Uma letra de música, da irreverente Banda Pop Skank, entoa assim:
”Bola na trave não altera o placar
/ Bola na área sem ninguém pra cabecear / Bola na rede
pra fazer o gol / Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?” Embalei esse sonho, como milhares de crianças
brasileiras acalentaram e alimentam a esperança de ser, um dia, um jogador de
futebol.
Um
franzino e pequeno menino, o Zico, nas peladas pelas ruas de Quintino, também
acalentou. Até que um dia o radialista
Waldir Amaral vendo aquele “sonho” pincelando arte, o apelidou de Galinho de
Quintino. O Progenitor de Pelé, o Dondinho,
como o craque crateuense conhecido por Sebo, era um exímio cabeceador e chegou
a marcar cinco gols de cabeça numa só partida. Então, com o que Pelé podia
sonhar? Só precisou que o Waldemar de Brito o descobrisse, para que esse “infalível
sonho” se transformasse no Rei do Futebol, dentro de um esquadrão imortal, parte
integrante do Dream Team brasileiro de todos os tempos, o imbatível Santos de
Douval, de Coutinho, de Pelé e Pepe.
Na década
de 60, na cidade de Cratheús, aquecida pelos raios do sol como um manto dourado
no sertão, o futebol também fazia parte dos sonhos dos meninos, que assistiam aos
jogos pelos radinhos de pilha, torcendo pelo mesmo time que seus pais e depois
saiam a correr pelos campinhos da beira do rio ou nos terrenos baldios, aonde a
população despejava lixos.
Na Rua
Frei Vidal havia um colégio que aguava sonhos, não os do futebol, mas da
cidadania e do trabalho, em prol da vida, o Externato N. S. de Fátima. O aluno chamado Pedro, canelas compridas com uma
sariema, dissimula como quem nada quer, para fugir da sala de aula, pois no
sangue fervilha um forte desejo de ver realizado o sonho de se tornar um
profissional da bola. Arguciosamente abaixa-se, por trás dos colegas, e
escapole pela porta da frente, mas a fuga é percebida pela mestra, Dona Delite,
que sabendo de sua sujeição à bola, de súbito, o argúi: - Já vai fugindo de
novo, Pedro Basílio? Não faça isso! Volte, a gente vence na vida é trabalhando
com a cabeça. O menino Basílio, já no meio da rua, vira-se e responde à
mestra: - Mas eu vou vencer é com os pés, Dona Delite! E some na esquina do
mundo, atrás da concretização de seu sonho.
No
campinho poeirento do barrocão configura-se a criatividade, arredonda-se a
habilidade, tempera-se a malandragem com a bola, coisas que só os craques
adquirem, e somente na infância, pois as essenciais qualidades técnicas e
táticas vão alcançar é nos treinos duros e repetitivos dos gramados, pelo
Brasil afora.
O implacável
tempo passa desfazendo os sonhos ou tornando-os realidade. Um dia Pedro Basílio
retorna à casa da mestra, como um respeitável senhor de sorriso largo e sincero
e com uma vistosa foto na mão, vinha confirmar aquela esperança, corroborar o
diamante bruto que fora lapidado, mostra a sua imagem numa fotografia ao lado
do Rei do Futebol: Pelé. O menino traquina que sempre fugia das aulas, tinha
vencido, sim senhora, e pelos seus habilidosos pés, coisa que a professora não
acreditava.
O mundo
recebe um talento com aplausos e alegrias, se o artista tem o dom de deslumbrar
nossa alma com danças, com músicas, com pinturas, com poesias e se este
artífice é uma mistura de tudo isso, como ocorre nos bons momentos de futebol,
aí o espetáculo é de uma beleza ímpar. O crateuense Pedro Basílio
pertence ao rol dos grandes artistas deste esporte bretão e acostumou-se às
glórias, aos brilhos, aos belos espetáculos, pois foi o maior colecionador de
títulos dos campeonatos cearense. Ídolo do Fortaleza Esporte Clube que o levou
do Comercial crateuense aonde, ainda menino, jogava descalço e de lá pulou a
patamares mais altos, como o Botafogo do Rio de Janeiro, o Internacional do Rio
Grande do Sul e o Sport Club do Recife encantando platéias e emocionando os
corações de todos os torcedores por onde passava.
