terça-feira, 28 de dezembro de 2010

UM SARAU DE POESIA NO SERTÃO: SERÁ POSSÍVEL?



Por Elias de França



Um dia desses, um amigo me surpreendeu com uma informação inusitada: de que ouvira no rádio que eu seria homenageado num sarau em uma comunidade rural de um município vizinho.
A surpresa advinha de dois motivos: um deles, o gênero do evento: sarau, nome dado às rodas de declamação de poesia. Ao longo dos meus mais de 40 anos nesses Sertões, foi a primeira vez que me ocorreu saber de acontecimento desse tipo, pelo menos com amplitude publicada nos meios de comunicação locais. Na infância, era comum ouvir convite enterro, convite festa - no caso forrós, tocados por sanfoneiros da região, convite dança de São Gonçalo, reisados, cantorias de viola, festejos de santo padroeiro, novenas de Nossa Senhora de Fátima, vaquejadas, derrubadas de Judas... Mas nas últimas décadas, as alternativas de eventos se apresentam cada vez mais escassas, quase se resumindo às festas, agora tocadas por megabandas e anunciadas com meses de antecedência.
O outro motivo de estranheza era que eu não havia sido contactado a respeito, mistério esse que foi esclarecido dia seguinte, quando recebi em casa a diretora da Instituição promovente, Gracinha Ferro e o seu coordenador pedagógico, Francisco Antonio. De fato, tratava-se do I Sarau 2010, de realização da Escola de Ensino Fundamental 03 de dezembro, no Assentamento Vitória, na Zona Rural do Município de Ararendá, Região Centro-Oeste do Ceará.
No dia marcado, tomei a estrada, percorri algumas dezenas de quilômetros em asfalto, depois me embrenhei numa trilha estreita, de terreno arenoso, repleta de poças d’água, devido às chuvas da noite anterior, até avistar um caminho de luzes sequenciadas, que me permitiram concluir ser aquele o lugar. Estacionei junto ao muro da Escola, numa das poucas vagas restantes, dado o bom numero de picapes tipo pau-de-arara, microônibus, motos e bicicletas. Segui, enfim, entre boa gente que rondava a escola e ao adentrar o pátio do prédio está lá armado um palco, com estrutura de som montada, alem de uma passarela em forma de T, dessas onde se costumam realizar desfiles. A estrutura e o número de pessoas a prestigiar o acontecimento não deixava a desejar em relação às grandes festas realizadas nas comunidades.
Convidado a sentar em um bloco de cadeiras chamado pelos organizadores de “tribuna de honra”, juntamente com diversas autoridades municipais e regionais, pusemo-nos a contemplar o decorrer do evento. O mestre de cerimonial, vestido a caráter, passa então a anunciar as apresentações, já desde os cumprimentos iniciais, através de bem elaborado script, amplamente fundamentado, todo intercalado de citações de escritores, poetas e pensadores de todos os níveis e estilos. Os declamadores eram os próprios alunos da escola, desde a educação infantil até as séries finais. Todos, desde a menor criança até o mais adulto, demonstrando grande esforço, explicitado no cuidado de haverem memorizado todas as falas, inclusive, as informações biográficas dos autores escolhidos. As declamações dos poemas sempre eram precedidas das apresentações dos respectivos autores, enquanto uma criança desfilava a mostrar sua imagem física ampliada, traçada em grafite por retratista.
O verso soou noite a dentro por uma, duas horas, e nossas atenções ali a flechar aquele elevado. Não se viam abrimentos de boca, gestos de impaciência, ou esvaziamento de nenhum dos tantos sertanejos que ali se encontravam, a despeito de costumarem dormir e acordar cedo. Já pelas dez da noite, após o decurso da ultima apresentação, a palavra é facultada e me inscrevo. Pergunto-lhes que lugar seria aquele; digo que precisaria voltar ali, em um dia comum, para tentar sentir as dificuldades tantas que aquela gente deve ter, sejam necessidades de existência material, sejam demandas artístico-culturais, pois do contrario eu iria sair dali pensando que havia estado no paraíso da cidadania.
De meu trabalho, como um dos homenageados, o único presente em pessoa e um dos poucos ainda vivos, não tinha quase a dizer, posto que tanto já havia sido dito, boa parte pelo próprio fato. Ao fim, como se tamanha honra não bastasse, como se meu peito já não transbordasse, como se não estivéssemos repletos da poesia cantada por aqueles meninos e meninas, ainda ganhei minha caricatura de presente e tomei o caminho de volta, tecendo e desfiando reflexões.
Percorrendo aquelas trilhas, vou recobrando em mente o poder da educação, sua capacidade de produzir nos homens e mulheres, por eles mesmos, e por que não nas crianças, grandeza humana, intelectual e cultural; o poder do educador de fazer escolhas, conduzir pedagogicamente o processo de apropriação e interiorização dos domínios externos, distantes, abstratos, aparentemente inalcançáveis. Pois, quem haveria de imaginar que as letras de Cecília Meireles, Ruth Rocha, Eva Furnari, José Paulo Paes, Manoel Bandeira, Drummond, Vinícius... qual sementinhas trazidas de terras além viessem encontrar adubo no meio da Caatinga e vicejar em parelha com as nossas humildes invenções, com os nossos deuses sagrados como Patativa e Rachel de Queiroz?
E a passarela, não houve desfile? Houve sim. Foram eleitas as garotas poesia. Elas desfilaram com faixas contendo os nomes dos autores, aos efeitos sonoros de um DJ (Dijei, não sei se é assim que se escreve). Ao fim foram convidadas a responder por que ostentavam os nomes daqueles escritores, advertidas pelo mestre de cerimônia de que a beleza física é precária caso não se conjugue a beleza intelectual, cultural e espiritual.
Se aprendemos com Belchior, que “Nordeste é uma ficção, nordeste nunca houve” e que não somos “... do lugar dos esquecidos, da nação dos condenados, do sertão dos ofendidos”, Os meninos e meninas do Assentamento Vitoria bem que poderiam cantar com o mesmo autor “conheço o meu lugar” e por se desafiarem para dizerem que sabedores de sua sina de terra esquecida, tórrida e distante dos grandes centros urbanos, podem transformar a si próprios e a seu lugar num mundo melhor para se viver.





