terça-feira, 27 de setembro de 2011


                                                     Sinal de Modernidade




Uma elegante ciclista parou ao lado do meu carro, um velho Del Rey que às vezes está assim meio esbranquiçado. Olhei com uma concentração displicente, de quem olha por olhar e esquece o que viu. O corado sinal de trânsito até refletia a impetuosa luz do dia. 
Parou?! A bicicleta parou? Olhei novamente, bem rápido e constatei o fato interessantíssimo. Aquilo vinha, inconscientemente cutucando meus neurônios, mas não dava bastante atenção ao fenômeno incomum para minhas retinas, de que a modernidade se instala também e lentamente nas ruas como uma obediência civil no tráfego, com seus pululados automóveis, imprevistas motos e imperceptíveis bicicletas.
E logo me veio uma frase bem conhecida, que sempre lembramos quando temos que nos sujeitar a uma lei: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo!
Estar subordinado a uma autoridade é coisa antiguíssima, desde Leônidas, o Rei de Esparta, que para defender o desfiladeiro de Termópilas, obedeceu regiamente à lei de sua consciência e foi combater com seus 300 espartanos à sombra das flechas de Xerxes que obscureciam a luz do Sol e facultou colocarem em seu epitáfio a frase: “Viajante, anuncia em Esparta que aqui permanecemos em obediência às suas leis.”
Crateús não é uma terra sem leis, mas já quis ser, época em que lugar algum havia um comando eficaz, lugar algum havia uma séria obediência, como naqueles filmes que retratavam os tempos de um indomesticável bangue-bangue. Havia sim, mil desejos de libertação, de uma liberdade de escolha que é a nossa única riqueza.
  Numa aventura de desbravadores, os membros da Academia Crateuense de Letras saímos rumo a Oeiras, a nossa primeira capital, atrás de um elo perdido lá do começo da nossa história. Fomos achar algo interessante na cidade de Teresina, nas prateleiras do Arquivo Público do Estado do Piauí. Infelizmente conservaram no tempo e no espaço somente casos de polícia, caixas e mais caixas de documentos amarelados, esfarelando ao tempo, contando o nosso abandono em meio a um velho faroeste.
Na época, um Inspector de Polícia da Villa Imperial mandava um offício a Oeiras:
 “A despeito das ordens terminantes da Presidência (da Província) tenho observado virem de Oeiras sempre que tem que responder ao jury neste termo, criminosos de grande importância como Gaudêncio Ribeiro Mello e Pedro Ribeiro Mello completamente soltos e até montado em bons cavallos, com o maior perigo de se evadirem no caminho, sendo que as autoridades daquelas localidades são as próprias que permitem semelhante abuzo, e por que eu não desconheça quanto pode ser isto fatal à causa da justiça e o prejuízo que traz à moralidade pública tratando com tanta distinção a criminosos de tal natureza, o segundo dos quais até se acha condenado pelo jury à pena capital, afirmo-me levar a conhecimento de Sua Exª para que designe providenciar a respeito.
Deos Guarde V. Exª por muitos anos.
Principe Imperial, 17 de novembro de 1853. ”
            O sinal vermelho muda automaticamente para um verde fusco, indicando que podemos seguir em frente. Deixo o ciclista partir, com referência ao cidadão que sabe da faculdade que cada um tem de se decidir segundo sua própria determinação, mas que obedecer é um primeiro sinal de modernidade.

Raimundo Candido

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