rindo com as estrelas.
Conversando com réstia de luar. Inebriado. Transfigurado pela grandeza
de poder retorcer as esquinas da vida. Embriagado com arte de cuidar.
A cidade dormia. Ruas solitárias e vazias. Mas tarde, atendo o Sr.
Ezequiel. Eu medico. Dr. Sales na China. Seu pai teve de implantar um
marcapasso. Quando de volta Sales foi me agradecer. De novo o brilho
da madrugada. E feixes da noite luminosa se acenderam em mim. A
saudade buliu comigo. Ele nem mais se lembrava. Foi generoso. Foi
estóico. Na sua longa e dolorosa enfermidade, praticou a filosofia de
Zenão, estoicidade. O espírito vence a matéria. Estóico vem de stoa,
que significa pórtico. Na sua dor, Dr. Sales preferiu o espírito. Um
pórtico de arcada de generosidades, de arco de bondade e de colunata
de honestidade. Que hoje ele se agasalhe com os pórticos celestes.
Perde Crateús seu nobre filho, perde a medicina um notável
profissional, perdemos nós um grande amigo.

Saudades.


Fortaleza, agosto de 2012

José Maria Bonfim de Moraes- médico cardiologista.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

ALC na III Feira do Livro Infantil

Por estas horas (09:40) a acadêmica Maria da Conceição (Nega) está lançando seu livro: Terra Minha, Terra Sua, na III Feira do Livro Infantil de Fortaleza!

Veja programação de hoje:

Manhã

8h30min - Contação de histórias com Júlia Barros (CE), no palco principal.
9h20min - Contação de histórias/oficina para crianças, no espaço Baú de Leitura/Coelce.
9h20min - Contação de histórias/ oficina para crianças, no espaço Endesa Fortaleza Criança.
9h20min - Roda de Leitura, no espaço Agentes de Leitura.
9h20min - Contação de histórias com Cláudia Garcia (RJ), no espaço CCBNB.
9h30min - Lançamento do Livro Terra Minha, Terra Sua da escritora Maria da Conceição Martins (CE), Ilustrações de Miguel de Paula (CE), Academia de Letras de Crateús.
10h - Palestra para professores e Lançamento do Livro Um dia de cada vez, de Marta Martins (SC), Editora Cuca Fresca. 
12h - Lançamento dos Livros O preço da liberdade, de Rouxinol do Rinaré (CE) que será apresentado por alunos das escolas do Eusébio e Sete contos de Maria, do poeta Antônio Francisco (RN) que recitará seus poemas de cordel,  Editora IMEPH.

http://www.flivrofortaleza.com/#!vstc2=30-de-agosto/vstc0=programação

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Mandacaru

 
Punge,
turva
e não verte,
afixado ao chão.
 
 Cruciforme,
imbatível,
clemente alma
acesa na surdina.
 
 Suástica
de um verde sopro,
forma incrível,
arauto resistente.
 
 Vigília,
espinhos ao vento,
incensas  tuas flores,
matura o fruto doce.
 
 E a secular fome
de aguçado facão,
te degringola,
afeito farto pão.
 
 
Raimundo Candido
 


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Coriolano


José Coriolano de Souza Lima – o primeiro poeta crateuense a cantar as alvoradas iluminadas dos Sertões de Crateús. Estudou com o Poeta dos Escravos, Castro Alves, na Faculdade de Direito do Recife – Estamos lhe devendo uma estátua na Praça da Matriz! ( Os políticos, se lembrarão disso?)

 A Poesia

Quem é que veste de fragrantes flores
O verde campo que o matiz iria?
Quem é que pinta-o sem pincel e cores?
- A poesia!

Quem é que torna d’esmeralda os mares?
Quem é que a noite faz melhor que o dia?
Quem nos consola dos cruéis azares?
- A poesia!

Quem nos cantores que no ar passeiam
Nota primores, divinal magia,
Quando seus hinos matinais gorjeiam?
- A poesia!

Quem cisma e geme, se do frágil ramo
Viu a rolinha que a cismar gemia?
Quem ama os infelizes como eu amo?
- A poesia!

