quinta-feira, 1 de março de 2012

Moto-Táxi

A assombrosa história da humanidade, num fabuloso épico, pode ser dividida em três etapas bem evidentes: o domínio do fogo, a percepção da roda e a invasão das motos-taxis.
                O fogo, como liberação de energia presa na matéria, incluindo aquele que arde sem se ver, foi penoso... Foi muito difícil para a raça humana domá-lo como a um corcel ígneo numa monta a pelo, na força bruta. Uma conquista primordial que nos aliviou de um grunhido na garganta, nos tirando da fase puramente animal e implantando um sorriso enigmático na aparência humana – embora alguns teimem em continuar com suas macaquices por aí – e de sobra ainda gerou uma boa literatura.
A fascinação pelas chamas era tanto que despertou delirantes fantasias, mitos incríveis, perversos deuses e os cinematográficos heróis que se encarnaram de nossas mentes. Isso aconteceu com um jovem andino, lá no mais alto das cordilheiras, que recebeu do filho do sol uma chispa de fogo e a escondeu entre o pó do ouro terrestre para amadurecer e brotar num pé de milho como reluzente vigor e néctar.
                O coitado do Prometeu, um Titã ladrão de fogo, foi quem mais sofreu, e aguentou resignado um interminável infortúnio pelo faminto bico de uma insensível águia a lhe degustar o fígado, diariamente, como um saboroso foie gras, e isso por tentar proteger a iníqua humanidade.   
                 Uma labareda foi o início, mas o bom mesmo foi o achado da roda. Quando um tronco de árvore rolou por uma encosta abaixo e um cidadão boquiaberto – já era um faber erectus no meio dos sapiens – deu o primeiro grito de eureka e sorriu de satisfação em adeus ao atrito de arrasto e do rolo ao disco foi um pulo.
                Um dia desses, vendo os pneus carecas de um velho Del Rey, lembrei-me de uma roda que foi encontrada nas ruínas da cidade de Ur, nas margens do rio Eufrates há 6000 anos, que poderia ter caído da carroça de Abrão, o patriarca dos hebreus, na saída para a inalcançável Canaã, e até que me tiraria do prego. Obriguei-me a ir comprar pneus, acenando para um moto-táxi que por ali ia passando.
                Se acaso o amigo(a) repetisse esse usual gesto, lá na cidade de Pequim, uma geringonça pedalada por um ciclista de olhos retesados pararia ao seu lado e lhe ofereceria uma corrida, pois é a moto-táxi da China, o Reino das Bicicletas e a nova babilônia do planeta, que está a encabeçar uma revolução para uma Nova Ordem Mundial (NOM) e que logo vai arrochar, de vez, a concórdia da humanidade, aguarde!
                As idéias que brotam deste impávido e colosso chão, chamado Brasil, são como um imenso clarão que reluz e vai logo concebendo um 14 Bis, uma Urna Eletrônica, um Coração Artificial, e até uma doce Rapadura. Por aqui, nos Sertões de Crateús, uma brilhante idéia também germinou na mente de dois visionários cidadãos, o Sitônio da Coelce e o Edilson Mourão, funcionário do Banco do Brasil, que imaginaram o sistema de Moto-Taxi, uma brilhante idéia que hoje é difundida por todo o país, facilitando a mobilidade urbana, comprovando assim que a necessidade é a mãe de todas as invenções.
O ponto mais agitado da nossa cidade é um diminuto quarteirão, no início da Rua Santos Dumont, entre o centenário prédio dos Correios e a Sede da Prefeitura, e quem se aproxima percebe um som familiar, repetidas vezes:
– Triiiiiiim! Triiiiiiiiim!  
– Moto-táxi, bom dia!
– Quero uma corrida para a Rua Frei Vidal, número 1500.
– Aguarde um instantinho, moço, a moto já está saindo.
E aquela senhora que já chegou ciscando pressa em desesperado alvoroço:
– Vamos! Depressa, vamos...
O mototaxista da vez, nunca saía sem um objetivo certo para a corrida. Estava cismado, mas naquela situação não tinha muito que pensar, foi. Só no caminho percebeu que era mais uma busca de uma ciumenta esposa por um marido que andava em pândegas. De bar em bar percorreram toda cidade, e nada.
– Siga para a Rua Francisco Mariano! Ordenou a desesperada senhora.
Benzeu-se, mentalmente o coitado, pois pressentiu mais um vexame de um triângulo amoroso. Pararam em frente à Casa de Pedra, entraram, e com os olhos de perscruta reviraram os quatro cantos daquele recinto libertino de amor e só o motoqueiro notou uma figura dissimulada, escapulindo por trás de uma porta. Calado estava, calado continuou, não queria assistir mais a um “quebra barraco” que presenciara outras vezes. Deixou a tristonha senhora em casa, esfriando a raiva, na espera do marido farrista.
Na hora do rush, Crateús vira um caos, um enxame com mais de 350 moto-táxi partem num vai e vem frenético, desesperados em revoada pelas ruas da cidade. Se, nesta hora, for atravessar uma rua, olhe bem para os dois lados ,e mesmo não vindo nada não passe ainda, com certeza vem uma moto-táxi veloz que você não viu. É tanta moto em profusão que aguçou a$ exigência$ da Companhia de Policiamento Rodoviário, CPRV do Governo do Estado, assustando o homem do sertão mais do que o flagelo do cavalo de Átila arrotando feroz calamidade.
                Depois do cruel latrocínio do motoqueiro Filomeno, os profissionais da moto ficaram mais diligentes, mesmo assim todo cuidado é pouco neste arriscado ofício. Uma vez um descuidado motoqueiro acertou uma corrida com o tal de Escadinha, foi uma questão de sorte, alguém viu e saíram no encalço para avisar ao incauto amigo. O meliante, pressentindo a perseguição das outras motos, desceu na altura dos Pastos Bons, mas não deu uma viagem perdida, assaltou, ali mesmo, uma fazenda de uma desprevenida empresaria citadina, fugindo no seu possante carro de passeio.
                A profissão de mototaxista compensa, numa terra de poucas oportunidades. Se tiver com todos os documentos exigidos pelo Sindicato e 15 mil reais para a concessão de uma vaga, é só se ambientar num dos 16 pontos espalhados pela cidade e cumprir uma rígida tabela de preços.
                Li outro dia, uma notícia interessantíssima, num desses jornais online, que a cidade de Nova York planeja legalizar os táxi-bicicleta.
Pensei comigo: “Meus Deus, acho que vou vender meu Del Rey e comprar uma magrela, quem sabe se mais essa nova profissão não chega logo por aqui...”

Raimundo Candido

Paulo Nazareno disse...
Saboroso,bem humorado, perspicaz dentre outros atributos. Que coisa Raimundinho!Só lembrando que daqui saiu também,pela luz do nosso confrade Lucas Evangelista, uma música (vendida por êle ao Mastruz com Leite) acerca do tema.

Um comentário:

  1. Saboroso,bem humorado, perspicaz dentre outros atributos. Que coisa Raimundinho!Só lembrando que daqui saiu também,pela luz do nosso confrade Lucas Evangelista, uma música (vendida por êle ao Mastruz com Leite) acerca do tema.

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