domingo, 2 de dezembro de 2012

Heróis – Nós temos sim senhor!


                                              (Em nome do agente ferroviário Antônio Cândido homenageio à todos que fizeram a história da REFESA. 12/ 12/ 1912 ____12/ 12/2012)


Das árduas circunstâncias do dia-a-dia emerge o imprevisto herói ou um insensível e inerte personagem da história. O verbo agir, do vocábulo latino agere – aquele que atua, que aciona, opera e faz – sempre determina, como um carimbo, os momentos que ficam estampados nos textos áureos da volumosa obra da humanidade. Agir, no momento exato, é tão crucial que fixa uma possibilidade, entre infinitas outras, rumo ao futuro que se supõe incerto. A conjugação deste precioso verbo é tão importante que devia ser repetida a exaustão, ano após ano, incutindo toda força psicológica na consciência das crianças, que lentamente amadurecem nos bancos escolares. Aos atos heroicos ou às condutas pusilânimes também se regam como se água uma frágil plantinha de um jardim. Assim, a tendência altruísta vai se fortalecendo, de grau em grau, na índole de um cidadão.

Foi o impulso da índole que fez com que a coragem do jovem Peter colocasse o dedinho num orifício que jorrava água de um enorme dique de proteção das inundações do mar, salvando a Holanda. Depois de uma noite solitária e uma frienta madrugada, com o dolorido braço começando a ficar dormente e nenhuma resposta aos gritos de desespero: – Socorro! Alguém venha até aqui! Ele repetiu incansavelmente as suplicas chorosas: – Será que ninguém vai vir? Mãe! Mãe! E no clarear do dia, aquela região que fica abaixo do nível do mar, tinha um herói para aclamar!

Foi o impulso da índole que fez com que aquele pai na interiorana cidade de Paiçandu, no Paraná, salvasse o filho. A BR-467 é sempre movimentadíssima e no acostamento está ele a segurar a mão do menino de três anos. A irrequieta criança se solta e corre para atravessar a pista. Num automático ato de coragem, o pai o alcança e o joga no acostamento. A moto desesperada atropela o bravo senhor, que não resiste à pancada e ali mesmo, ensanguentado no chão, dá adeus ao filho pequenino.

Foi o impulso da índole que fez com que o sargento Sílvio Delmar Hollenbach, sem pensar nas consequências, pulasse no fosso das ariranhas do Jardim Zoológico de Brasília e salvasse uma criança que estava pestes a ser devorada pelas feras. O militar morreu, mas tornou-se um herói sem ter que ir para a guerra. No outro dia o jornalista Lourenço Diaferia escreveu uma crônica “Herói Morto”, dizendo que o sargento é que era o verdadeiro herói e não Duque de Caxias. O redator foi preso porque o Exército Brasileiro considerou o texto uma ofensa às Forças Armadas.

Foi o impulso da índole que fez com que um avô, o Senhor Joaquim, se atracasse com uma sucuri de cinco metros para salvar o netinho Matheus que já estava sendo estrangulado pela mesma. Um córrego da cidade de Cosmorama, interior de São Paulo, deságua numa imensa represa de onde a cobra subira para caçar. O avô obstruiu a boca da serpente com tijolos e pedras, salvando o neto que já desmaiara.

Foi o impulso da índole que fez com que Jordan Rice, de treze anos de idade, insistisse para que o bombeiro salvasse primeiro seu irmão Blake, de dez anos e a sua mãe. O carro deles fora arrastado para um caudaloso rio, numa das piores enchentes da Austrália, em 1967. As águas torrenciais levaram o jovem Rice, que superou o primeiro degrau do heroísmo, vencer o medo, mesmo sem saber nadar.

Nos Sertões de Crateús, o ano de 1967, também fora de uma quadra invernosa particularmente pesada. As chuvas não davam tréguas para que o solo desencharcasse no calor do sol e as plantas realizassem uma salutar fotossíntese. Quase toda lavoura estava ameaçada, todos os açudes já haviam sangrado, e o Rio Poti invadia as ruas próximas do seu leito, locais que são seu por direito.

