O portal para a Serra da
Umburaninha fica na altura do Riacho do Mato, depois de percorrer 20 km no
asfalto, pela BR 404, entrei numa estradinha carroçável que penetra no miolo da
maior mata de sabiá que eu já vi, até chegar à localidade Saco do Punga. O
sabiazal do Purga vai se acabar, e rapidinho, pois observamos montes e montes de
estacas, de um lado e do outro da estrada, como se a Caatinga fosse uma grande
produtora de madeira. Os rebanhos de
bodes atrapalhavam a passagem e não foi só um não, foram diversos fatos, vistos
ao longo do caminho. Grupos de 300 caprinos enchiam os olhos. E haja bode!
O guia, Clementino de botas,
já me esperava na casa do pai dele, o Senhor João de Botas, no Punga. Mochila
nas costas, com água, um punhado de sal, barrinhas de doces e a máquina
fotográfica à mão, partimos rumo a mais um morro dos Sertões de Cratheús. E foram
muitos: Picôte, Mambira, Furna 47, Buritizinho,Tiririca... Agora era a vez da Serra
da Umburaninha ser escalada pelo Ribeira do Poti, um aventureiro de fim de
semana.
Já começou difícil, a subida:
a mata muito fechada pela invernada boa e o morro íngreme, todo revestido de
pedras soltas, representando perigo de se rolar serra abaixo, junto com os
blocos, além de não se ver onde pisava, pois o pega-pega, o quebra-faca
entrelaçado, a urtiga, o carrapicho, o mato rasteiro encobria tudo e podíamos
atropelar uma cobra, de uma hora para outra. Às vezes me agarrava no tronco de angico
ou de mororó para não descer mesmo. Bem, eu confesso, a maior dificuldade não
foi essa, foi ter que acompanhar o guia Clementino de Botas, acostumado a subir,
quase todos os dias, o morro atrás de bodes. Ele escalava muito rápido para meu
pulmão alquebrado e minha destreinada resistência, pelo sedentarismo de semanas
inteiras sem fazer exercícios. O guia subia a áspera rampa com tal desempenho,
que mais parecia um bode!
A visão que se tem do topo da
Serra da Umburanhinha é deslumbrante. Dos mirantes pétreos apreciávamos o
imenso tapete verde do sertão apatacado, aqui e acola, pelo brilho metálico de
um açude. Umburarinha é cercado de outros montes, mas não impede a visão
panorâmica de toda aquela região, de lá das alturas: Poço da Pedra, Várzea da
Palha, Curral do Meio, Palmares, Simião, Curral Velho e chega-se a avistar, bem
ao longe, no zoom da Nikon, a cidade de Cratheús .
A região é propicia para a
criação de bodes. Nas pedras altas a gente vê as marcas redondinhas que eles
vão deixando. E sobem a serra como se
caminhassem no plano, se fartam da verdura abundante, inclusive da rama do
mororó e, à tardinha, descem sozinhos, para seus respectivos apriscos, na base
da serra. Os bodes de outras regiões mais afastadas, às vezes, atraídos pela
visão atrativa do Umburaninha, chegam até lá. Sobem e não descem mais. Ficam
selvagens. - Esses, contou-me o guia Clementino,
a gente pega é a cachorro e no laço. Pronto. Quis saber logo da história de se
pegar bode no laço e em cima da serra.
- Na semana passada, Seu
Ribeira, notamos que tinha um bode selvagem aqui em cima. Era do Senhor Valmir
Leitão, do Riacho do Mato, na beira da pista. Primeiro a gente descobriu a
pedra onde ele ficava, para dormir e, no outro dia, subimos com os cachorros.
Cachorro de bode é muito treinado, Seu Ribeira. Ele não morde a criação, só faz
correr atrás e acuar em cima das pedras. Mas existem cachorros viciados em
pegar bode, esses não prestam não. Eu já vi inimizade grande entre vizinhos,
por causa de um cachorro assim. Quando os nossos cachorros pegaram a pista do
bode, no faro, partiram feito uns doidos, só se ouvia o estalar dos galhos
secos. Acompanhamos na mesma pisada, subindo rápido, senão o bode escapava e
ficava mais selvagem ainda. Pelos latidos e pela berraria chegamos ao enorme
bloco de pedra onde ele subiu para se proteger. Estava assustado, com os olhos
arregalados no rumo dos cachorros, que não paravam de latir. É nesta hora que a
gente tem que ser preciso, não pode errar no laço, que ele já está na indecisão
do pula num pula, para fugir novamente. É até mais difícil do que laçar um boi
no curral, pois não podemos fazer o giro para dá o rumo certo. Aqui, em cima da
serra, com árvores e muitos galhos, é fazer pontaria e jogar o laço no pescoço
do bicho.
À medida que contava a
história da pega do bode, o guia Clementino não parava de caminhar e não
quebrava um pau sequer a sua frente, abaixava-se, desviava-se dos galhos
espinhentos, caminhava pisando na ponta das pedras e eu o seguindo atrás,
ouvindo a saborosa narração e fazendo as mesmas estripulias para não ser
rasgado pelos espinhos ou não deslizar das pedras. Perguntei: - E aí, Clementino,
errou o laço e o bode fugiu, foi? Ele
parou, olhou para trás e afirmou, muito sério:
- Nunca errei a laçada de um
bode, ou de uma cabra aqui em cima, Seu Ribeira! E o bode que fica selvagem uma
vez não tem mais jeito não, tem que ir para o abate.
Tem um confrade da Academia de
Letras que sempre me insulta: - Tu estás é virando bode, Oh Raimundo. Só vive
atrepado nos morros e nas pedras, qualquer dia chega aqui na ALC é berrando!
Descíamos caminhado pela
encosta abrupta, vendo o precipício como que a nos puxar lá para baixo, como
fazem os caprinos, sem um pingo de medo de estar no topo da famosa Umburaninha,
a serra dos bodes.
Seu João já nos esperava no
Saco do Punga com um café bem quentinho. Despedi-me da família De Botas, peguei
a estrada pelo que ainda resta do sabiazal do Punga e, inconscientemente, como
aqueles refrãos de música que não saem de nossa cabeça, enquanto dirigia ia
ouvindo um bordão característico: - Béeee.... - Béeee.... - Béeee.... Olhei em volta e não vi um bode sequer, ali por
perto... Então, fiquei meio preocupado...
Será?
Raimundo Cândido.
O aventureiro vai se entranhando
ResponderExcluire abrindo picadas a facão,
a caminhar temeroso
por entre a ramada retorcida
que não lhe dá qualquer trégua.