domingo, 30 de outubro de 2011

                                                          Estecom – Setentas Lamparinas

Quem se achava naquele amplo pátio, onde já corria uma leve brisa noturna, se embevecia ao ver os corredores sempre superlotados de joviais alunos, tão logo um aguardado sino soava, avisando o intervalo. Ali, naquela febril algazarra estudantil, foi onde realmente teve inicio a nossa firme cidadania.  Antes de ser uma cidade culta e amadurecida, Crateús foi ao colégio. Adquiriu na Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio, quase todo o centenário tesouro antropológico e cultural que se funde com o que aprendemos, com o que projetamos, com o que sonhamos e vivemos desde aqueles duros anos de bancos escolares, norteados por inesquecíveis mestres e o mais influente deles foi, sem duvida, o inexorável tempo.
A Escola Técnica apaga, nesse cálido ano de 2011, setenta árduas velinhas, que as ouso chamar de “As Setenta Lamparinias” em homenagem a um dos momentos mais grandiosos promovido por seu corpo discente, na figura de seu grêmio estudantil, pois se atreveu a existir numa época bastante difícil, que nos faz recordar a morte de quatro estudantes: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, inspirando a revolução constitucionalista de 1932 e que acabou desabando na passagem da Coluna Miguel-Prestes pela nossa terrinha, numa grande façanha de uns poéticos revoltosos.
No dia 1º de abril de 1964 um golpe militar derruba o presidente João Goulart, estava instituída a famigerada ditadura militar. A resistência a essa aberração só existiu pelos atos heróicos proveniente da corajosa alma estudantil, no qual muito foram presos, foram mortos ou simplesmente desapareceram como uma leve fumaça no ar.
Crateús era espreitada noite e dia, por causa do eminente, singular e “ameaçador” Bispo “Comunista” Don Antonio Batista Fragoso.  Época em que a nossa luzidia energia elétrica advinha de um potente motor a óleo. Alguém, pontualmente às 22 horas, o desligava para que os cidadãos pudessem repousar e ainda fazia um receoso sinal para que os seres noctívagos começassem a vaguear pelos cantos de nossas casas e pelos recantos de nossas mentes, já que na claridade do dia nos sobrava o que se temer. 
O dia-a-dia seguia bucolicamente simples quando um digníssimo prefeito enviou uma mensagem para a entediada câmara dos vereadores, que a rejeitou por algum motivo escuso e que feriria os seus interesses, levando o nosso gestor crateuense, Dr. Olavo Frota, a tomar uma brutal atitude ditatorial, trancar a Casa de Força e jogar a chave lá dentro. Ficamos as escuras, entreguem às figuras de nossos pesadelos noturnos, já que as aflições diurnas sobravam pelas esquinas. De qualquer reunião, mesmo sem nada urdir, logo chegava o seu desfecho às ouças militares, pois era também uma época de gratuitos dedos-duros, de vis delatores.  
            O Grêmio Estudantil da Escola Técnica, tendo como Presidente um inteligente jovem chamado Neto Gonçalves, a Vice-Presidência era exercida pelo tranquilo Manoel Messias Coriolano e na Oratória Oficial, já treinando sua famosa eloqüência, o dinâmico Juarez Leitão, resolve tomar providências urgentes. Conspiram em surdina, tramam uma inusitada PASSEATA DAS LAMPARINAS em protesto ao ato insano de se jogar na escuridão esta terna cidade que estava a necessitar, como o restante do país, de muita luz. Centenas de alunos preparam suas lamparinas como uns luzidios mosquetões de guerra. Mas tão rápido quanto telegrafia, a noticia chega aos ouvidos da caserna.
            O Neto Gonçalves estava bem nervoso quando o ordenança de um poderoso coronel chegou a Radio Educadora, local onde trabalhava, para o levar. Manoel Messias corre para avisar o restante do grupo. O Coronel já abanava o dedo em riste no nariz do pobre Neto, lhe impondo as ameaças de mil doloridas borrachadas nos lombos, quando de súbito uma porta se abre, era o restante do grêmio estudantil da Escola Técnica, que vinha em seu socorro.
            — Que é isso, Coronel? Para que tanta pancada num pobre homem, doente e raquítico, divida tudo isso conosco, dá menos pancada para cada um.   
            Era o Juarez leitão soltando sua persuasiva lábia para convencer o coronel a não cometer a atrocidade de bater no Neto. Quem tem o dom da oratória leva consigo uma varinha de condão, com a propriedade de desfazer o não e de negar o sim como num passe de mágica. E aos pouco tudo foi se acalmando, de tal modo que já estavam até tomando um gostoso cafezinho trazido pelo mesmo ordenança que tinha ido buscar o Neto.
            O Militar pede aos gremistas que não realizem a tal passeata das lamparinas, o estudante Juarez indaga: — O que o senhor nos garante, coronel?  Responde de imediato o oficial: — Garanto que, bem antes da passeata de vocês, já tenho arrombado a casa de força e ligado a energia. Manda o ordenança levar os meninos de volta para que impedissem a marcha das lamparinas, a tempo. Muitos militares já estavam nas ruas, de prontidão e com poderosas metralhadoras nas mãos.
            Centenas de estudantes também já os aguardavam na praça da matriz com suas lamparinas acesas, e ali mesmo no monumento chamado pitoco do Seu Raimundo Bezerra, as depositaram, com suas bruxuleantes luzes a clarear o bojo de uma época em que ainda estava por vir carregada com muita escuridão.
            Pelo setuagenário ano da Escola Técnica de Comércio Padre Juvêncio, a nos lembrar do sábio sacerdote que lhe emprestou o nome e que gostava de beber água das fontes puras e cristalinas, proveniente lá das nascentes dos Tucuns, esperamos que a Escola continue sendo essa pura fonte de sabedoria e coragem. E também para que a luz se fortaleça em cada flamulazinha que se amolda hoje, em seus bancos escolares, como aquelas outras esperançosas lamparinas que continuaram clareando na escuridão, é o que sinceramente desejamos, por mais setenta vezes sete, as abundantes forças em prontidão para que a renomada Estecom prossiga, sempre a nos iluminar.

Raimundo Candido
          Paulo Nazareno. disse...
Obrigado Raimundinho. Vai nao vai nos presenteia e nos ilumina.
          João Silas Falcão Soares disse...
Poeta, muito interessante receber estas informações sobre a Passeata das Lamparinas. Outra vez, parabéns.

2 comentários:

  1. Obrigado Raimundinho. Vai nao vai nos presenteia e nos ilumina.

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  2. Poeta, muito interessante receber estas informações sobre a Passeata das Lamparinas. Outra vez, parabéns.

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