domingo, 22 de janeiro de 2012

                                                 A Mudança

Quando alguém, muito querido, parte, as coisas se modificam na estrutura dos que ficam. Há dias mastigo uma antiguíssima frase que diz: nada é permanente, exceto as mudanças e acho que essa é a primeira lei geral da vida. É um velho hábito, ficar remoendo as lembranças, preso ao passado, atônito no presente e com medo das incertezas do futuro.
No consenso da família, resolvemos mudar de ares, nunca no sentido de esquecer, mas em busca de mudança para trazer alivio.
Não conseguimos ir muito longe, um quarteirão e meio de distância nos afasta agora do antigo nicho matriarcal, onde constantemente nos reuníamos em busca da radiação amorosa de fé, força e coragem.  No novo refúgio, um lenitivo... Que esperança!
E a vida, inexorável e ríspida, que a gente oleia com escassas lágrimas, prossegue.
Saímos da barulhenta Praça da Matriz e fomos nos agasalhar na Praça do Barrocão, (Desculpem a esse desleixado escriba!) corrijo: a Praça Luisa Passos, a primeira matriarca, que não nos deixou lá muitas notícias de seus longínquos rastros, quando andou por aqui, se andou.
As praças nascem para serem agitadas mesmo, travessas crianças correndo, brilho nos olhos dos namorados fervilhando em hormônios, velhinhos alegres passeando e as andorinhas chilreando nas copas das arvores. Opa! Novamente me perdoe, meus amigos, essa praça é a de meus desatinados sonhos, que sempre aparecem para me atrapalhar. É só minha defeituosa disposição de sintetizar uma luz mítica com o pó real da vida e alternar os elementos concretos com os entes abstratos de um céu azul, colados ao cinza da terra que compõem a natureza cósmica a configurar todo o paradisíaco ar que respira meu ser, é só isso, e se não me falha a memória, eu já lhes disse uma vez.
Tenho ainda, estampado na retina, um imenso terreno baldio onde a meninada corria atrás da bola. Alguns, desajeitados pernas de pau, como quem vos fala, só admiravam as proezas de um Luciano Freire com sebo nas canelas, driblando até o vento, ou a despreza de um Corró, ou a habilidade de um sereno Paiva que já se mostrava como um Zinedine Zidane lá das Europas.
Era o Barrocão de tantos Parques de Diversões, com imensas rodas gigantes, canoas a pendularem, no limite do coração, quase a sair pela boca, os tiros ao alvo e um alto falante na ponta de uma longa estaca espalhando recadinhos apaixonados de certo cicrano para tal fulana.  
Até o vento daquela saudosa época brincava com uma irrequieta biruta e, raramente, se aquietava dentro da primeira estação meteorológica a medir o nível das raríssimas chuvas.
Ali, sentado na calçada, o Professor Luiz Bezerra, Prego Dourado, já matutava uma saborosa crônica, para ser lido pelo locutor Edson Martins,  veludosa voz, no transmissor radiofônico da Educadora.
O meu amigo Batista, o irmão do Tobinha, filhos da vaidosíssima Dona Maria Bonfim, depois de um árduo dia de trabalho, já sai à porta da rua, se preparando para mais uma noitada de boemia, a espalhar alegria com sua risada melodiosa.
Volto a mim, com a passagem de um ruidoso carro de som — num reforçado Efeito Doppler que só a Física explica — apregoando os módicos preços de um conhecido supermercado, me fazendo lembrar a causa da extinção de todas as poéticas bodegas do mundo. Antes já havia passado, por aqui, a Fatinha do Carro de Som, cantando sua nova melodia: ”Tá lisim, tá lisim, tá lisim dando uma de riquim....” Ainda bem que já saiu do Hid Parade seu outro grande sucesso: “Tira!Tira! Tira a ....”  
Já estarei preparado para ouvir todas as maravilhosas músicas da Xuxa quando passar, logo mais, embaixo da minha janela o novo trenzinho amarelo-onça do Louro da Cruz, lotado de barulhentas crianças, com uma precisão periódica em seus intervalos regulares, justamente quando se precisa ouvir algo importantíssimo ou no exato momento do Jornal Nacional, não falha!
O difícil neste novo endereço é fazer meu penoso regime. Fiquei bem no meio de uma geração Coca-Cola que vive a comer e se alimenta do câncer embutido em todo lixo comestível.
Nos vapores enjoativos das frituras que constantemente me chegam ao nariz e aos olhos, devoro dezenas de hambúrgueres e de X-burgeres, todos com bastante maionese e ketchup.
Alegrei-me quando uma respeitável moradora, a digníssima Ivane Sales, antiga guerreira das causas nobres, passou por aqui com um abaixo-assinado contra essa situação e identifiquei-me na lista, acordando totalmente com as súplicas ali expostas e como novo morador do Barrocão.
 Dizem que o comer é que faz a fome. Dizem também que a humanidade sempre girou sobre esse perverso eixo de desesperada fome, — os políticos bem o sabem!  Logo, enquanto o resultado da nossa reivindicação não vier, vamos comer, mesmo que venha uma insuportável indigestão! Bom Appétit! 

Raimundo Candido

Um comentário:

  1. "Nada mais universal que o folclórico; nada mais regional que o folclórico" - escreveu o
    musicólogo argentino Carlos Vega.
    Tempos atrás, em uma das idas a minha Jaguarão, procurava à noite um bar para fazer um lanche e só encontrava abertos estes famigerados "trailers"...
    Perdoe-me se estas suas crônicas me transportam a lugares perdidos no escaninho de minhas memórias!

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