quinta-feira, 16 de abril de 2015

A Rua FM - ♫ A luz do cabaré .... ♪

                             
Ali, da nave da Igrejinha de São Francisco, ao lado do Mercado do Peixe, em pleno burburinho da Feira Livre, o venerável Padre Alfredinho enquanto rezava pela alma de Antonieta, a prostituta tuberculosa, via, nas duras missões e nas pesadas cruzes das pessoas que iam e vinham com suas incumbências transitórias, o velho mundo insano mesclando o sal do sagrado com o doce do profano, em plena luz do dia, para o clímax das noites.
                A noite dos cabarés que nunca findou, com os seus “paraísos” e as suas “fogueiras” eternas numa cama de um quarto qualquer. Eles nunca deixarão de existir, estão somente se adaptando aos novos dias. Os costumes e os comportamentos arrefeceram os bordeis que vão perdendo espaço, estão, lentamente, se turvando no bojo do tempo. Os estudiosos do comportamento sexual dizem que a sociedade incorporou, no seu seio aconchegante, o modo permissivo de uma vida liberada, até com forma de controle dos filhos. Uma jovem dormir com o namorado, na casa dos pais é, hoje, a coisa mais natural do mundo e com uma rotatividade digna das grandes raparigas dos velhos cabarés de antigamente. Com uma concorrência desta não há zona que aguente!
Não sei se o Pe. Alfredinho, com sua humildade santa, ao socorrer a puta Antonieta, salvou-a, mas algumas sementinhas dos históricos bordeis crateuenses estão a salvo. Da Rua Cel. Totó, na dinâmica Feira do Peixe, subindo pela Rua Francisco Mariano, a famosa Rua FM, até a Rua Tabelião Francisco Antero, é só um pequeno quarteirão que está repleto de lupanares com suas mercadorias ofertadas à luz do dia, enquanto as patacas das cirandas financeiras circulam pela cidade.
São casinhas simples, coloridas, discretas, com as meninas sentadas nas cadeiras da calçada. A sala da frente é um convidativo bar, uma mesinha e o propício som estimulando o solitário cidadão que está a precisar de um obsequioso e carinhoso serviço contratual.
O endereço é, também, adaptado aos novos tempos, nenhum é bordel, aparentemente: É a casa da Noemia com suas meninas, a casa da Helena, da Fransquinha, da Paulona, da Dona Lurdes, da Dilva, o Bar do Aldemir e outros recintos que se assemelham a aconchegantes lares.
A agitação é até a última hora em que os transportes do interior ainda estão circulando pela cidade, em plena luz do dia. A própria mãe de todas as prostitutas, a Semíramis, uma deusa que queria ser a própria lua, fundadora da cidade de Babilônia, estranharia esse hábito incomum, um circo dos amores à luz do dia! Até as meretrizes deixaram de ser esvoaçadas mariposas.
Percebem-se moças que circulam pelas calçadas, atravessam a estreita rua, como se em vitrines dos bordeis da Cidade do Amor, a Ilha de Florianópolis. Se não se conhece, passa-se por uma rua qualquer da cidade, com seu ardor e seu labor.
Mal o tímido cidadão senta-se na cadeira, uma andorinha se achega, e não perde tempo, pois, no brilho do sol, cada instante refulge como a dinheiro vivo e, nas buchas, o convida: - Vamos namorar? É assim, direto, e sem perda de um segundo a mais, dirigem-se a um quarto ali aos fundos do lupanar crateuense, em pleno liberal e socialista século XXI.
Ao abrir da porta do quarto um cheiro característico chega ao olfato, o odor dos supérfluos amores que fica no ar, num incitamento da deusa dos pecados e ainda mais o rigor do apetite sexual se aguça. Um quartinho com um pequeno banheiro no canto, uma surrada cama de casal com uma rota colcha a convidar à volúpia, à lubricidade, à lascívia. Ao instante fugaz e momentâneo, sim, ao amor e à paixão, não!
De uma caixa de som, dependurada na parede, a música Boate Azul, na voz de Bruno e Marrone vibra no ar: “Doente de amor procurei remédio na vida noturna / Como a flor da noite em uma boate aqui na zona sul / A dor do amor é com outro amor que a gente cura / Vim curar a dor deste mal de amor na boate azul.”  No exato instante em que a andorinha se prepara para o momento primordial da humanidade é o instante em que damos corda na vida. Ali, vendo aberta a máquina do mundo, ofertada, com todos os mistérios despetalados como uma melodia ovidiana, como uma poesia remota, sente-se que o coração é um bordel gótico onde se prostituem as ninfetas decidas. Dama da noite, cuja profissão é alugar a flor enraizada da vida, em consequência de uma vil miséria, de um cruel abandono, e ainda levar no corpo a culpa de todos os pecados, ó injustiça!   
Mas todas as mulheres, santas ou putas, sem exceção, são perfumes, são pétalas, são espinhos... Ofertadas numa taça repleta de mel e de fel, com o gosto do sagrado, com o sabor do profano onde perdemos o natural equilíbrio, pelo sublime inebriamento das paixões e por uma overdose de prazer e de vida.
E nem o santo Pe. Alfredinho, nem o rígido Coronel Francisco Mariano sonhariam, um dia, com a sobrevivência da rua dos amores no centro da cidade, a rua dos desejos profanos, do amor carnal, mas como uma firme coluna que a tudo sustenta, desde que o mundo é mundo.
E pelas esquinas da Rua Francisco Mariano, enquanto inocentes crianças brincam de bilas pelas esquinas e no malfeito calçamento transitam motos, bicicletas, caros num vai-e-vem constante, a FM cumpre sua sobrenatural missão na existência dos bordeis, com a força das brumas do passado trazendo a exuberância dos velhos lupanares para o presente na histórica cidade de Cratheús que de há muito tempo, além de recinto de prostitutas, é uma cândida urbe prostituída.

Raimundo Cândido     


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