Na noite alta de domingo do dia 23 de abril, mês dos ápices dos bons invernos, todos os moradores da fazenda Pastos Bons do Senhor Eduardo Melo estavam numa preocupante expectativa, pois a grossa chuva que começara à tardinha não dava sinal de esperado fim. O sangradouro, que fora providencialmente alargado, não dava conta de liberar tanta água com uma lâmina já lambendo rente ao topo da parede.

Precisamente à meia noite o Antônio Pequeno ( Antônio Cavalcante Morais, um dos moradores do lugar) sai à porta da bodega do jovem Mesquita Torres, filho do Seu Melo, e vê o destroço das águas revoltas arrancando de rojão os pés de bananeiras na vazante  abaixo da parede do açude, que já havia se rompido.

Grita para a esposa de Seu Eduardo Lima: – Eita, Dona Jandira, agora o açude véio arrombou mesmo!  Todos viram, com os olhos de espanto, quando num instante a água em turbilhão impetuoso chegava à calcada das casas e arrastava na força bruta o pontilhão da linha férrea, ficando somente os dormentes e os trilhos dependurados.

Alguém se lembra do trem de passageiros, que vinha de Sobral, e ainda não havia passado. O Antonio pequeno, espiritualmente conjuga o verbo agir e por impulso da índole pede emprestada a saia vermelha da irmã, colocando-a na ponta de uma vara. Ele e o Mesquita se apressam de encontro ao trem, para evitar um trágico acidente.

Caminham entre os trilhos, pois a noite é um breu, e a grossa chuva com clarões de relâmpagos que estalam bem próximo e com os estrondos de trovões intensificam um pavor, fazendo das trevas algo ainda bem mais pesado.  A probabilidade de ser uma vítima deste fenômeno é grande, principalmente se alguém sai numa noite de chuva forte, vendo os clarões dos raios que correm estalando como chicote nas cercas de arame farpado, ouvindo o som das trovoadas estremecerem o ar com um eco seco estridente: – Brrrrr boooom! boooom! rasgando as grossas folhas-de-flandes no céu. É natural que se tenha medo!

Com menos de um quilômetro de caminhada vislumbram o facho de luz da locomotiva que, prudentemente, vinha mais devagar do que de costume. O maquinista ver o aviso de perigo e vai parando lentamente até chegar próximo ao pontilhão estraçalhado e agradece a Deus e aos dois heróis que salvaram o trem com 200 passageiros a bordo. As pessoas vão lentamente tomando consciência de que aquela parada forçada não fora um prego nos pneus do trem, como algum engraçadinho afirmava dentro dos vagões, e sim uma benção por suas vidas que foram salvas naquela torrencial noite de abril.

O Trem volta de macha ré até a fazenda Tetéu do senhor Pedro Bandeira para pernoitar. Alguns passageiros mais abastados atravessaram a caatinga rumo à estrada onde os carros de praças ou familiares os aguardavam. Outros esperavam o dia amanhecer e tiveram que atravessar a grota nos braços do Antônio Pequeno, com água até o pescoço. O disposto Antônio ainda ganhou um bom trocado dos agradecidos passageiros do expresso ferroviário de domingo.

 Como naquele sortudo trem viajava uma delegação do LIONS CLUBE DE CRATEÚS proveniente de uma convenção em sobral, os filantrópicos leoninos com suas respectivas domadoras, agradecidos, homenagearam ao jovem Mesquita com uma digna medalha. Hoje, eu pergunto, não está na hora de se fazer justiça para história dos fatos acontecidos no dia 23 de abril de 1967, amigos Leões?

Como me disse o Antônio Pequeno, lá na sua casa, na Vila Toré da Rua Franquinha Machado: – O Mesquita não fez quase nada e foi todo merecido!

Pois se alguém me perguntar se nós temos heróis, eu direi, e com muito orgulho, que sim e são dois.

Em Cratheús, nós temos heróis, sim senhor! 
Raimundo Cândido




(No dia 12 de Dezembro de 2012 o  Lions Clube de Crateús concedeu ao Senhor Antonio Pequeno um Certificado de Reconhecimento, agradecendo pelo feito heroico que salvou muitas vidas! Foi o reconhecimento a um herói!)

Um comentário:

  1. Crateús, sem dúvida, tem seus heróis, mas também tem seus homeros para registrar as odisseias dos grandes feitos daqueles.

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