Quem descortina num olhar modesto,
Que o chão afaga quase todo um dia,
A maior prova de um amor honesto?
- A poesia!

Quem d’entre os lábios da consorte amante
Perscruta o sonho que o Senhor lhe envia
Co’o fido esposo – no sorrir tão crente?
- A poesia!

Quem sonda o seio de u’a mãe zelosa
E afetos nota que só ela cria?
Pois quem suspira, se ela está chorosa?
- A poesia!

Quem no sorriso da gentil criança
Descobre augúrios que ninguém sabia?
Quem vê sorrindo, lh’acenar a esp’rança?
- A poesia!

Quem neste peito me afervora o sangue?
Depois quem fá-lo estremecer que esfria?
Quem robustece-o, quem o torna exangue?
- A poesia!

E quem o mundo num balanço brando
Qual ama terna que o infante cria,
Meigo embalança como quê ninando?
- A poesia!

Harpa saudosa, que harmoniza o mundo,
Íris formoso que no céu radia,
Sentir sublime de um pensar profundo,
- És - poesia!
José Coriolano
Recife, 1856

Caro Raimundo Cândido

Ivens Mourão disse...
Caro Raimundo Cândido
Obrigado pela luta para recuperar o poeta José Coriolano.
Toda poesia dele é pura inspiração.
Somente um esclarecimento. Ele e Castro Alves estudaram na mesma Faculdade. Já estava formado quando Castro Alves foi aluno. Como ele era muito admirado pelos professores, acredito que o grande Castro Alves deve ter tido conhecimento das suas poesias, pois chegaram a ser publicadas em jornais do Recife. Por isso, imagino um estudo para saber se o Coriolano influenciou-o nas poesias abolicionistas.

Grande abraço

Ivens Mourão( Trineto)

domingo, 26 de agosto de 2012

Cabaré


              Um crepúsculo vespertino se despedia, impregnado de um aviso imperceptível, aspergindo um sofrimento silencioso, característica das tardes lacrimosas. O lúgubre entardecer ia, lentamente, se dissipando entre a neblina do álcool misturada com fumaça cinzenta de cigarros, tangido por uma emotiva música que sondava o vazio impreenchível dos pertinazes corações a suplicar as ilusões de amores efêmeros.  

E a noite desce no final da Rua Dr. João Tomé, como um manso presságio a ensombrar as alegrias, cumprir as tristezas, despertar os sonhos e ativar os remorsos.

A animação na Casa de Maroca já se clareava, desde os últimos raios do dia. 

 Na vitrola o LP de Roberto Muller entoa, harmonicamente, “Entre espumas” para deleite de um opulento comerciante, que chegara mais cedo para ter o prazer de beber, dançar e sonhar com Pretinha, uma jovem e circunspecta morena, de riso entristecido, mas bem contornada nas linhas femininas a provocar desejos dos frequentadores daquele singelo lupanar: “Uma noite sentou-se a minha mesa / E entre tragos lhe dei todo o meu amor/ Transcorreram só duas semanas / Como em sonho, minha vida se acabou...”

A moça estava apreensiva, pois seu “dono” poderia, a qualquer hora, chegar. Na mesa, as flores murchas de crepon, entre as garrafas de cerveja, filtrava uma tênue luz bordô. Se existe uma lei que determina que se algo pode dar errado, então dá, nasceu naquele fatídico dia. Um Jeep Willys risca na porta do Cabaré da Maroca. Desce um raivoso senhor, demonstrando avançada embriaguez e já apontar um revólver na mão. Espuma um ciúme que traduz o sentimento de uma ignorante e estúpida propriedade:

— Pretinha!!! Prepare-se, que hoje você vai morrer!

            A única reação da desprevenida rapariga foi agachar-se para se proteger, mas facilitou o desfecho do criminoso “proprietário” daquele frágil corpo humano que ficou estendido no chão, todos correram com medo das balas. Ninguém desligou a vitrola que continuou, harmonicamente, a tocar: “Se um amor nasceu de uma cerveja / Outra cerveja beberei para esquecer / Um amor que surge numa mesa / entre espumas terá que terminar”.

