quarta-feira, 9 de abril de 2014

E A VENDINHA DE DONA ALEXANDRINA?


“Às vezes, no rústico balcão
De velha tábua enegrecida
O tempo parava...
Às vezes, o vento passava
E o papel de embrulho acenava
Convidando o cliente...”
Estávamos participando do lançamento do Varal Antológico em Florianópolis, a lagunense Fátima Michels me confunde com o autor de “Bodega”, Raimundo Cândido Teixeira Filho, de Crateús­-CE, e diz que gostou muito do poema. Mas ele está ali a meu lado e corrige o equívoco: “A Bodega é minha!” E tinha que ser mesmo, mas me chama atenção pela temática. Mais tarde, leio a obra poética e me emociono com a beleza dos versos de uma sintética tranqui­lidade ao transmitir com imagens felizes o humilde cotidiano que ainda subsiste apesar dos avanços tecnológicos. E nos transporta para aquelas paragens isoladas que se congelam na espera dos transeuntes.
Dou-me conta dos tempos decorridos e dos espaços ocupados nesta minha jornada de tantas vidas. Lugares por onde andei, saindo de Jaguarão, passando em Porto Alegre (Partenon, Centro, Bonfim e Menino Deus), São Bernardo do Campo (Jardim do Mar), São Paulo (Vila Prudente, Jardim da Saúde) e Florianópolis (Capoeiras, Agronômica). Em todos eles ainda rememoro a existência de uma “bodega”, ali na esquina ou no meio da quadra, que ainda hoje teima em manter a sua caderneta de fiados para os clientes relutantes em ingressar na era das compras facilitadas pelos cartões de crédito.
E o vento vai passando e me jogando meninote naquela cháca­ra do meu tio Cantalício, em Jaguarão, naquela estrada que me pa­recia não ter fim até chegar lá, deixando a cidade, avistando a Igreja Matriz, a Santa Casa, o Quartel, o Curtume e o caminho longo até o Corredor das Tropas. Logo ali, a casa dos Machado, atravessava-se o Passo dos Correias, um fiapo de arroio que não dava passagem nas chuvaradas, e a estrada seguia na direção da Capela São Luiz. Bem antes eu descia do “carrinho” puxado a cavalo e abria a porteira para trilhar a íngreme e escorregadia lomba de terra até as casas.
Ranchos, galpões, currais, baias, tambos, galinheiros, chi­queiros, açudes, sangas, mato, campos, potreiros, cacimba, bomba d’água, plantações, hortas, pomares, taquarais, um mundo de soli­dões para mim. Aves, bovinos, equinos, suínos, caninos eram seres estranhos ao meu cotidiano citadino. Meu tio reinava ali absoluto e ditava suas leis: “na minha propriedade é proibido caçar passarinho”. Os estilingues eram apreendidos sem qualquer apelação. Não deixava de verificar e determinar as tarefas do chacareiro, “seu” Dema que a toda hora precisava ser lembrado da forma de executá-las.
Para ocupar melhor esse tempo arrastado, lá ia eu pegar no ara­do e tanger os bois no vai e vem da terra lavrada ou então rolar a pipa para buscar água na cacimba. Montava na égua zaina e saia a recolher as reses espalhadas pelo campo. Enchia sacos de laranja, vergamota, peras, goiabas para devorá-las ali mesmo e levando o resto para casa. Antes do almoço, o banho recreativo na sanga, seguido de causos contados na roda do mate, enquanto “seu Dema” aprontava a bóia e eu sugeria um angu de sobremesa: “mas não tem o fubá, a farinha de milho...” Fácil, só ir lá na Dona Alexandrina que ela tinha...
E nós saíamos cruzando campos afora, a pé naquela lonjura, para chegar à venda de Dona Alexandrina e gritar da porteira: “Ó de casa, queremos um quilo de fubá!”

José Alberto de Souza – O poeta das águas doces – Gaucho de Jaguarão do Sul – No livro O Velho “Chateau” daqueles rapazes de antigamente. Croni & Contos) - Tche!

José Alberto de Souza disse...
Mas bah, tche, e eu que estava querendo te aprontar mais uma...

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