quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Ilhota - A Ilha das Cobras
              Quando minha vida era longa e podia desaproveitar meu tempo, deslumbrava-me com as ilusões da ILHA DA FANTASIA, um piegas seriado de TV. Tudo acontecia naquela paradisíaca ilha, qualquer inalcançável desejo ocorria por intermédio do poder das moedas que tilintavam no bolso do senhor Roarke, sempre acompanhado de um simpático anãozinho, o pequeno Tattoo.
           Enquanto houver ingênuas crianças e quiméricos poetas existirão os (ir)realizáveis sonhos e as delirantes fantasias.
               Pela janela em que vejo o mundo a girar, sintetizo uma luz mítica com o pó real da vida e alterno os elementos concretos com os entes abstratos de um céu azul, colado ao cinza da terra que compõem a natureza cósmica a configurar todo o paradisíaco ar que respira meu ser.
              Pelas asas ritmadas da poesia, certa vez, voei à ILHA DA MAGIA, a encantada Florianópolis, exuberante beleza em forma de cidade. Dizem que a beleza das coisas está no espírito de quem as contempla, consinto. Aguardo que as mesmas emplumadas asas me levem, algum dia, a São Luis do Maranhão, a ILHA DOS AMORES. O amor que deifica os homens e humaniza os deuses, admito.
              As ilhas são formas vivas, nascem, crescem e, ao criarem raízes, geram um monte de terra, ganhando altura e ultrapassando a linha da água, mas nunca morrem, parece-me! Embora arqueado pelo peso da minha solidão, isolado em mim mesmo, não sou uma ilha, mas conecto-me com elas, por uma estreita ponte de admiração.
              Como uma grande serpe de vidro, o Poti desenrola-se, enrosca-se no leito e corre veloz. Salta, como um escoiceante cabrito, a barragem que o sufoca. Livre, escorrega sob as firmes pontes do batalhão, e debanda, já deixando saudades no Poço do Padre. Um diedro sólido, como uma afiada cunha, racha-lhe a fronte formando dois longos braços fluviais que enlaçam a Ilhota e se alastram imensos, para abraçar toda Cidade Nova, a magistral Ilha. E vão unir-se, de novo e vertiginosamente, no estreitamento pétreo da goela para seguir seu fatal destino de rio e desaguar em pleno mar.
               Naquele dia, o filho caçula de Seu Manoel Bem-Te-Vi, com um estilingue na mão, caçava rolinhas nas matas da Ilhota. Pelo chão desliza uma vil cobra, o insensível instinto sibila avisando o inocente do perigo. Um bote certeiro o alcança. A família Bem-Te-Vi, o Zé, o Raimundo, o Seu Manoel, todos os Bem-Te-Vis soberanos daquele delta sem foz, mas de permeio, abalam-se e debandam como o Poti, por não mais vêem uma poética beleza na Ilhota que marcou época. Agora, é só a ILHA DAS COBRAS.
               Como na ilha de Queimada Grande, no litoral paulista, destruída pela serpente mais terrível e letal do planeta, a jararaca-ilhoa Bothrops insularis – que dizimou até os fugidios pássaros, inclusive os onomatopéicos Bem-Te-Vis.
                A quem diga que aquela cobra da antiga Ilhota, ainda reside por ali, infiltrada no meio de sua gente. E é esperança do povo que ela um dia morda a língua e venha a perecer com seu próprio veneno.
                No único logradouro da Ilhota, a Rua Juca Morais, avistamos uns grupinhos de desocupados, ociosos por vocação, aguardando um tolo que lhes pague uns tragos, e ainda dizem que moram no quartel geral da cachaça.
                O grande filosófo Lao Tsé, na obra Tao Te Ching, O livro do Caminho e da Virtude, que em chinês grava-se assim 道德經, disse: “ Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão”.  Rua Juca Morais, a Ilha das cobras, da ignorância ou da ilusão? Quando um cidadão está mergulhado na mais profunda probreza que entorpece até o espirito, não percebe nem a queda nem o coice. E pressinto o faro de gaviões se aguçando, para um grande tesouro enterrado nesta inconcebivel inconsciência, a infame compra de votos,  que gera injustiça sobre injustiças. Sinto o cheiro de estrume, semelhante ao da vacaria ali ao lado, e um capataz a tanger os votos de cabresto, para um velho curral eleitoral.
              A Ponte de Ferro da Estação, que suspende os serpenteantes trilhos sobre o Rio Poti, une-me a uma Ilhota que busca ser feliz, mesmo com vagas esperanças e todo o desespero comum à raça humana.  Ali, pessoas decentes, arduamente também trabalham e calam, pois falar é difícil quando não se tem um vocabulário ou uma “voz” para exprimir uma dor acostumada. E mesmo, verdadeiramente se expressando, com os olhos, com as mãos ou com a alma, um gênero desumano chamado político, não os ouve!!!

Raimundo Candido


Um comentário:

  1. De Cratheús para o mundo, eta cândido Raimundo!
    Bem sei que a rima não é obrigatória, mas esta me saiu sem querer... A sua prosa poética me fascina e me delicia com seu saboroso gosto. Ainda mais temperada pelo engajamento da sua solidariedade para com os mais humildes. Algum dia esta voz isolada vai ser ouvida pelos poderes competentes, tomara que seja logo.

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