            É pré-histórica a arte deste amor dissimulado, do amor monetariamente fingido que cabe na cama e no colchão de amar, onde um corpo se estende com outro corpo, mas as almas, não. Os “especialistas” dizem que nos envolvemos com as meretrizes porque queremos uma mulher submissa, obediente, descartável e sem conflitos. Não parei para pensar nisso, ainda!

            No final da feira-livre reside o Senhor João Furtado Ribeiro, um idoso e brincalhão duende que, enquanto aguarda o encantamento final, vigia o portal de entrada dos antigos cabarés, a inicia-se no quarteirão da Rua Azul. Entre um trago e outro de uma forte aguardente, ele relembra: Fui motorista de praça e num fim de semana eu não parava um instante de trazer os fregueses para a Raimunda da Justina, a Maroca, a Naninha, a Alayde ou para a Casa de Diversão da Nair. Por aqui, numa temporada boa, chegava-se a ver centenas e centenas de mulheres para abastecer toda a região. A mais famosa delas foi a morena Cícera, na casa de Raimunda da Justina, todos queriam estar com ela. Triste era quando a polícia chegava, sempre às dez horas da noite, mandando todo mundo pra casa e trancavam até as portas dos terreiros de macumba. Certo dia, os policiais mataram um valente soldadinho do batalhão, afoito para brigar que nem lampião. Neste dia o cabaré se transformou num inferno, o 4º Bec sitiou tudo, ninguém saía, ninguém entrava.

            Enquanto nos bordéis de Roma, no desabrochar da Floralia, as mulheres dançavam com seus vestidos floridos, em homenagem a deusa Afrodite para principiar o sagrado festival de abril, na Raimunda da Justina o mais puro pé de serra troava com a sanfona, o triângulo e zabumba do sanfoneiro Vicente Pedro, fazendo com que muitos pés de valsas, exímios dançarinos, antecipassem o ritmo quente das lambadas nos animadíssimos cabarés dos Sertões de Crateús. 

            Há um hino chamado “Rancho de Amor a Ilha” que canta as belezas sem par de Florianópolis: "Um pedacinho de terra, perdido no mar!... Ilha da moça faceira, ternura de rosa, poema ao luar...” por lá, Ilha do Amor, um poeta matuto admirou-se de tantos bordéis, de tantas belíssimas gurias que aguardavam, calmamente, seus fregueses na noite de luar... E bateu uma imensa saudade do final da Rua João Tomé, com seus cabarés bucólicos, repletos de putas tristes...  

            Mas só é triste porque o amor humano sempre se reduziu a uma torpe luta de células, num asco prazer, através da matilha espantada dos instintos e que, em torpor, a poesia recebia a resposta sincera e honesta de uma bela meretriz: “Quanto a esse tal de amor / Guarde-o à alguém que o mereça / Ou jogue-o fora: esqueça, / Só nunca mais me ofereça / Algo que não me presta / Algo que eu nunca quis.”

 Raimundo Candido
José Alberto de Souza disse...
Anisio Silva, Cláudia Barroso e outras vozes do amor clandestino, quanto não alimentaram as ilusões de insensatos na penumbra das amarguras!

sábado, 25 de agosto de 2012

IMORTAL É A MENSAGEM!

Pitágoras proclamou: “Todas as Coisas são Números”. Os que se embrenham pelas florestas numéricas costumam sentir a mesma sensação dos bandeirantes: perscrutam, desbravam, descobrem e se extasiam com a novidade!

Também creio na numerologia! E foi com essa crença nos números que acolhi a incumbência, que é sempre uma deferência, emanada do nosso Presidente Seridião Correia Montenegro para lhes proferir estas singelas frases de efusão. É a nossa festa de aniversário e a mim me cabe saudar os neófitos.

Mirei no calendário nossa data de fundação: 25 de junho. Ano 2005. Se abstrairmos os dois zeros de 2005 também chegaremos a 25. Somando, 2+5 é igual a 7. Sete é o cabalístico número da perfeição. 

