sexta-feira, 31 de julho de 2020

Manoel Picolé – Carnavalesco.




Somos a terra do carnaval, do futebol e dos políticos ladrões, diz um dito popular que até já virou um seríssimo provérbio. Do futebol há muito perdemos a hegemonia, a perversa pandemia chinesa parece que vai detonar os carnavais, mas o político safado é o próprio desastre natural de nosso País. Um dia desse, vendo o carpinteiro e folião Raimundo Ferreira de Matos passando na sua bicicletinha, lembrei-me dos velhos carnavais de Cratheús. O Sr. Raimundo enfeitava sua bike com umas bugigangas estranhas, usava roupas rasgadas e um chapéu com rabo de cavalo, colocava uma mala na garupa e uma grande placa com os dizeres: “Expulso de casa” e saia pelas ruas acompanhando o Bloco Maravilha e Carreteiros e desfilava no mela-mela do Mandacaru e Tykerê. Alguém, com pena, até dizia: Coitadinho, foi expulso de casa! Era uma alegria pura os nossos velhos carnavais!

O carnaval é invenção do diabo, como dizem alguns religiosos, mas quem ama a folia da festa profana diz que é invenção da religião. Não sei! Sei que quem implantou o carnaval de rua em Cratheús foi o Sr. Manoel Rodrigues dos Santos, o saudoso Manoel Picolé. Um aventureiro corajoso, cidadão de atitude e coragem, valente bebedor de cachaça e tão valente que até a polícia tinha medo do homem trator, do boêmio nas noites frias dos cabarés, embora fosse um excelente artista de circo, um cultivador das tradições populares e um carnavalesco nato.

Manoel nasceu e cresceu em Tauá, onde o sangue de aventureiro começou a borbulhar nas suas veias juvenis. Resolve assentar praça no 23º Batalhão de Cavalaria, em Fortaleza, chegando a patente de cabo. Deu baixa e se viu sem ter o que fazer. Conheceu uma fábrica de picolés no centro de Fortaleza, encantou-se com aquela maravilha. Decide morar em Cratheús, para comercializar com a doce atração que aprendera a fazer. Colocara sua sorveteria vizinho ao comércio do Sr. Ferreirinha, na Rua Moreira da Rocha e o negócio ia de vento em popa. Ele mesmo saía vendendo os sorvetes, enfiados na ponta de palitos pelas ruas da cidade, com isso ganhou o apelido característico. Um dia, um fazendeiro desses encruados até a alma, desce do cavalo e comprar uma porção de picolés para levar para o interior. “E o senhor vai levar em que? ” Pergunta o Manoel. “ Embrulhe aí, num jornal! ” Respondeu o sujeito, rudemente, e assim foi feito. No outro dia o sertanejo chegou reclamando que só chegará lá os palitos.

Havia conhecido sua companheira num passeio de trem, local em que também vendia seus picolés. Já com os filhos, Agenor, Derléia e Antônio Luiz crescidos, o espírito de aventura lhe impulsiona a voltar à orirem: Tauá, onde ingressam no Circo Jandaia. Manoel agora era mágico e com uma varinha de condão acendia lamparinas, era também domador das duas onças pardas Jane e Diana, mas o número mais perigoso era quando ele chamava alguém da plateia e entregava uma espingarda para atirar na sua esposa que se servia de alvo. Ele contava: Um. Dois. Três. Atiraaar! A pólvora e os chumbos tomavam conta do ar, mas aparecia era uma flor branca no bolso da Dona Maria Picolé. O circo perambulou pelas cidades de Crato, Juazeiro, Barbalha e Missão Velha, mas chegou ao fim e eles tiveram que rumar novamente para Fortaleza e a pé, passando necessidades.     

Um certo dia Manoel volta, novamente, à Cratheús e como cultivador das Tradições Populares implanta o costume do Enforcamento do Judas por essa região. Já morava em frente ao Cemitério São Miguel e ao lado Campo Santo enfinca o mastro da forca. Ele mesmo fabricava o boneco de pano, vestido com suas roupas velhas. O judas era colocado num carrinho de mão e conduzido por um “padre”, um “juiz” e um “soldado” pelas ruas de Cratheús, apregoavam, por onde passavam, o seu julgamento, a sua condenação e a queima na forca pelo seu falso beijo e seu crime vil de traição. Depois de julgado e condenado ateavam fogo nos trapos de boneco dependurado no mastro e não faltava quem, da plateia, puxasse de uma arma e disparasse tiros no Iscariotes traidor que mostrou, numa lição bíblica, que a traição é inerente ao ser humano. E lembrei-me de um amaluco poeta: “Quando lhe jurei meu amor, eu traí a mim mesmo...”

Viver é a maior aventura que existe e Manoel Picolé tentava viver como sabia, preenchendo sua existência com peripécias e aventuras. Havia assistido o desfile do bloco Mandacaru Az de Ouro, em Fortaleza, então resolve criar o seu próprio bloco: o Az de Espada. O Maracatu estava dividido em dois blocos, um com os foliões totalmente pintados de negro e o outro fantasiado de empenados índios, seminus, que desfilavam pela cidade, passando pela coluna da hora e iam até a Praça da Estação, entoando músicas de carnavais para alegria do povo que ficava nas calçadas para ver passar o Bloco do Manoel Picolé, nosso primeiro carnavalesco.

Nas vésperas de um carnaval sofreu estrangulamento de uma apendicite e foi operado às pressas.  Manoel não se conteve, não se resguardou e saiu com o bloco na rua, fumou, bebeu e pulou... Sua saúde se complicou. A mente do aventureiro tresvariou e ele sonhou que ainda era cabo do 23º Batalhão. Abandona a família e segue sem rumo, sem prumo e sem ponto de apoio. Num dia chuvoso, em Fortaleza, uma enfermeira nota uma pessoa caída na calçada do hospital onde trabalhava. Avisa para o Dr. Valdir, que decide olhar o que é aquilo. O doutor, irmão do nosso querido e saudoso bodegueiro Valmir da Frei Vidal, reconhece o famoso Manoel Picolé naquela difícil situação. Recolhe o valente aventureiro e tenta socorrê-lo, mas em vão. E naquele dia era chegada a decisiva “quarta-feira de cinzas” para o corajoso aventureiro Manoel Rodrigues dos Santos, o nosso carnavalesco Manoel Picolé, agora um folião de alma livre, como um triste pierrô, no carrossel das ilusões do inexplicável universo. 

 

Raimundo Cândido.






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