Maria da Conceição Rodrigues Martins (Nêga)[1]
Quem de perto conhece meus sentimentos, minhas crenças e defesas de mundo sabe que por batismo sou Maria da Conceição, uma mulher de fé, de amor, que busca alegria com o amparo da verdade, pois creio na objetividade proposta pelo materialismo histórico. Popularmente ou afetuosamente sou Nêga, assim mesmo, com acento, uma entusiasmada pela terra Crateús, apaixonada pelas letras, pela poesia, pela cultura e pelos amigos.
Assim é insistente minha busca em unir esses elementos, para mim, imprescindíveis, a outra tão presente e importante paixão que carrego: a educação ou Educere, tirar de dentro ou ainda a arte de partejar como sugere o mestre Paulo Freire[2].
Pois bem, existe um grupo em nossa cidade que propiciou-me esta alegria do partejamento, juntando em um só caldeirão: sentimentos, trabalho, conhecimento, alegria e beleza. O Bloco Tykerê é o nome dessa rica mistura. Com as pessoas que compuseram esse grupo até o ano de 2006. Estudei, dancei, aprendi, criei, inventei, chorei, briguei, comemorei... Fiz muitos amigos e alguns poucos oponentes. O fato é que o Tykerê tornou-se junto com seu principal adversário, o Bloco Mandacaru Beleza, um grande diferencial para a cultura da região, revelando talentos, profissionais competentes, sensíveis e criativos. E como nasceu tudo isso?
O ano era 1998, o sonho: montar uma fábrica de alegria; o desafio: recuperar uma das festas mais populares de nosso município, que durante algum tempo demonstrava sinais de cansaço, beirando ao descaso até surgir um gestor capaz de nos dizer em palavras e ações que “cultura faz bem”.
Nesse período propício à criação reuniram-se artistas, professores e empresários, pessoas advindas dos grupos Sepultura e Tá tudo serto. Dessa união nascia o grupo cultural Tykerê, um bloco louco por você. Juntos, trabalhamos (muito), estudamos, festejamos (muito) e criamos uma nova forma de fazer carnaval. Numa inusitada receita unia-se à proposta das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro com os moldes das grandes micaretas baianas.
Com carros alegóricos, fantasias luxuosas e coloridos abadás, cantamos em 1998 a alegria e o talento da professora de arte educação Rosa Moraes; alertamos sobre a poluição do velho Poty no ano de 1999; em 2000 fomos convidados a festejar os 500 anos de Brasil, uma festa verde amarela e todas as outras cores ; em 2001 foi a vez de destacar os 50 anos da TV brasileira. Quem não lembra da alegria de ver o Dedé Loyola e o saudoso Aldileno no Cassino do Chacrinha? Em nossos desfiles todos os sonhos eram possíveis.
Em 2002 ousamos vestir a alma de branco pra vida ter cor e de forma poética cantávamos a paz no mundo e na nossa aldeia; uma pomba gigante atravessava a avenida. Todavia foi no ano de 2003 que emocionamos o público e um dos jurados, Gilmar de Carvalho, que vibrou lá dos camarotes, enquanto cantávamos e dançávamos na avenida: Cata rima, catavento, cata verso, canta meu Tykerê poesia e paixão (FRANÇA; MARTINS 2003)[3]. Cantamos naquele emocianante desfile a obra de Patativa do Assaré, noite em que a poesia popular ganhou brilho e movimento.
Em 2004, aventuramo-nos no estilo boêmio das noites crateuenses, embalados pelos versos do poeta Elias de França que nos dizia: na cidade sou cigarra, sou artística, meu Crateús é meu cantar, cidade à beira do Poty onde a Boemia se banha ao luar. Assim cantamos a boemia, fazendo a cidade lembrar que o famoso Club Beira rio já não estava mais lá.
No ano de 2005 a maioria dos componentes do Tykerê optou por não participar da Carnafolia e somente no ano seguinte, cantamos o jeito baiano de viver, amar e escrever com Jorge Amado. Eita Jorge letrado bailado, eita jeito baiano de amar Tykerê que também é amado vem todo pra te cantar... (FRANÇA ; MARTINS 2006)[4]
Foi somente no ano de 2007 que nosso Tykerê conseguiu por meio de uma justa e questionada homenagem levar para avenida um significativo número de foliões. Com o enredo o Dom do mundo, um dom de amor, fez na avenida um verdadeiro tributo a Antonio Batista Fragoso, o nosso dom e naquela noite foi tão bonito se ouvir a canção, cantada de novo... o próprio Zé Vicente veio para cantar e testemunhar tanta emoção.
Outros enredos foram cantados como os quatro elementos fundamentais da natureza (2008); a África mãe de todos nós (2009); o Velho rei do cangaço (2010) e a escritora Raquel de Queiroz (2011). Enfim diversos temas que motivaram não só a alegria por se tratar de uma atividade lúdica, carnavalesca, mas que conseguiu de forma didática gerar conhecimento, educere, tirar de dentro das pessoas novas sedes e aprendências, para mim algo fundamental em um feito artístico.
Muitas são as histórias e as pessoas que merecem aqui serem citadas, mas temo ser injusta com alguém que tenha madrugado em nome da alegria, da cultura e da estética, por isso destaco dois nomes representativos durante pelo menos uma década dentro do grupo de amigos que fiz no Tykerê, notadamente, Cicy Macêdo e Osvaldo Melo.
Ela, pela sensibilidade, habilidade e competência técnica na área artística. Sem o talento da nossa Cecy não teríamos tido tão lindas baianas, pierrôs e colombinas no asfalto que virou palco lírico de seus figurinos que misturava o rústico, o lixo e o luxo. A ela devemos muito.
Ele, o Osvaldinho, por seu empreendedorismo e senso de organização que foi fundamental para que o bloco ganhasse destaque para além das terras de karatius. Muitos afirmavam que o Tykerê não era bloco, e sim uma empresa. Com todo esse grupo de gente apaixonada por festa , encontros e alegrias, podemos afirmar que o Tykerê tornou-se mesmo foi uma fábrica de sonhos e de amizade. A cada ano, um carnaval bonito, alegre, mas – sobretudo – organizado. Graças à liderança e ao carisma do Osvaldinho e a partir de seus ensinamentos não podíamos mais fazer arte distante de um planejamento financeiro.
Por fim, asseveramos que o Tykerê foi e é; hoje com novas lideranças, novos olhares e também novos talentos, um grupo de pessoas unidas pra fazer carnaval e dizer que esta festa também pode ser permeada de educação, competência, afeto, sentimentos latentes e muita fé. Assim é o Tykerê, um bloco louco por você. [1] Mestre em Educação (UECE). Professora substituta da Faculdade de Educação de Crateús (FAEC-UECE); ex porta bandeira do Bloco Tykerê
[2] Paulo Freire educador nordestino reconhecido internacionalmente por ter estruturado a Pedagogia Libertadora.
[3] FRANÇA, Elias de. MARTINS, Maria da Conceição Rodrigues. Poeisa e Paixão. 2003.
[4] Elias de França e Maria da Conceição R. Martins . Jorge, letrado bailado ...amado (2006)
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