Aristóteles dizia que todas as coisas deviam sua existência à imitação ou à representação dos números.

Os pitagóricos também assentaram que é a masculinidade um número ímpar e a feminilidade um número par. Assim, a nossa Academia, sacramentada no altar matrimonial entre o dois e o cinco, nasceu sob o signo da pluralidade feita expressão singular, da unidade fiada na diversidade. 

A ciranda constitutiva da AMLEF exibe uma inaudita sintonia entre a construção rebuscada da erudição e a mais genuína inspiração popular. Em nossos convescotes literários têm desfilado, com igual relevo, a sílaba portentosa e o fonema singelo. 

Os córregos que deságuam neste Sodalício transportam tanto a água quimicamente impecável como a potável água das fontes cristalinas. 

E os que se abancam entre nós nesta noite memorável reforçam essa excelsa tradição. São pessoas oriundas de manjedouras distintas, porém trazem na alma as pilastras da essencialidade humanística da cidadania militante, que mesclam literatura e amor à livre criatura. Saramago já dizia que aonde vai o escritor vai também o cidadão.
É com fraternal prazer que anuncio: os cidadãos José Hilton Lima Verde Montenegro e Antônio Tarcísio Carneiro passam a compor a moldura de Acadêmicos Correspondentes da AMLEF. 

Da terra de Eleazar de Carvalho, Evaldo Gouveia e Humberto Teixeira, o engenheiro mecânico José Hilton, que também perambula pelos campos da filosofia e das letras, resolveu perscrutar a engenhosa mecânica da História. Produziu obras memoráveis. 

Antonio Tarcisio Carneiro é músico, compositor, poeta popular, cantor, contista e dramaturgo. Marinheiro de profissão, nunca olvidou os tórridos rincões de Santana do Acaraú. Por transpiração virou o Carneiro do Sertão. Mansamente se achegou ao nosso convívio. Hoje mansamente correspondemos seu afeto.

No nosso pórtico de honra, na categoria de Acadêmico Honorário, inscrevemos com reverente dignidade os nomes de José Augusto Bezerra, José Lins de Albuquerque e Francisco Eloy Bruno Alves.

Como o próprio nome consigna, o primeiro José tem a sensibilidade do carpinteiro de Nazaré e a augusta solenidade de um imperador romano. O mestre José Augusto Bezerra exibe talento multifacetário: escritura e empresaria, cultiva a bibliofilia e irradia filantropia. Agraciado com a Sereia de Ouro, pertence às mais destacadas Academias Cearenses, inclusive a mais antiga do Brasil. Meu destino eu mesmo traço: a fraternidade me deu régua e compasso – pode ele afirmar parodiando Gilberto Gil. 

Na pessoa do poeta Juarez Leitão, saúdo o meu conterrâneo José Lins de Albuquerque, um ser constelado que conserva a invariável expertise de bafejar com o incenso da competência os espaços por onde passa, poliu a mente e a alma nas montanhas das Minas Gerais. Certamente nas Alterosas apurou a visão aguçada, sedimentou o estilo sóbrio, fiou o jeito silencioso e disciplinou-se no rigor técnico. Pai de oito filhos, com 22 netos e dois bisnetos, o nonagenário, porém adolescente engenheiro, professor, poeta, contista e memorialista mergulhou nas águas plácidas da aposentadoria com a dignidade de um varão de Plutarco, dedicando-se ao culto da família e às delícias do espírito, escrevendo Contos Verdadeiros e Versos de Muito Amor & Outras Poesias.

A primeira reunião desta Arcádia em que me fiz presente ocorreu na Parangaba. Qual não foi minha surpresa quando surgiu ali a figura de um padre: Francisco Eloy Bruno Alves, hoje monsenhor da Igreja Ortodoxa. Àquela época profetizou, fazendo uso de uma parábola evangélica, que esta Academia se assemelhava ao grão de mostarda: embora a menor das sementes, lançada em solo fértil, cresce e se torna a maior de todas as hortaliças. E este vôo imaginativo parece que, agora, ganha contornos de realidade. Após enfrentar problemas de saúde, Padre Eloy retorna à AMLEF.

