segunda-feira, 19 de abril de 2010

UM TEOREMA DA COMPLETUDE

Demorei a escrever esta breve apresentação. Era como se a suave e poderosa voz interior imperativamente me ponderasse: ‘Calma!’. E me rendi à morosidade... Até porque quando gostamos de algo ou alguém nos inclinamos a demorar ao seu lado. Envoltos na atmosfera do afeto, sob a brisa deliciosa da satisfação, temos a tendência de esquecer o tempo. Por isso os antigos ensinavam: “a pressa é inimiga da perfeição”. Quando a gente se apressa para se ver livre de algo, é porque aspiramos esquecê-lo. O romancista Milan Kundera defende que “há um elo secreto entre a lentidão e a sabedoria, entre velocidade e esquecimento”.


O certo é que, paciente e tranquilamente, gostei deste livro. Aliás, já estimava o seu autor. Conheci o ourives que poliu estes versos, Raimundo Cândido Teixeira Filho, o Raimundinho, no Externato Nossa Senhora de Fátima, escola fundada por sua inolvidável genitora, a mestra Maria Delite Menezes Teixeira. Já divisava nele o olhar elevado, capaz de sobrevoar o trivial e atingir o transcendental. Depois, viramos colegas no ofício de magia e mistério chamado magistério, na Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio. Ultimamente, o magnetismo dos fonemas da poesia nos reaproximou e nos fez sentar em assentos próximos na Academia de Letras de Crateús.


Raimundinho é um desses raros seres que cultivam a invulgar habilidade de se comunicar pelo silêncio. É. Pouca gente consegue, nesse mundo veloz e loquaz, se comunicar sem nada falar. Tal Chaplin, mestre do cinema mudo, ele se recusa a ser máquina. Para se afirmar Homem. Homem é. Com o amor da humanidade latejando na alma.


À Pitágoras, este poeta é matemático. E filósofo também. Como sói acontecer com os que se danam a pensar e viram amigos do saber, haverá quem o considere estranho ou esquisito. No entanto, adianto que só alguém conhecedor desse naipe precioso é capaz de nos brindar com um , Teorema pra nos tanger e outras (esquisitices).


Neste livro, diamante geométrico, Raimundinho faz um passeio singular pela “matemática existencial”: vai ao poço fundo dos nossos poetas profundos (Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, João Cabral de Mello Neto), toca outros clássicos (como Guimarães Rosa), homenageia heróis que povoam a nossa memória (Peter Pan) e saúda ídolos que driblavam a apatia dominical, como o ‘galinho de Quintino’, Zico.



Entretanto, as formas mais delicadas de construções poliédricas foram reservadas para os cubos autobiográficos.
Em ‘Bodega’, ele observa que:


“Só a velha balança parada

Com os pratos vazios

Ponderava o que havia

De sabor no denso langor

De algo invisível a indicar

Que a tarde se dissipava

Pesarosa a chorar...”


Em ‘Periplaneta’, o anátema ao inseto:


“Mas a barata é um patife

Covarde no ínfimo ato,

Passa sebo nas canelas

Ao pressentir meus sapatos!”


É óbvio que partidas precoces, como a da irmã Gláucia, abalaram as formas básicas do sólido familiar. E ele registra em ‘Transmutação’:


“Ah, instante atroz,

Que ti invoca em ir!

Logo agora...

Fruto enraizado

Na imensidão

De um verde florir?”


Iniciado no átrio da sabedoria, sente uma ponta de angústia e se entedia com a mediocridade mundana. Desabafa em ‘Fastio’:


“Ultimamente,

tenho carregado demasiado peso:

ausências indefinidas,

presenças indesejadas

e saudade de um doce sal

que jamais provei!”


Este é um teorema que nos tange para os vértices da alma triangular da profundidade. Pitágoras afirmou que ‘todas as coisas são números’. E, dentre os números, o três simboliza a completude: a comunhão perfeita, a Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Jesus, Maria e José – a sagrada família. Também: liberdade, igualdade e fraternidade; presente, passado e futuro; luz, trevas e tempo; nascimento, vida e morte; ou ainda sabedoria, força e beleza.


Com indisfarçável alegria assisti a estréia do Raimundinho nos palcos literários com Karatis, seu primeiro pergaminho poético. Agora, nos mimoseia com este livro, que contém 58 (cinqüenta e oito) poemas. Coincidentemente, tirando 5 de 8, temos 3. Portanto, completo sob todos os ângulos.


Saúdo-o com um tríplice cumprimento poético!



(Por Júnior Bonfim – prefácio do livro , Teorema pra nos tanger e outras (esquisitices), de Raimundo Cândido, acadêmico da ALC).



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