sexta-feira, 2 de setembro de 2011

JOSÉ LINS DE ALBUQUERQUE



A retina da História se rejuvenesce com o andar do tempo: quanto mais distante dos fatos, mais nítido se torna o papel de determinados protagonistas. A imagem de algumas figuras, às vezes, permanece por longos períodos sob a distorção da caricatura ou da rotulação ideológica, envolta no véu da fantasia ou distinguida pela etiqueta coletiva da mitologia.  

O jornalista Laurentino Gomes se dedicou ultimamente à confecção de uma trilogia em que explica as bases do Brasil atual a partir da chegada da Família Real, do processo de Independência e da proclamação da República. No livro 1822, ele revela a verdadeira imagem de José Bonifácio de Andrada e Silva. Diferentemente daquele cidadão carrancudo que conheci na escola primária, José Bonifácio foi um dos homens mais cultos do seu tempo. Boa praça, era uma figura sedutora, amante da sabedoria, que exalava poesia e apreciava a alegria. Sob o impulso de convicções grandiosas, rabiscou uma agenda avançadíssima para o seu tempo. “Defendia o fim do tráfico negreiro e a abolição da escravatura, reforma agrária pela distribuição de terras improdutivas e o estímulo à agricultura familiar, tolerância política e religiosa, educação para todos, proteção das florestas e tratamento respeitoso aos índios”.

Neste ano em que a cidade de Crateús acende a vela comemorativa do centenário, há um movimento espontâneo de semeadores das palavras no sentido de reposicionar ou trazer às luzes da ribalta o verdadeiro papel de alguns dos nossos conterrâneos. Trata-se de uma inflexão vital, sem lamentar perdidas ilusões, mas na clara certeza de que o ideal que sempre nos acalentou pode renascer em outros corações.

Nessa honrosa galeria há que se inserir o nome de José Lins de Albuquerque, um ser constelado que conserva a invariável expertise de bafejar com o incenso da competência os espaços por onde passa.

Nasceu aos 06 de agosto de 1920, nove anos após Crateús ter sido elevada à categoria de cidade. Como outros ícones da messe pública brasileira, poliu a mente e a alma nas montanhas das Minas Gerais. Certamente nas Alterosas apurou a visão aguçada, sedimentou o estilo sóbrio, fiou o jeito silencioso e disciplinou-se no rigor técnico. De Ouro Preto saiu como um diamante lapidado. Atuou, no final dos anos quarenta, como Engenheiro da Companhia de Força e Luz de Minas Gerais, em Belo Horizonte.

No entanto, excelsas missões o aguardavam no Ceará. Aqui retorna para acionar com todo vigor o dínamo humanista. Falava com desenvoltura o Esperanto - ‘aquele que tem esperança’ - a língua planejada mais vastamente falada e bem sucedida do mundo. (Criada pelo polonês Zamenhof, tem 28 letras, morfologia aglutinante e é articulada atualmente por mais de três milhões de pessoas). Esperantista fervoroso, José Lins funda o Ceará Esperanto-Klubo, que em menos de um ano já possuía quase uma centena de sócios efetivos e mais de uma centena de sócios contribuintes. Tempos depois, assumiria a Presidência da Liga Brasileira de Esperanto.

Em 1952, a irresistível linguagem do amor o arrebatou pelas mãos de Maria Nise Studart Lins. (O casal viveu em comunhão espiritual e cumplicidade amorosa até a partida dela para a Casa do Pai em 2010).  

Embalado pela excelência do lavor, desenvolvido como diretor da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Ceará, cunhou um dos mais portentosos fólios curriculares contemporâneos: secretário de Viação e Obras, Minas e Energia do Ceará, entre 1963 e 1965, e no governo seguinte, Secretário de Planejamento do Estado. Em 1968, superintendente da Superintendência do Desenvolvimento do Maranhão (SUDEMA); em 1969, diretor-geral do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS). De 1974 a 1978, superintendente da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE – quando viabilizou a construção do Açude Realejo, a maior obra hídrica da época. Senador da República de 1979 a 1986 e Deputado Federal Constituinte de 1987 a 1991. Homem de posições equilibradas, no Congresso Nacional teve atuação destacada. Foi um dos articuladores do Centro Democrático (Centrão), tendo sido escolhido para relator do anteprojeto de constituição elaborado por esse grupo.

Pai de oito filhos, com 22 netos e dois bisnetos, o nonagenário engenheiro, professor, poeta, contista e memorialista mergulhou nas águas plácidas da aposentadoria com a dignidade de um varão romano, dedicando-se ao culto da família e às delícias do espírito, escrevendo Contos Verdadeiros e Versos de Muito Amor & Outras Poesias.  

No momento em que o País sofre as agruras de uma governança contaminada por desvios éticos, ocasionados em boa parte pelo desvão do loteamento politiqueiro, a vida de José Lins é uma placa indicativa do caminho alternativo: a refundação do Estado a partir da valorização da excelência técnica, da formação dos quadros de carreira permanente e do resgate da meritocracia!

(Crônica publicada na Revista GENTE DE AÇÃO e no Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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