Na década de 60, quando o
cronista e professor Luiz Bezerra, num de seus passeios vespertinos pelos arredores
de Cratheús, deu, ingenuamente, carona ao capeta, o dissimulado satã pediu-lhe para
que arranjasse um emprego como fiscal do Mercado Público da cidade, pois estava
a fim de mudar de vida e que fizesse o favor de levar um recado para o Dedé do
Cinema: - Diga a ele que a sala 195, no inferno, é mais fresca que o cinema
dele. Ele não estranhará muito, quando
estiver hospedado no meu hotel!
O Cine Poti, do Dedé do Cinema
na Rua Dom Pedro II, foi um marco e por muito tempo proporcionou lazer na
cidade. Embora as fitas, na sua maioria,
fossem recheadas de pólvoras dos violentos faroestes, das estripulias de kung Fu
ou do mais (im)puro e picante sexo explicito, aqui e acolá exibia um choroso
melodrama como “Dio, come ti amo”, em preto e branco e um sucesso estrondoso de
bilheteria. Assisti, logo na estreia, acompanhado da Eva Neide, no final do salão
e em pé, pois a fila de entrada dobrava quarteirão e ficamos sem cadeira para
sentar. Quando Gigliola Cinquetti cantou: Deus como te amo / Não é possível / Ter entre os braço / Tanta felicidade..” olhei, de soslaio, para minha querida
namorada e vi lágrimas escorrendo no seu
rosto! O calor naquele salão era insuportavelmente agoniante, e acho que o
capeta tinha razão em separar uma sala no inferno só para o Dedé!
Na “Belle Époque” do Cine Poti
foi quando assisti aos filmes do Tarzan, com a Jane e a macaca chita sempre ao
lado, gritando como se tivesse uma caixa de ressonância no peito: - Oooooooohhh
Oooooh Ooh! E há quem diga que foi o único triângulo amoroso do cinema que deu
certo!
Quando o cinema era a
principal diversão do crateuense, o Cine Poti vivia de casa cheia, todas as
noites. Em 1974 o Dedé alugou um Kong Fu de sucesso, Shaolim vence Dragão, em
dois rolos de filme de 16 mm. Foi quando o inverno isolou a cidade do resto do
mundo, cortou todas as estradas. Depois de uma semana de pancadaria, de socos, de
golpes, chutes e rasteiras entre os dois lutadores a bilheteria caiu e sem a possibilidade
de pedir um filme novo. Dedé teve, então, uma feliz ideia, inverteu os rolos,
colocou o segundo no lugar do primeiro e mudou o título do filme: “Dragão vence
Saolim”. Foi outro grande sucesso, mas teve gente que saiu do cinema
comentando: - Hai vai, eles fizeram um filme parecido que aquele que nós já
assistimos!
Infelizmente o cine Poti
fechou. Fatores diversos provocaram o seu fim, bilheterias fracas, exigências
descabidas dos empresários que alugavam as fitas. Não havia lucro que
suportasse as despesas! Foram mais de dez anos de portas cerradas. As cadeiras empoeiradas foram as únicas espectadoras
de um filme de abandono e solidão!
Mas, em toda cidade há um grande
empreendedor com uma visão de oportunidade aguçada e, em Cratheús, esse honrado
cidadão chama-se Osvaldo Melo, que além de empreendedor é um cinéfilo
apaixonado e resolveu dar vida ao Cine Poti. Adquire o direito de usar o velho
prédio com toda “infraestrutura”.
O projetor de 35 mm com
geração de luz a bastão de carvão, grafite coberto com cobre, manipulado pelo carequinha
Zé Antônio que aproximava a barra positiva da negativa, gerando um potente arco
voltaico, incidindo uma luz fortíssima num espelho côncavo refletida para a película,
dando a impressão que uma leve fumacinha levava a imagem para o telão.
Foram diversos títulos de sucesso
no novo Cine Poti: Dio, come ti amo, Lua de Cristal com a Xuxa, O Dia Seguinte,
mas o povo continuava gostando era de Faroeste, kong Fu e sexo explicito.
Houve espectador que chamou mais
atenção que os atores na tela, como o Louro da Ilha, ninguém sentava perto dele
com medo de suas reações ao imitar os golpes dos lutadores, grita alto “Uuuuiiaá!