Exibirá o Diploma de Acadêmico Emérito o jornalista Francisco Lima Freitas. Patrono do municipalismo no campo das letras, Lima Freitas preside o mais representativo sodalício de letras da Terra da Luz, a ALMECE (Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará). É um apóstolo da cultura, um missionário das letras, semeador de livros e um peregrino incansável da causa literária.

Para abrilhantar nossa bancada de Acadêmicos Efetivos oficializamos o ingresso do Padre Francisco Geovane Saraiva Costa, cadeira nº 8, Patrono Olavo Oliveira; da professora Michelly Barros Andrade Sousa, cadeira nº 15, Patrona Natércia Campos; e do doutor Francisco Régis Frota Araújo, cadeira nº 31, Patrono Antônio Bezerra de Menezes.

O Padre Geovane, que atualmente pastoreia em Fortaleza, aprendeu com dom Helder Câmara, nascido para as coisas maiores, a ser um peregrino da paz. Trabalhador incansável na messe do Senhor, o pároco da Parquelândia é também articulista, cronista e biógrafo. Adentra o nosso círculo para nos ensinar que o ódio e a paz, o simbólico e o diabólico, o céu e o inferno não são instituições alienígenas, mas forças que se debatem no universo do nosso ser. Padre Geovane bafejará este Sodalício com os fluidos da espiritualidade a fim de que nos voltemos, sempre, para os pensamentos superiores.

A professora Michelly Barros é uma heroína popular que seduziu o nosso Silogeu antes da admissão. Sua história de vida é um enredo épico. Muito mais que isso: uma indelével lição existencial. Um culto de amor à luta pela sobrevivência. Um hino à superação. Por mais de 17 anos erigiu sua trincheira nos morros de areia branca e vegetação abundante do Conjunto Santa Terezinha. Da pobreza extraiu beleza. Graduou-se pela UFC e abraçou a causa do magistério. Escritora e compositora, exalta a rica e autentica linguagem regionalista do matuto cearense. Nenhuma porta lhe foi aberta. Ela as abriu. Inclusive as desta Academia. Seu diploma foi confeccionado por uma matéria chamada merecimento. Parabéns, Michelly Barros Andrade Sousa! 

“Instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social” – eis uma parte do Preâmbulo da Constituição Brasileira, a nossa Magna Carta, o principal e um dos mais belos documentos do nosso ordenamento. A terceira cadeira será ocupada por um intelectual irrequieto, amante do direito constitucional, que já percorreu meio mundo estudando essa temática. O professor Francisco Régis Frota Araújo, mestre pela UFC, doutor pela Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, Presidente da Associação Ibero-Americana de Direito Constitucional Econômico, cujas produções técnico-jurídicas aliam rigor científico e brilhantismo literário, nos honrará com sua distinta companhia. 

Portanto, tomai assento entre nós, humanos livres e de saudáveis costumes! 

Aqui sentireis a camaradagem que contagia um modesto sodalício de destemidos militantes em defesa dos direitos da inteligência, que presta reverência aos ditames do Espírito, que busca cumprir os deveres do coração!

Vamos formar um pelotão de mãos conjuncionais. 

Vamos erigir um monumento ao belo, ao sagrado, ao essencial! 

Publiquemos, juntos, o édito da paz! 

A missão primeira de quem se entrega à tarefa de cunhar as sílabas oníricas é proclamar a civilização da claridade e o império do amor. Deixemos que esta Casa nos transforme em indeléveis centelhas da alegria, eternos operários das estrelas, perenes súditos da aurora! 

Rotulam-nos de imortais. Não o somos. Imortal é a mensagem daquele que consegue encravar sua escritura no solene pergaminho estampado no átrio do sonho humano. 
Para fazê-lo, precisamos emprestar as nossas mãos às invisíveis mãos do Insondável, algo que só é possível quando nos abrimos à iluminação. Por isso o espaço em que vos acolhemos chama-se Palácio da Luz! Assim, vos desejamos êxito no cumprimento deste múnus fulgurante! 

Fiat Lux! 

Viva a AMLEF!

