Um dia, Florbela d'Alma da
Conceição Espanca, uma inquieta portuguesa sonhou: “Sonho que sou a Poetisa
eleita,/ Aquela que diz tudo e tudo sabe, /Que tem a inspiração pura e
perfeita...” e, daí, outras sábias literatas devanearam... As Coras, as Adélia,
as Cecílias e as Clarices se poetizaram no ar! Também por aqui, no sertão
crateuense, aconteceu esse mágico arrebatamento na alma feminina resplandecendo
em arroubos poéticos e as nossas pretensas poetisas foram surgindo como
borboletas nas flores. Um dia, a mais esplendida delas me apareceu, como do
nada, voando com suas asas ritmadas compondo odes sonoras dentro das minhas noites
insones e recitando hinos reluzentes nos meus cansados dias, de tal forma que
pairei, sem saber voar. Atoleimado, de tanta admiração com seu esvoaçar
poético, confundi-a com uma plumosa Primavera, gerando, assim, seu oportuno
codinome.
Ao ler um floreio lírico da minha poetisa
eleita: “Hoje não nasceu / flor alguma / de minha inverossímil / metafísica. /
A poesia está toda / fora de mim. / Nos Pássaros” entusiasmei-me e, levado por uma
forte admiração, sugeri que ela poderia fazer parte do quadro da Academia de
Letras de Cratheús. A resposta, imediata, chegou-me e em versos: “Efetivamente
este poema não serve aos fins do mercado, realizar dividendos. Nem mesmo
trocá-lo por um decassílabo no escambo poético. Fruto natural da inútil árvore
da poesia, não vale um pão com água e palito, - Que dirá um chá na ALC! Com muita
sorte não se juntará à família dos pinguins de geladeira, mas ao móbile de
pássaros da prosa de uma criança. Com muita sorte esse poema não morre!”
Demorei a perceber a aguda sutileza,
mas entendi! O Pinguim era eu e mais alguns companheiros que fazem parte
daquela agremiação literária! Fiquei a matutar na minha atual família dos
Pinguins de Geladeira.
Os pinguins, com plumagens
lisas e gordurosas, não voam, andam desajeitadamente pelo chão num misterioso
balanço que mais parecem bêbados. Dão-se muito bem na água, nadando com os
peixes ou se postam em cima das geladeiras, em pieguice brega e cafona, exibidos
em risível inutilidade. São atrofiados em asas, no canto e no fazer poético!
A ALC é meu bloco de gelo, mas
deixo toda petulância de querer ser o que não sou, de querer ser poeta ou
escritor e desço da minha torre de marfim. Concordo com a poetisa Primavera,
não passo de um pinguim vulgar no topo de uma geladeira e não chego nem a poetastro!
Então, caro leitor/testemunha
desta assumida aceitação pinguinácea, deixe lhe apresentar os meus companheiros
e companheiras pinguins que compõem a já carcomida Academia de Letras de Cratheús.
Podem até pensar que estou jogando titica num ventilador literário, mas é uma
forma de assumir mea culpa, mea maxima culpa por conhecer, e muito bem, o grupo
de “inoxidáveis” acadêmicos pinguins, os imortais da ALC.
Aquele Templo Ecumênico, em
quase nove anos de existência, está longe de cumprir os verbos promover,
incentivar, propagar, estimular e realizar por onde começa o seu belo estatuto.
A ALC está mais para exibir-se como um pavão, como uma geladeira repleta de
pinguins. Em seu quadro efetivo há pinguins para todos os gostos e pouquíssimos
para as atividades literárias.
Há os pinguins dinossauros, pinguins
reais que se acham a última cocada preta e que vivem na terra do nunca pensando
que escrevem, com pena de ouro, toda a prepotência e orgulho de uma raça. Às
vezes se mostram gananciosos e matreiros, mas não passam de velhos pinguins de
geladeira!
Há os pinguins escrevinhadores
e, por nunca lerem um livro sequer, redigem muito mal, a preguiça de escrever
os consumiu, mas se exibem, também, no topo da geladeira da ALC.
Há os pinguins que mergulharam
nas águas gelada do submundo literário e sumiram, ficaram invisíveis e também
pavoneia por aí, como aves marinhas sem cantar e sem voar.
Há pinguins que só vivem para
as atividades político-partidárias, alguns de irresponsabilíssima extrema
direita gladiando-se ferozmente com outros que adormeceram nas fronteiras de um
socialismo utópico, nada útil para uma literatura de iniciantes. Pinguins que caxingam
por territórios quiméricos, capengam como os guerreiros glaciais!
Existem os pinguins que nem
pinguins parecem! São pseudopinguins que estão lá como estranhos enfeites, penduricalhos
na porta do congelador. Não voam, não nadam, não andam, não grulham em voz
rouca e são incapazes de escrever uma vírgula sequer, embora possuam belos
textos e livros publicados. Esses letristas sem letras são uns mágicos
pinguins! Acho que sempre pedem ajuda aos pinguins universitários!
O refrigerador da ALC é um
ancoradouro de pinguins católicos, protestantes, agnósticos, ateus, alegres,
tristes, ditos poetas, declarados cordelistas, proferidos escribas, mas todos
em altíssimos débitos com os verbos promover, incentivar, propagar, estimular e
realizar por meio da ALC a singeleza do verbo, o fascínio da cultura ou a
liberdade da palavra.
E, antes que a nova Era
Glacial congele meu coração de pinguim, aceito o convite da poetisa Primavera.
Vou tentar aprender a voejar, versejar, grafar, redigir mesmo com minhas asas
atrofiadas e o andar capenga de bêbado. Conduzido pela Primavera, a mais intrépida
poetisa do sertão, ainda deixarei de ser um simples Pinguim de Geladeira. Hasta
la vista, ALC!
Raimundo Cândido
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