Hiiiihá!” em cada acrobacia, pulo ou voo dos lutadores. Num determinado filme
um chinês, de um salto só, atingiu o topo da árvore e o Louro se levantou da
cadeira e gritau: Huuuura!!! Oh fela da gaita escrrroto!
O Seu Artagnan gostava era dos
Faroestes, sentia-se um Bat Marteson com pistola no coldre, carabina winchester
pendendo no ombro e, na volta para casa, cantarolava “No velho oeste ele nasceu
e entre bravos se criou e uma lenda se tornou: Bat Marteson! Bat Marteson!
Mas, sem dúvida alguma, quem
marcou época nas duras cadeiras da sala quente do Cine Poti foi Seu Doura. Só assistia sexo explicito e do puro. Era ele quem sugeria os títulos dos filmes
que queria assistir: Moças com creme 1, 2 e 3, A mulher e o cavalo e os filmes
com as atrizes Vera Fischer e Nicole Puzzi. Quando a fita tinha uma história
comprida, uns falatórios sem fim, sem ir logo para os finalmente, Seu Doura ficava
impaciente na cadeira e resolvia reclamar do dono do cinema, batia com o cabo
do guarda-chuva na escadinha de ferro e gritava alto, chamando Osvaldinho pelo
apelido: - Oh, Somalinha!!! Isso é filme para baitola!
Seu Doura gostava de sentar na
sétima cadeira da sétima fila e chegava bem cedo para pegá-la desocupada.
Algumas vezes encontrava um gaiatinho sentado na sua cadeira e pedia para que
saísse, mas se fosse o Lulu Melo a briga estava feita: - Saio daqui não, ora,
ora! Tá pensando que aqui é um trem, que tem bilhete marcado? Naquele dia as
cenas de pornô não satisfaziam a libido cinematográfica de Seu Doura. Na
exibição de Moças com creme 3, Seu Doura se antecipou, foi bater na Loja Só
Malha de Osvaldinho e exigiu: - Hoje quem vai abrir o cinema sou eu, quero ver
se aquele cachorro se senta na minha cadeira. Lulu fica sabendo e vai antes
ocupar a cadeira sete do Cine Poti. Seu Doura entra contente no cinema,
pensando nas moças com creme e enxerga um vulto na sua cadeira predileta. O
sangue sobe-lhe nas veias e arremessa o guarda-chuva no rumo do elemento que sempre
perturbava a libido sexualmente cinematográfica de Seu Doura, que foi embora e
nunca mais voltou.
Um dia encontrei um “estranho
amigo” no Portão da Feira que me pediu para levar um recado para o
Osvaldinho. Fui logo cumprir a encardida
missão.
Encontrei o Somalinha na sala
de cinema particular da casa dele, ar condicionado, 52 cadeiras acolchoadas,
projetor moderno como um belo título na entrada: Sala Charles Chapim. – Bom
dia, mestre Osvaldo, que estás a pensar, tão solitário nesta sala?
- Bom dia, Professor. Estava
rebobinando na memória os protestos de Seu Dora: -Somalinha, isso é filme pra
baitola!
Depois de muitas gaitadas
entreguei o árduo recado que estava incumbido de dar: - Você sabe, né
Osvaldinho, quem só leva o recado não merece malho, mas o capeta mandou-lhe um
convite e disse que é sem direito a recusa,
você fará companhia ao Dedé do Cinema na Sala 195 do hotel dele.
Tenho a impressão de que os
dois empresários crateuense da sétima arte vão ter muito que relembrar, quando
estiverem por lá!
Raimundo Cândido
Na minha época, os filmes de sexo explícito eram considerados “filmes naturais” com fins educativos sobre doenças sexualmente transmissíveis, proibidos para menores de 18 anos, atraindo grande público ao cinema.
ResponderExcluirHavia um gaiato que costumava ridicularizar com seus comentários em voz alta os coitados dos atores que se sucediam durante a projeção da fita, até que apareceu um cara bacana, todo elegante, e ele não resistiu a se identificar com o dito cujo – “Esse é dos meus!” – e logo em seguida o ator realizou a cena mais deprimente de todas as taras conhecidas.
Não preciso dizer que a plateia se manifestou unânime – “Só podia ser!” – e o inconveniente espectador apenas teve que se retirar da sessão para não continuar ouvindo os ruidosos apupos dos demais assistentes.