Elias de França
Tenho um desarranjo em mim
Mal de nascença ou vício de hábito, não sei:
Meus dois lados não se entendem, são pólos em conflito.
Em essência, sou destro pelas esquerdas
E adquirido às direitas.
Minha esquerda é pulsante, sucinta, alada;
A direita gestante, parida, arada.
A Esquerda corre na frente apressada;
A direita rasteja tangente, a esmo.
O olho esquerdo desgastado, caolho;
O direito descansado, abrolho.
A minha macheza esquerda é roncolha;
A direita é fêmea por escolha.
O ouvido esquerdo vazado, mouco, fajuto;
o direito astuto,
assaz aguçado.
Meu lado esquerdo é cansado,
Dilacerado das traquinices tantas,
padece senil, esclerosado;
O direito dissimulado,
pousando de jovial, banca o varonil.
O lado esquerdo se aventura no desconhecido;
O direito passeia descontraído.
O esquerdo faz e aproveita;
O direito espreita come e deita.
A Face esquerda leva o bofete;
A direita é oferecida.
Quando tenho febre, meu lado esquerdo é o primeiro a arder;
Já na cura, o direito extravasa todo o suor de alívio.
O lado esquerdo sempre está alguns meses mais velho,
com uma ruga a mais no semblante;
O direito sempre tem de hábil um item em falta.
O esquerdo sempre um ai a mais de dor,
enquanto no direito sobra um gracejo, um vigor.
Penso que, ao fim, não hei de morrer de vez, por inteiro:
Um dos ventrículos do coração há de parar primeiro,
Deixando de irrigar do gás vital a cinzenta massa do amor,
Enquanto o eu razão resistirá agonizante.
Morto o coração, o fígado arquejará até o ultimo suspiro
abraçado ao pedaço de pulmão mais próximo.
E no cemitério faltará terra para sepultar uma das bandas,
ou, talvez, o coveiro esqueça minha mão direita fora do túmulo,
a acenar minhas despedidas póstumas aos parentes
E dando pitoco aos curumins travessos.
Se outra vida houver, com céu ou inferno como morada,
a esquerda há de ser elevada
e a direita se deixará cair nas profundezas, no fogo eterno assada.
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