Não é só a jandaia que canta
nas frontes das carnaúbas, o irrequieto vento, igualmente, celebra poesias
farfalhando nas palhas da nossa esbelta árvore da vida, repleta de flocos
amarronzados chamados de cera rainha, um potencial de incomensurável riqueza. E
como o cearense só enxergava, nas duras e alongadas folhas, um atenuante chapéu
de palha, foi preciso que um americano denominado Herbert Johnson, em 1935, viesse
dos EUA num pequeno hidroavião, em três meses de inacreditável viagem, só para
se apossar do principal produto das nossas carnaubeiras, um impermeabilizante
natural que evita a perda de água pela planta, para transformá-lo em dinheiro vivo
com a Fábrica de Ceras Johnson LTDA, em Fortaleza. Da cera nasceram diversos
produtos para uso domésticos como polidores de carros, o brilho no assoalho das
casas, o papel carbono, os discos, as velas, etc. Herbert construiu, com o ouro
dos carnaubais, uma notável fortuna. Samuel, o filho do velho aventureiro, além
de refazer a viagem do pai, 63 anos depois, ofertou um valoroso presente ao
Ceará, doou recursos para criação de uma área de proteção da Floresta Caatinga
e o local escolhido foi a cidade de Cratheús.
Assim,
foi criada a Associação Caatinga que mantém a Reserva Natural Serra das Almas,
um éden no espinhaço da Serra da Ibiapaba. Quando os representantes desta sociedade
chegaram aos proprietários rurais Milton Menezes, dono das Almas, do São Luiz e
da Boa Vista, e ao Vicente Ludgero, dono das Melancias, ofertando um valor
monetário bem acima do normal pelas terras da serra, pensou-se logo que se
tratava de uma corrida por minérios na Serra Azul. O tempo, aos pouco, foi
mostrando que era somente uma nobre atitude da família Johnson para preservação
da Mata Branca em troca das benesses que a Copernicia Prunifera lhes tinha propiciado,
uma imensa e respeitável fortuna.
No início, no ano de 2000, não foi
nada fácil. O casarão que pertencera ao fazendeiro Manoel de Matos serviu como
base das operações comandadas pelo mateiro, caçador e rastreador Aureliano, que
nasceu e se criou trilhando as veredas das almas e das melancias, observando os
rastros das onças se cruzando com as pegadas do gado. Uma tropa de três mulas,
apelidadas de Chocolate, Gergelim e Canela, não paravam de transportar material
para abertura e sinalização das trilhas, com placas elaboradas pelo fino artesão
Miguel de Paula. A Serra, sempre foi usada pelos fazendeiros como recurso para salvar
o gado, quando findavam os últimos fiapos
de capim no sertão, onde o chão esturricado ficava mais limpo que um prato
lambido. A subida do gado para a serra coincidia com as festas nas casas de
farinha e com a produção nos engenhos de rapaduras. E só quem sofria com isso
era a natureza, pisoteada pelo gado, ameaçada pelo péssimo hábito do sertanejo de
andar com uma espingarda na mão e uma foice na outra, desbastando o mato e
decepando as jararacas, as caninanas e as cascavéis que encontrasse pelos caminhos.
Lentamente,
o ambiente foi mudando, foi surgindo um alivio de vida, e de 2000 a 2004, data
da abertura da reserva, a fauna e a flora respiraram livres de perseguições e tudo
criou uma nova aparência. As raposas, as jaguatiricas, as pardas, as vermelhas,
os maracajás, as pacas, os veados-catingueiros, os macacos, os soins, os
caititus, os tamanduás, os teiús, as iguanas, os tatus, os mocós, os cancões, os
jacus e, principalmente, a diversificação colorida das borboletas mostravam
que, os 6146 hectares do ambiente da Serra das Almas, estava, novamente,
entrando em sagrado equilíbrio ecológico. Ali, não se matava mais nem uma
formiga!
Um
dos Guardas mais eficiente da Serra das Almas sempre foi o Marcos Roberto, que fora
levado a trabalhar na Associação pelo primeiro administrador da Reserva. Marcos
aprendera com o experiente mateiro Aureliano os segredos e os subterfúgios da
Caatinga e também num curso de Guarda-Parque que fizera na Reserva Natural da
Serra do Teimoso, em Jussari, na Bahia, tornando-se um verdadeiro duende protetor,
e protegido, da Mata Branca.
