quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A tia da Graça

E assim se vão fechando, momento a momento, estas pérgulas por onde os raios de luz de minha infância, iluminuras de minha vida, emergiam. Última acha que ardia no lume do meu passado. Hoje uma sombra de saudade. Ancora sobre os meus dias. Os brilhos vão se escurecendo neste sítio bendito da memoria, onde as flechas tomam conta de nós. Onde estão aqueles sorrisos de graças que pousavam doçura sobre todos. Hoje se vai a última tia. A tia Gracinha. Morre Maria das Graças Bonfim. Aquela alegria pueril. Aquela fala mansa, qual um poema. Aquela apascentadora amiga, afogada em afagos, que explodia quando a aurora de nossas vidas ainda borbulhava. Um coração de Adamastor, carregando as pertenças do amor. Um mar generoso, leve, de um marulho silencioso, ia a querida Tia a nos trazer as graças da felicidade. O sol ainda ruminava no ventre da noite, a nossa mãe sazonal, nos enchia de mesuras. Hoje ela se vai, no dorso inquieto do tempo. Leva de cada um de nós mais de um quartil de viva felicidade. Ficamos nesta penumbra de anoitecer, com cheiro de cipreste nas canaletas da morte. Nestas cinzas que tingem tanta magia, naqueles dias distantes. De tardes fagueiras. De tantas noites telúricas sob o lume do luar. Sucumbimos ao passado. Pesarosos voltamos a Crateús para enfrentar estas esfinges famintas que nos devoram a todos. Apaga a última estrela de opala, como diz Bilac. Faz os nossos olhos vazios, lacuna na mente, pedra na alma e a dor infinita no peito. Tao somente o peso da saudade. Graça, que vestia o nosso luar de sedas e purpurinas. Que nos protegia dos açoites das noites. Hoje sobra este olhar marmorizado sobre o tempo. Perdemos a Graça, ficamos sem graça, a morte me parece ser esta veste estendida sobre a dor. Espargindo um bardo triste de lamento e saudade. 

Jose Maria Bonfim de Moraes
Cardiologista.

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