Teddy Williams disse...
Parabéns a todos por esse evento. Que outras comunidades realizem ações parecidas como essa e que possamos, juntos, criar uma Grande Ciranda Cultural divulgando atividades sócioculturais que acontecem nos sertões.Parabéns Elias de França, pelo texto e por sua vasta contribuição.Abraços!Teddy WilliamsCiranda das Coisas do Coração.
Quarta-feira, 29 Dezembro, 2010

Meh'ssias disse...
Realmente... um importante evento! PARABÉNS A TOD@S QUE ORGANIZARAM. Muito bom saber que existem lugares e comunidades que organizam prestigiam um evento como esse! PARABÉNS ELIAS! PARABÉNS Á ESCOLA QUE PROMOVEU ESTA ATIVIDADE!!!
Quinta-feira, 30 Dezembro, 2010

2 comentários:

  1. Parabéns a todos por esse evento. Que outras comunidades realizem ações parecidas como essa e que possamos, juntos, criar uma Grande Ciranda Cultural divulgando atividades sócioculturais que acontecem nos sertões.

    Parabéns Elias de França, pelo texto e por sua vasta contribuição.

    Abraços!

    Teddy Williams
    Ciranda das Coisas do Coração.

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  2. Realmente... um importante evento! PARABÉNS A TOD@S QUE ORGANIZARAM. Muito bom saber que existem lugares e comunidades que organizam prestigiam um evento como esse! PARABÉNS ELIAS! PARABÉNS Á ESCOLA QUE PROMOVEU ESTA ATIVIDADE!!!

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