quinta-feira, 19 de abril de 2012

José Coriolano - Príncipe dos Poetas


É provável que a estirpe dos Coriolanos provenha do lendário general Caio Márcio que recebeu a alcunha de Coriolanus, por se distinguir na Batalha do Lago Regillus, no cerco da cidade de Coriolli, povoada por uma gente antiguíssima chamada Volscos, eternos adversários daquela Roma dos primeiros tempos. Contam que os irmãos gêmeos, Castor e Pólux, ajudaram imensamente aos romanos, liderados por Coriolano, a obter êxito nesta importante batalha.
 Isto foi bem antes dos inseparáveis messênios Idas e Linceu matarem o Castor pelo rapto das irmãs Hilária e Febe, fazendo com que Pólux implorasse a Zeus, à vida do querido irmão e, daí em diante, passaram a dividir suas lendárias existências: interpondo-se, vida para um, enquanto o outro amargava um dia inteiro numa iníqua dor do fim. Tamanha prova de amor fraternal fez com que Zeus os castaterizassem na Constelação de Gêmeos, donde não podem mais ser separados nem pela crueldade da morte. Mas isso é outra belísima história, relatada pelo vate Shakespeare e sublimada  num emocionante músical, pelo gênio de Beethoven. 
O que nos desperta para essas narrativas de longínquas eras, após o período ingenuamente Colonial, onde fomos vítimas da gananciosa  exploração europeiante,  que nos levou ao ecoante Grito da Independência – e que ainda retumba por aqui - é a busca de uma poesia que ficou perdida no tempo. Época em que o hábil José Bonifacio tutelava com sua larga sabedoria um nobre cidadão que foi talhado para ser monarca e funcionário público exemplar, o bonachão Dom Pedro II, que acabou tomando um caminho totalmente diferente daquele trilhado pelo pai, aventureiro e boêmio, a viver em busca de glória, embora nos tenha feito um imenso favor em romper com os vínculos de sujeição a Portugal, num pacato grito de independência ou morte.
Longe das bulhas litorâneas, a copiar eternamente uma cultura estrangeira, havia um Brasil exalando séculos de atraso e miséria. Um sertão em que tudo escasseia e nada falta, mas exige de nós uma firme adequação para sobrevivê-lo na rusticidade de uma dura lei da natureza, pastando farinha, rapadura e carne-seca como o bovino pasta a erva rala, num imenso desertão, o causticante sertão de Guimarães Rosa, onde o medo nunca domina, mas facilmente se perde a vontade de ter coragem. Enquanto dos rastros dos bois brotavam as oblíquas estradas, onde se caminhava protegido pelo rígido gibão de couro curtido e se via surgir, inesperadamente, uma cidadezinha ao redor de uma singela capela, agregada a uma bucólica fazenda de gado.
A Vila Príncipe Imperial conformou-se aos pouco, de casinha em casinha, mas sentindo o aroma do estrume dos currais e a aragem que o vento soprava das melancólicas barrancas do Poti que se ia encobrindo numa estreita garganta de serra. Das subsistentes roças brotavam as espigas de milho sobre um tapete esverdeado de bagens de feijão, e nas cercanias o verde pasto que crescia ia ficando lentamente aloirado pelos raios de sol, antes que a ruminação do gado desse conta de saciar uma interminável fome. Porém, o que de magnífico houve, foi ver brotar um poeta do rijo chão, desabrochar de forma telúrica, do barro amassado e aguado com suor e lágrimas, feito um milagre no ermo do sertão. Como havia dito um imaginoso poeta romântico, John Keats, se a poesia não surgir tão naturalmente como as folhas de uma árvore, é melhor que não surja mesmo. Ali, num mundaréu desabitado da fazenda Boa Vista, no benéfico ano de 1829, calcinado pela terra, moldado pelo vento, forjado pelo fogo e esculpido pelas águas majestosas do Poti, emerge um grande poeta, só comparável ao grandessíssimo Gonçalves Dias, para fazer nascer poesia por aqueles rincões distantes de Crateús.
O menino-poeta se embebe do esplendor do sertão para depois estampá-lo com sua lira, cheia de cores em que se pode ver as campinas, os prados verdejantes, as fontes, as flores, os pássaros e um agreste impiedoso nos momentos difíceis, quando entoa seu canto: “As aves da minha terra,/ Quer no sertão, quer na serra,/ Sabem falar!/ Esta seu fado carpindo, / Aquela a lira ferindo /No seu trovar!  //  De outra parte saltitando/ De galho em galho cantando/ Gentil sofreu, / Toca na lira afinada/ Uma canção modulada/ Que o amor lhe deu!”
E o poeta foi crescendo na Fazenda Boa Vista, circunspecto nos trabalhos diários com a rústica natureza e com a lida do gado, enquanto se encantava com aos espetáculos do Touro Fusco: “No belo Crateús, sertão formoso, / Obra sublime do Supremo Artista,  /Num terreno coberto de mimoso, / Está sita a Fazenda Boa Vista”; /Do Príncipe Imperial, pravo e rixoso, / Vila do Piauí, seis léguas dista: / Ai, num massapé  torrado e brusco, / Nasceu o valoroso “touro-fusco”. // “Quando vinha ao curral, tocando adiante / A manada de vacas que guardava, / Tinha um modo de andar tão elegante, / Tão grave qu’eu com gosto lh’o notava! / Tinha um urro saudoso e retumbante / Que nos vales florido reboava: / Toda a terra do urro estremecia, / E o mato em derredor todo tremia!”. E por aí vai, num longo poema a descrever as aventuras extraordinárias de um touro valente e destemido, o herói da fazenda Boa Vista. O poeta dizia que se o touro fosse gente seria mais heróico que o herói de Alexandria.
José Coriolano já com asas de gigantes preparadas para um longo revôo parte para conquistar um imenso e bravio Piauí, mas abraça é o mundo. Um poeta maduro que verseja cantado os sentimentos, as mulheres, à Deus e à vida. Sobre o amor asseverava: “Mas, se teu peito torturado geme, / Quando o sorriso nos seus lábios pousa, / Se tua alma se alegra a sós contigo, / Quando os seus olhos umedece o pranto; / Se, a meiga voz te cala n’alma / Seus ternos, suavíssimos acentos, / Descrer do que ela diz, do que ela jura, / E logo te arrependes e te humilhas, / E incrédulo, depois, o amor praguejas: / Se assim é o teu amor – amar tu sabes.”
               