(Discurso proferido por Júnior Bonfim na sessão de ontem da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza – AMLEF – no Palácio da Luz, Fortaleza, Ceará)

Raimundo Candido disse...

Um iluminado, que se irradia em verso e prosa, mas toda essa luz teve a chispa primeira nas brenhas dos Sertão de Crateús e no bucólico Curral Velho! Parabéns Junior Bonfim, um orgulho dos crateuenses!

                                         

                                                           A MÃE
           Olharam-se várias vezes. Em casa, ela gritou: “Era o meu filho!”.

Silas Falcão

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Botequim


              Era um prédio antigo que ficava na esquina da Rua Cel Zezé com a Rua Poeta José Coriolano de Souza Lima, no coração da cidade. O amarelo desbotado das paredes indicava um evidente desamparo e nas entradas laterais, escancaradamente encardidas, via-se o desleixo de cada oitão. Logo cedo, o desembaraçado Teófilo abre as portas do recinto. Alguns fregueses, sequiosos, já o aguardavam para reiniciar mais um dia de rojão etílico, e como nos aconselha o francês Baudelaire, bebamos para não sentir o terrível fardo do tempo que nos quebra os ombros e nos curva ao chão.
              De início, é só pinga-pinga de desocupados cidadãos. Alguém toma um trago fiado, soltam uma conversa mole de quem não infunde a mínima fé, e prossegue no descuido da vida. Os pinguços inveterados esticam o olhar rumo à porta, na esperança de que um (des)conhecido se apiede de seus nervos em frangalhos e lhes pague um trago.
                Na hora do Rush, enquanto os passos da humanidade giram para destrocar uma carcomida fome, um dos eixos móbeis do mundo, alguns agem como autômatos cumprindo uma penosa rotina, e se dirigem aos bares para aplacar a sede que os consomem.
               Enquanto Teófilo disputa uma porrinha de palitos fósforo com o Prof. Praxedes ( peculiar avis rara social ) e despacha outra cerveja a um velho freguês no balcão, um impaciente doutor pede um whisky na mesa. Já está habituado ao intenso movimento sem demonstrar a mínima aperreação.  Ouve-se um reclame, em estridentes berros que vem de uma sala reservada, lá atrás. São os funcionários da Coletoria Estadual que mastigam um litro de aguardente com um indigesto tira-gosto: — Oh, Teófilo, a panela de buchada até que está boa, mas este cheirinho de rato é que estraga tudo! E botequeiro se justifica:
               — Desculpem pessoal! Coloquei umas vitaminas para os ratos. Mas não se assustem, pois acho que dentro da panela, não caiu nenhum rato morto, não!
              Uma questão complicada nos bares é na hora de pagar o que se deve, é só falar em acertar uma conta que se estampa a alegria nos olhos dos donos dos botequins. Alguém pede para somar o débito, que já vem se acumulado há dias... A amnésia de bêbado é coisa notória e trivial: — Eu não bebi essas cervejas todas, Teófilo!  Mas um brincalhão, ali por perto, sempre tira um sarro da dúvida alcoólica:  — Ora, ora...a cerveja estava aí, geladinha, só esperando. Se você passou em frente ao bar e não entrou para beber... O Teófilo anotou!
               Alguns quarteirões dali, esquina da Rua da Pimenta, Elias Vieira, outro barmen show, atende com distinção e gracejos aos seus fregueses. Sempre que abre uma cerveja, dá umas embaixadinhas com a tampa da garrafa, demonstrando o talento e arte que lhe sobraram dos salões de dança, era um carrapeta. Uma vitrola solta a voz de antigos seresteiros para o deleite dos ébrios que regam a saudade do que nunca tiveram ou nunca terão.
              Um pé de valsa, já meio zonzo, cantarola a canção que só se efetua na veludosa voz do cantor Jessé, a grande atração da Boate do Louro da Cruz, logo mais: “Rimas de ventos e velas / vidas que vem e que vai / a solidão que fica e entra / me arremessando contra o cais”, e recordo-me dos colegas, barcos ébrios, que tentarão encher o tanque no botequim do Valmir, antes de ir ao show do Louro. Espero que Juracy, não engorde o olho mais uma vez e faça a polícia fechar o pobre Bar do Valmir, aonde temos direito a uma cuspidela ao pé do balcão.
