terça-feira, 14 de junho de 2011

DOIS ANOS DE ACADEMIA

Uma biblioteca, uma residência e um jardim. Pela tradição, o jardim teria pertencido a Academus - herói ateniense da guerra de Tróia (século XII a.C.), e por isso o espaço era chamado de academia.

Nessa escola, localizada nas proximidades de Atenas, na Grécia, o filósofo Platão fundou, ao redor do ano 387 a. C., a primeira Academia. Nessa ambiência filosófico-cultural, altar de louvor às musas, onde se ministrava um ensino informal calcado em diálogos entre os mestres e os discípulos, o filósofo pretendia compilar contribuições de diversos campos do saber como a filosofia, a matemática, a música, a astronomia e a legislação. Seus jovens seguidores dariam continuidade a este trabalho que viria a se constituir num dos capítulos importantes da história do saber ocidental.

E as Academias, como flores de jitiranas sob o sol de maio, desabrocharam sem pedir permissão. Na formosa e elegante França um cardeal de nome Richelieu levou à prancheta, em 1635, o desenho de um grêmio literário disposto em quarenta cadeiras com a principal finalidade de tornar a língua francesa “pura, eloqüente, e capaz de tratar das artes e ciências”. Esse modelo serviu de fonte inspiradora para as Academias Brasileiras.

Em nosso torrão natal, esse estalo para constituirmos nossa Arcádia me veio em 2007. Nesta Gazeta escrevi uma crônica em que lancei o desafio: ‘Nossa terra, sacudida por gigantescas adversidades, estonteada por tantas frustrações políticas, castigada por intempéries, na contramão das opressões econômicas, à margem do fulgor capitalista também assiste florescer talentos de toda sorte, humildes e valorosos atletas da criatividade, que correm as pistas olímpicas das artes com as tochas da inteligência e do saber. Por isso, fundemos a Academia. Juntemos, numa mesma Catedral de Cultura, os escritores de todos os sons, os poetas de todos os sonhos, os que batizam os seres e que nomeiam todas as coisas’.

Conversei inicialmente com o Dideus Sales, Lourival Veras, Edílson Macedo e Elias de França. Fizemos a primeira reunião. Outros nomes foram listados. E a semente germinou. Em 13 de junho de 2009, nas dependências do Teatro Rosa Moraes, foi formalmente instalada. Para presidi-la escolhemos consensualmente Elias de França. No seu primeiro biênio, praticamente o piano da entidade foi carregado por dois casais: Elias e Adriana, Lourival e Karla. No entanto, o resultado é extremamente alentador: a Academia é uma realidade viva e pulsante na cidade. Todos ressaltam sua relevância na militância cultural da urbe.

A página na internet (www.academiadeletrasdecrateus.blogspot.com) é constantemente atualizada pelos acadêmicos (os mais ativos são Ísis Celiane e Raimundo Cândido) e as visitas do público são freqüentes. Mais de dez obras já foram publicadas. Alguns dos nossos integrantes foram premiados em certames estaduais e até nacionais (destaque-se Elias de França, Lourival Veras, Lucas Evangelista e Raimundo Cândido). A participação nos mais diversos eventos culturais é outro diferencial.

É óbvio que nem tudo são flores. Algumas inquietações foram externadas na última avaliação, como a ausência de maior sentimento gregário e a concentração de trabalho em poucos ombros. Ponderei que essa realidade é comum a outras agremiações congêneres. E parece que o dado é histórico.     

Lembro das palavras – pasmem quão atuais! – de Joaquim Nabuco na fundação da Academia Brasileira de Letras: “Não temos de que nos afligir: todas as Academias nasceram assim. Que era a Academia Francesa quando a Richelieu ocorreu insuflar-lhe o seu gênio, associá-la à sua missão? Era uma reunião de sete ou oito homens de espírito em Paris. E as Academias, as Arcádias todas do século passador? Qualquer pretexto é bom para nascer... Não se deve inquirir das origens. Quando a vida aparece, é que o inconsciente tomou parte na concepção, e com a vida vem a responsabilidade, que enobrece as origens as mais duvidosas. Quem nos lançará em rosto o nosso nascimento, se fizermos alguma coisa; se justificarmos a nossa existência; criando para nós mesmos uma função necessária e desempenhando-a? Acaso tem o ator que provar ao público o seu direito de existir? Não basta a emoção que desprende de si e faz passar por todos nós? E o pintor, o escultor, o poeta? Não basta a obra?”

Por isso, confrades e confreiras, exultemos!

A ALC nasceu e saudavelmente está em fase de crescimento. Consciente de sua excelsa missão, que Machado de Assis tão bem precisou: “A Academia, trabalhando pelo conhecimento [...], buscará ser, com o tempo, a guarda da nossa língua. Caber-lhe-á então defendê-la daquilo que não venha das fontes legítimas, - o povo e os escritores, - não confundindo a moda, que perece, com o moderno, que vivifica.”

Salve a Academia! Que continue a prodigalizar a cidade com os benefícios das causas do espírito, com a aspersão do óleo do pensamento, com a meditação fecunda, com o farol da plenitude do viver.

Afinal, a vida plena é possível. Pode ser encontrada em um espaço modesto onde se conjugue uma biblioteca, uma residência e um jardim. 


(Júnior Bonfim na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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