Com o surgimento do livro “Impressões e Gemidos”, publicação feita por fieis amigos, José Coriolano, a maior figura do romantismo piauiense e crateuense, faz com que a literatura no Piauí deixe de ser um mero produto português, para ser algo genuinamente nacional, pois cultivava um compromisso com as raízes locais, através de um sentimento nativista que passou a fixar teluricamente as paisagens e a alma da gente piauiense. Por isso foi consagrado O Príncipe dos Poetas naquele estado.
             E, mesmo nobre e grandioso, nunca esqueceu a terra natal, que logo passaria a ser um município cearense : “Lindo sertão meus amores, / Crateús, onde nasci, / Que saudade, que rigores, / Sofre meu peito por ti! / São amargos dissabores / Que em funda taça bebi! / Que saudade, ó meus amores, / Crateús, onde nasci!”
             Como os irmãos da velha mitologia grega, configurados nos Gêmeos zodiacais, o nosso vate maior também foi castaterizado na constelação dos grandes poetas nacionais, não pelo imponente Zeus, mas pela inspiração e liderança do deus das musas, o idílico Apolo. E um dia, brevemente talvez, veremos reerguida a estatua de José Coriolano de Souza Lima, na mesma Praça da Matriz e no mesmo lugarzinho que lhe é de direito, na praça que é das urbes como o céu é das nuvens, só para lembrar um contemporâneo que era também poeta,  o dos escravos, que tem sua festejada Praça Castro Alves, e devemos por honradez, consideração e dignidade, rebatizar o lado esquerdo da Igreja da Matriz com um belo nome: Praça José Coriolano. Façamos isso, antes que um aventureiro a pegue, não  acham?

Raimundo Candido

José Alberto de Souza disse...
Sabe que as vezes fico imaginando a sua biblioteca como um harem de inúmeras odaliscas (metaforicamente falando dos seus livros), as quais não tem por que se queixar do seu sultão, todas elas recebendo equitativamente o carinho dispensado a cada uma. Com essa crônica antológica, parece que você plantou tanta leitura para colher a sua prodigiosa cultura

3 comentários:

  1. Sabe que as vezes fico imaginando a sua biblioteca como um harem de inúmeras odaliscas (metaforicamente falando os seus livros), as quais não tem por que se queixar do seu sultão, todas elas recebendo equitativamente o carinho dispensado a cada uma. Com essa crônica antológica, parece que você plantou tanta leitura para colher a sua prodigiosa cultura!

    ResponderExcluir
  2. E ai carissimos conterrâneos,não visito esta terra desde 1970, tenho muitas saudades dos banhos e das cheias do rio poty,das idas ao mercado e dos amigos de infância (Paulo fussura, tio manelim, estélio cabeção e outros que me fogem a lembrança no momento)Lembro-me que lá pelos idos de 65,estava eu na pracinha dos correios defronte ao mercado, quando uma grande bola azulada desceu como uma estrela cadente, e pairou sobre esta por cerca de 30 segundos, logo em seguida saiu em vertiginosa velocidade, a rádio Educadora que transmitia o som via megafone, anunciou de pronto: estranho objeto cai em nossa cidade.Estava comigo, no momento o Paulo Montezuma, que era muito pequeno na época, mas este não recorda. Gostaria que vcs pesquisassem junto a Rádio educadora, no sentido de localizar o tal locutor que noticiou o fato na época.
    Valeu e um abração a todos que compõem esta Academia de Letras da MINHA TERRA NATAL.

    Fco Fabio Bezerra Tomaz

    ResponderExcluir
  3. e ai vai um poema meu que tenta explicar como são criado os poemas.
    FRAGMENTOS

    fragmentos são pedaços
    de idéias no papel
    são vivências, feito traços
    de cometas pelo céu
    são os portos da memória
    onde buscamos veleiros
    de lembranças e estórias
    perdidas nos nevoeiros
    são os teares de sonhos
    toda ilusão, pensamentos
    como toda chama ou vida
    seguindo o rumo dos ventos
    feito nós quando dormimos
    e sonhamos fragmentos.

    Fco Fábio Bezerra Tomaz

    ResponderExcluir