              São diversos os pontos onde a população etilista ingere uma abrideira, o primeiro trago, passando pela saideira, a tangedeira até chegar a irremediável caideira. Na bodega do Luiz do Emídio, última estação da Frei Vidal, pode-se entrar, abrir a geladeira, escolher a loura mais gelada e apreciá-la sentado sobre o balcão.  Liberdade assim, nem na nossa casa. Já no Bar do Tio Onésio, sócio do Lourinho, é um clube de elite, embora esteja situado no Beco da cachaça, o pinguço de lá mostra um pedigree até nas feições do rosto, que o diga o bancário Júlio Menezes.
                Das classes de bêbados a mais desregrada é a dos poetas. Um deles ousou dizer: “O álcool é como o amor. O primeiro beijo é mágico, o segundo é íntimo, o terceiro é rotina. Depois dele, você tira as roupas da moça” E de todos os poetas embriagados, o Velho Safado chamado Charles Bukowski bateu todos os recordes, era como se tivesse um carimbo na testa: Eternamente Ébrio!
              Por aqui, na terra da puríssima ou desdobrada Lagoa do Barro, um poeta tentou passar de consumidor a produtor de aguardente, mas as circunstâncias providenciais lhes tiraram as duas possibilidades e ele foi ser poeta-compositor-construtor. Nunca devemos lamentar que um poeta torne-se um bebedor, devemos lamentar sim, que nem todos os bebedores sejam poetas.
               Um dos mais antigos barman que se tem notícia no mundo chamava-se Eubulo, em 375 a.C. na antiga Grécia. Ele descreveu, com detalhes, como se conduz eficazmente um bar: As três primeiras taças de bebida são para os comedidos, a primeira é para saúde, a segunda para o amor e o prazer e a terceira para o sono. Devemos avisar aos consumidores que já basta e os persuadimo-los a ir para casa. Se insistirem em ficar, é exclusiva por conta e risco. Só avisamos, amigavelmente que a quarta dose pertence à violência, a quinta ao tumulto, a sexta, à folia, a sétima, aos olhos roxos, a oitava ao policial, a nona, à bílis e a décima dose à loucura e ao desespero. Sábio Eubulo!
               Depois que a Presidente(a) Dilma Rousseff presenteou o poderosíssimo Barack Obama com um litro de cana, de edição limitadíssima, no valor unitário de R$ 212. 000, 00, cheguei a conclusão, pelo bocado que bebi (Mais que um bocado!), de que já ingeri um rio de dinheiro.
                Para quem bem sabe, até a história do Brasil foi escrita sobre os tonéis de cachaças. Os irmãos portugueses quando caíram na besteira de proibir a nossa branquinha pela desgostosa bagaceira deles, transformaram a cachaça no símbolo de resistência ao Império Lusitano e vencemos, de copo na mão, mais uma guerra.
               Há quem diga que a nossa aguardente, a malvada, o mé, o engasga-gato, a água que passarinho não bebe, serve até de remédio: cura gripes, elimina os vermes, debela frieiras, espanta as tristezas e outras mazelas... Eu acredito! E despeço-me desta mesa de bar com mais um dito do velho vate bebedor Baudelaire: “ É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos!” Até e deixo, para não perder o costume, a conta dependurada no prego mais alto da prateleira.

Raimundo Candido
Silas Falcão disse...
Poeta Raimundinho, você me (re) conduzia aos bares da juventude. Com os amigos ou meu pai, tomei todas no bar do Teófilo. Seu Eliás, que tinha um filho que o chamávamos de Jerry Adrianne, foi outro bar da minha boêmia. Tinha também o Zé Artur, no bairro dos Venâncio. Bela crônica.

José Alberto de Souza disse...


ExcluirPara o santo, o primeiro gole derramo no chão e os outros vou distribuindo sem distinção. Agradeço esta alma caridosa que me pagar a conta.