Um dia, Raquel bateu na minha
porta: Toc! Toc! Toc!
- É o Professor Raimundo
Cândido? Aquele que quer ser poeta sem poder?
- Mas menino, se não é a
grande Raquel de Queiroz em viva alma, que vem da fazenda Não Me Deixes!
- Sim, meu amigo e vim lhe dar
um conselho, e seriíssimo por sinal, em nome da boa literatura, já que alguns
de seus amigos, como o intelectivo caçoador
Luciano Bonfim, o crítico impiedoso Silas Falcão, o tatu-bola zombador Edmilson
Providência, o arisco poeta Lourival Veras, o pertinaz jornalista César
Vale e muitos outros, indiretamente,
lhes preceituaram e você se fez de mouco!
- Não estou compreendendo,
Dona Raquel!
- Viu! Já está se fazendo de
desentendido. É o seguinte, vamos direto
ao ponto nevrálgico da questão! Amigo, você tem que parar de insistir com o que
não poder ser! Quem já viu urubu querer cantar como galo. Você já viu uma vaca
voar, Senhor Raimundo? Poesia é coisa
séria, embora não sirva para nada, mas somente os escolhidos das musas é que
podem mexer e remexer com os seus acordes. Então, como você é uma pessoa de boa
índole e até gostei quando reclamou do abandono da Praça dos Leões, aonde
resido agora, vim lhe pedir para que você arranje outra coisa para fazer, a xilogravura
por exemplo. Não vê aí, o Almeidinha, quem o observa até diz que é um grande
ator de novela e nem nota que é melhor artífice do mundo. Não querendo, vá ganhar dinheiro! Deixe essa
desventurada profissão que escolheu, seja comerciante como seu pai foi ou se
candidate a vereador por um partido sério, a cidade estar muito a precisar. Tem
muita coisa para você fazer, pela arte e pelo pão, mas pela poesia... Não!
Mas pensando bem, por pura
simpatia e notar que tem tanta gente sem a mínima condição tentando entrar no
Reino dos Versos sem antes passar pela Portão da Virtude, vou lhe desaconselhar da minha deliberação.
Insista mais um pouco! Não dizem que quem não arisca não petisca, pois
sim! Olhe, um assunto que tenho bastante
experiência é sobre as secas e na sua região é coisa que nunca faltou, escreva
sobre isso. Água mole em pedra dura... Vá tocando a sua corneta devagarzinho,
um dia a nota soa!
Mal Raquel dobou a esquina,
rumo ao trono literário que lhe é reguardado, já tinha tomado uma firme
decisão. Escorar-me-ei, como sempre faço, na infinita paciência de meu amigo
Gilberto Pereira, pois sempre que escrevo uma prosa ele afirma que tem verso e
eu, inocentemente, acredito! Seguirei o segundo conselho da amiga Raquel, um
dia eu aprendo, e não darei, aos amigos da onça, o gostinho de me ver desistir
de um sonho tão facilmente.
PS: Antes de dobrar a esquina, Raquel olhou para trás,
com aquele sorriso doce-meigo de sempre, mas tinha um quê a mais, que ainda
estou por adivinhar!
Raimundo Cândido
Músico, poeta e louco
ResponderExcluirem vasos comunicantes
transbordam em vapores
que somem na atmosfera dos sonhos
e se dissipam no brilho dumas estrelas.