Passar
dias e dias longe da família e longas noites ouvindo o piado das corujas, o
coaxar dos sapos e o cri-cri-cri dos grilos eram momentos penosos. Somente a
lua e a luz de um lampião aclaravam seus receios e iluminava as suas saudades,
mas, pouco a pouco, foi aprendendo a transformar esta difícil solidão numa força
sólida. O trabalho diário de construção e manutenção das trilhas, comtemplando
a natureza, era o que mais lhe dava prazer e que o fazia continuar na serra. Um
dia, enquanto realizava a limpeza de um velho muro de pedra, rente ao chão,
olhando nas fendas se não havia uma perigosa
cobra, e recolhendo os gravetos secos não percebeu que o perigo estava enrolado
em cima do muro. Uma cascavel, de um metro e meio de comprimento, já preparara
o bote e com o sensor de infravermelho mapeara o perfil de Marcos que, de
súbito, se levanta e fica testa-a-testa com a cobra de língua sibilante a
chocalhar o guizo na ponta do rabo. Os mistérios da floresta, às vezes,
intercedem quando preveem que a eliminação de uma vida lhes trará um grande prejuízo.
Num átimo de segundo se decide uma vida. O animal peçonhento, de reação mil
vezes mais rápida que o homem, disparara o bote no ar, pois o Marcos, num
reflexo quase impossível, se jogara para trás, evitando que a cobra lhe picasse
a face. De outras vezes se viu foi na frente de um Papa-Mel, a feroz ariranha
do sertão. O perigo mora na distração e todo cuidado é pouco para quem trabalha
sozinho nas veredas da Serra das Almas.
Os visitantes,
após ouvirem a preleção didática sobre a Caatinga, partem do Centro de
Interpretação ambiental rumo às diversas trilhas, cada qual com uma vegetação única
e característica. Normalmente começam pela Trilha dos Macacos que segue pelo
Riacho Melancia, num estreitamento da garganta da serra. A mata ciliar, gameleiras,
cajazeiras, ingazeiras e oiticicas, que protegem as águas, é exuberante. Mal
chegam a uma ponte suspensa pelas cordas, sobre o Riacho, o guia que vai à frente
levanta a mão e pede para que a fila indiana pare, e faça silêncio absoluto. Uma
enorme cobra caninana, amarela e negra, repousa enrolada no corrimão de corda. A
serpente levanta a cabeça, nota a presença de intrusos, mas resolve ser
camarada, segue seu caminho liberando a passagem para os olhos arregalados dos
turistas. Também param na frente de uma gigante gameleira que abraça uma enorme
rocha, como se quisesse sustentar a pedra, para não descer a rampa da serra, e ouvem
mais explicações sobre os segredos da mata.
Em cada trilha da Reserva Natural é uma emoção
diferente para os visitantes. Na Trilha do Lajeiro a vegetação é de arbustos de
caules finos e espinhosos, mas na Trilha das Arapucas, onde os índios Karatius
tangiam o gado dos colonos para cair no precipício, é a mais longa e penosa das
caminhadas, mas compensa com uma vista deslumbrante do amplo vale e com direito
a ver um casal de urubus-reis maravilhosamente bailando no ar.
O
que mete medo nos visitantes são as histórias dos fantasmas que aparecem no
velho casarão do Seu Manoel de Matos, o choro de crianças perdidas na mata e
uma mulher de branco que perambula, agoniada e sem rumo, pelas trilhas da
reserva.
Alunos,
professores, pesquisadores, cientistas, programas de televisão, diariamente
estão por lá, e o movimento na Serra é um burburinho constante de visitantes.
Como
o Cânion do Poti, em Oiticica, os belíssimos Castelos de Pedras dos Tucuns e de
Buritizinho ou a Furna 47 em Nazário, a Serras das Almas é um patrimônio
ecológico dos Sertões de Cratheús, graças ao nobre Samuel Johnson e à cera dos
seus carnaubais.
Agradecemos
a todos os duendes protetores da Associação Caatinga, que possuem a mais nobre das
missões: Ser referência nacional no desenvolvimento de modelo integrado de
conservação da Caatinga através de ações de valorização deste rico bioma,
pautados nos nobres princípios da Paixão pela Natureza e do Profissionalismo
exemplar.
Como me falou o Guarda- Parque Marcos: “A
natureza vive sem o ser humano, Raimundo, nós, é que não podemos viver sem a
natureza!” Aproveito para parabenizar a belíssima Serra das Almas nos seus 15
anos de exuberância. E se você ainda não conhece, vá lá conhecer e me faça um
favorzinho, leve o meu abraço para a
mulher de branco.
Raimundo Cândido
Esta sua argúcia na observação dos fatos naturais,
ResponderExcluirenriquecida com detalhes esclarecedores,
revela sua oculta capacidade de atento botânico.
Estamos chegando a 8888_,
ResponderExcluirvai se repetir o algarismo 8 por cinco vezes
e 8 é a regência deste ano 2+0+1+5=8,
o significado dessa numeralogia?