O
jornalista Sílvio Carlos, amigo de Pedro, afirmava: “O Basílio ajudava a todo
mundo. A generosidade dele era grande. Às vezes, pegava um bicho, em dinheiro,
e saia ajudando os vizinhos". O mesmo repórter Silvio Carlos, que
também foi diretor do Fortaleza, conta que depois de testarem uns quarenta substitutos
para o lugar do zagueiro crateuense que estava jogando no time rival, nenhum
deu certo, e resolveram passar a perna no Ceará Sporting. Programaram a troca
do ponta direita Mazolinha pelo Basilio e Sílvio ainda estava disposto a voltar
uns 500 mil Reais, na transação. Antes entregou uma boa grana ao Pedro e pediu
que bebesse uma e outras, à vontade, como gostava de fazer e que fosse à
reunião no dia seguinte, com a diretoria do Ceará, com uma feia aparência de
ressaca. Na reunião, o Silvio foi logo dizendo:
— Rapaz, se eu trocar o menino Mazolinha, por esse Pedro Basílio, que está aí neste estado, velho e acabado,
a torcida do Fortaleza vai me matar.
A
ingênua diretoria do Ceará caiu na armadinha e foram eles que voltaram 500 mil
reais. Deste ano em diante, as faixas de
campeão cearense estiveram sempre estampadas nos peitos dos tricolores, para nosso
desgosto, os alvinegros.
Basílio
deixou os gramados da vida aos 56 anos, e depois de pelejar o duro combate pela
concretização do sonho do menino que saiu das várzeas do Rio Poti e se tornar um
herói, honrado com o título de Craque
da Era Castelão, pela Crônica Desportiva e pela Secretaria de
Esporte e Cultura do Ceará (Sejuv) e como o glorioso Pelé, que foi escolhido o atleta do
século, nosso Basílio virou até nome de Troféu.
Ao
menino da Dona Maria Lica, que apanhava da irmã, toda vez que abandonava a marmita
do almoço, no meio da rua, e ia jogar bola em qualquer esquina que via uma
redondinha quicando, ao pivete bom de bola, que gostava de surrupiar os cajus nos
quintais alheios e fugia em disparada louca, já treinando sua típica
velocidade, toda nossa imensa gratidão pelos belos espetáculos nos Estádios,
Presidente Vargas, Castelão, Juvenal Melo e no campinho do Barrocão.
Pelo
privilégio de ter contemplado o talentoso Pedro Basílio elevando o nome de
nossa cidade em letras rubras, com a mesma emoção que brota do peito junto ao
distintivo do nosso clube e na fina elegância de um extraordinário craque a
desfilar com uma bola como se a amada fosse, sinto-me na a obrigação de
repassar a essa nova geração de conterrâneos, o imenso feito deste cidadão, que
concretizou um grande sonho, o sonho de vencer com a bola nos pés como prometeu
a Mestra Dona Delite, o sonho de se eternizar como o notável Maravilha Negra.
Há
pouco, sentado na Praça da Matriz, me deleitado com um animado jogo do Vozão, na Lanchonete de Edvan Viera, soube que a sua Escolinha de Futebol – ASEEJOC– já
enviara alguns atletas crateuenses para times
de Fortaleza, de São Paulo e até do Rio Grande do Sul, a terra do Poeta das Águas doces José Alberto
se Souza, que muito gosta de futebol. E rebatendo a uma letra de música de John Lennon quando
diz “O sonho acabou / O que posso dizer? / O sonho acabou” digo, com certeza
absoluta, que o sonho de um bom retorno ao futebol em nossa cidade, não acabou. E
até achei o Edvan bem parecido com o deus grego Morfeu, o moldador de sonhos. Tomara
que ele produza logo, entre os jovens sonhadores de suas categorias de base, um
substituto a altura para o Maravilha Negra do Sertão.
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