quarta-feira, 2 de novembro de 2011


                                            SUETARK ARRET OD EVETÁJ
A primeira vez que tentei ler esse nome, me veio na intuição que toda complicação do mundo é obra propositalmente humana. Não tinha outra designação mais fácil não, para se denominar esta localidade tão longínqua? Chegou-me num estranho email, e fiquei com receio de abrir, pois o mundo virtual, como o real, está virulento demais. Admiro assaz os etimólogos que com sua agudeza de espírito e sua curiosidade perspicaz  vai à raiz da palavra e bebe do seu sumo, como os biologistas que se imiscuem no emaranhado microscópico do DNA e desamarram de lá os seus divinos segredos. Mas foi preciso bem mais do que um etimologista, e intimei um daqueles arcaicos glotologista de óculos de fundo de garrafa que já tem a aparência de um bolor de mofo, pois vivem eternamente enclausurados, confabulando com seus antiguíssimos alfarrábios amarelados. Mas era um raríssimo glotólogo sertanejo, meu dileto amigo, chamado Gilberto, especialista não só na origem das palavras, mas também no sigilo vocabular de todas as línguas ainda balbuciadas por aí. Olhou, profundamente, para o complicado nome com uma esforçada concentração, que chegou a brotar umas gotas de suor na sua testa lisa, e com a surpresa de um velho ator de novela, espontâneo em sua performance, disse-me:
 — É uma frase Russa, meu caro amigo Raimundo! Tenho certeza absoluta que devemos traduzir-la mais ou menos assim: O ÁRIDO VALE DO LAGARTO. Você vai querer que eu prossiga na leitura do restante do texto?  Não esperei ele perguntar novamente:
— Gilbeeerto, meu amigão, vá lá! Só você mesmo me ajudaria a decifrar essa estranha mensagem que vem lá do outro lado do mundo.
— Raimundinho, aqui diz que a cidade de SuetarK, está comemorando cem anos de existência e este email faz parte das medidas aprovadas para divulgá-la. Ela fica numa vasta tundra desértica, com uns ralos tufos de vegetação xeromórficas, daquelas que não necessitam de muita água, como os nossos mandacarus. Faz um frio insuportável em determinadas épocas do ano, como aqui, não acha caríssimo Raimundo. (Era uma de suas sarcásticas piadinhas.) E prossegue:
— Está dizendo que essa cidade é diferente dos demais povoados russos. Eles vivem fazendo suas experiências para melhorar a vida dos seus cidadãos. Tentaram, por último, implantar em surdina, um sistema democrático para ver se as coisas mudavam por lá. Acharam que se, aqui, o comunismo está se imiscuindo com uma democracia, por que o comunismo de lá não poderia se acasalar com a democracia daqui. Dizem aqui nesta missiva, que foi um desmedido engano, e que logo se arrependeram. Tiveram que, primeiro, acabar com uma câmara de vereadores, pois viviam brigando, cada qual puxando brasas para sua sardinha. E por último tiveram que desativar todos os gabinetes de uma inoperante prefeitura repleta de vorazes tentáculos. Dizem até que descobriram o verdadeiro cancro das democracias. 
Quão grande não foi minha surpresa com aquelas banais informações, que me veio um habitual enjôo e logo disse:
— Já chega amigo Gilberto! Esse tal de ÁRIDO VALE DO LAGARTO lá da Rússia está me parecendo muito mais com um velho lugar que conheço. Mas saiba que cada vez mais acredito naquela tal teoria dos buracos de minhoca que nos fala a Física Quântica, com seus  mundos paralelos. Tenho a impressão que este email não passa de uma brincadeira de algum intrometido escritor de um outro mundo, também chamado Raimundo, que não tinha que fazer e fica tomando nosso precioso tempo. Volte para os seus queridos alfarrábios e me desculpe, meu amigo, que eu também vou regressar aos meus belíssimos sonhos no aconchegante balanço de minha rede.

Raimundo Candido

Karla Kafka disse:
Eita Raimundo! Cutucando bem direitinho as feridas do modo de vida deste povo.



Marcos Pereira disse...
Valeu professor! Sempre acompanho seus escritos, mas colocar um título embutido no outro foi    demais. Sensacional mestre!

  João Silas Falcão Soares disse...
                                 SUETARK ARRET OD EVETÁJ
A Karla Kafka foi no alvo: cutucar as feridas. E eu completo: do povo SUETARK.
Que anagrama, Poeta!

2 comentários:

  1. Eita Raimundo!
    Cutucando bem direitinho as feridas do modo de vida deste povo.

    K. Kafka.

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  2. SUETARK ARRET OD EVETÁJ

    A Karla Kafka foi no alvo: cutucar as feridas. E eu completo: do povo SUETARK.
    Que anagrama, Poeta!

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