quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

NATAL SEGUNDO OS BICHOS (Elias de França)

É alvorada. O Sol desenha o arrebol no horizonte rasgando as ultimas penumbras da noite. O bem-te-vi acorda, alonga as asas, vê o mundo iluminado com um brilho especial. É um raio eterno, intenso, sublime, profundo. E pia:
- Ele vem aiiiiiiiiiiiiiií!
O cancão, de lá da moita de mufumbo, põe-se a pular de galho em galho, olhando curioso em todos os cantos, a indagar:
- Quem-quem? Quem-quem?
O bezerrinho que acaba de nascer, enquanto tenta encontrar as tetas da mãe, berra de lá:
- um deeeeeeeeus! Deeeeeus!
Do galho mais alto, o pássaro gorgoró afia sua garganta para anunciar:
- agogogogogogogoooooora!
Então, o bem-te-vi emerge em voo, subindo céu-a-pino, e do alto azul, enxerga a revelação, gorjeia seu gozo em pleno ar, depois mergulha veloz em direção a sua estaca, enquanto o galo, no seu poleiro, bate as asas a gritar:
- Jesus Cristo nasceeeeeu! Jesus Cristo nasceeeeu!
A vaca, virando-se de súbito, balança seu chocalho a perguntar:
- Aooooonde! Aoooooooooonde!
Ao que a ovelha responde com seu berro trêmulo:
- Beleeeeem! Beleeem!
O bem-te-vi, de volta à estaca, saltita eufórico:
- bem que vi! Bem que disse! Bem que disse! Bem que disse!
A ninhada de pintinhos piam sem parar:
- viu? viu? viu? viu? viu? viu? viu? viu? viu? viu? viu? viu?
A rolinha fogo-apagou repete em sequência:
- Cristo chegou! Cristo chegou! Cristo chegou! Cristo chegou!...
O vem-vem decola animado do galho, em voo rasante sobre o pasto a convidar:
- vem ver! Vem ver! Vem ver!
O peru apressa a todos, arrastando suas asas no chão e gritando alto:
- logo! Logo! Logo! Logo!
-logo! Logo! Logo!
O bando de galinhas d’angola salta do poleiro a proclamar em coro:
- que fato! que fato! que fato! que fato! que fato! que fato! que fato! que fato! que fato!
O pato acompanha balançando o pescoço e apontando a direção com o bico a exclamar:
- de fato! De fato! Fato! Fato!
A lagartixa, pregada no tronco da árvore, tentando descer, vai concordando com tudo balançando a cabeça juntamente com o pato.
Cuspindo entusiasmo, o bode pai-de-chiqueiro bodeja de lá:
- bom bom bom bom bom bom!
E o gavião rapina concorda:
- si-iiimmm! si-iiimmm!
o cavalo, o burro e o jumento soltam suas risadas, as galinhas caem na gargalhada:
-rim rim rim rim hun!
-Hoooooonn Urrrr hoon urrr hon ur hon ur hon!
- cocococococo! cocococococo!
O sabiá, tomando de seu bico de caneta, passa a gorjear sua canção típica, composta exclusivamente para aquele momento especial:
- que bom
Quem bom é ser
Estar aqui pra crer e ver
Menino deus nascer, nascer!
O galo de capina, excelente imitador que é, não perde tempo e passa a fazer coro com o refrão do sabiá, enquanto toda a bicharada se espalha nas florestas, campos, terreiros e quintais para viver um novo dia de uma nova era, porque, enfim, o mundo,desde ali, ganhara um salvador, fonte do amor, da misericórdia e do perdão eterno.
E ainda que, um dia, os homens se esqueçam serem eles as criaturas com imagem e semelhança do criador, que as luzes de natal se apaguem, que o significado do nascimento do menino deus seja associado tão somente à ocasião ideal para vender, comprar e consumir modernidades, que a figura comercial do papai Noel tome o lugar do cristo, enquanto houver alvorada e os animais enxergarem os raios do sol, haverá natal na voz dos bichos e nos corações iluminados. Pois que eles testemunharam, eles haverão de rememorar em todas as manhãs de todos os dias, enquanto houver tempo e vida na Terra.


Raimundo Cândido disse...
Excelente texto onomatopéico com uma mensagem "divina". O Thalles ( meu filho) vibrou com a leitura que fiz para ele!Valeu poeta!Sexta-feira, 24 Dezembro, 2010

SABi CRATEÚS disse...
É sempre gostoso demais ouvir suas histórias de contador sertenejo, raízes plantadas em nosso chão... é uma felicidade! É um prazer que nos motiva e orgulha. Parabéns pelo texto. Haveremos de contá-lo muitas e muitas vezes em nossos encontros de amor à arte, em rodas de criança e alegria, sempre celebrando a esperança de um mundo melhor.
Lourival
Sexta-feira, 24 Dezembro, 2010
Elias disse...
Honra-me e alegra a sorte de pertencer a um grupo tão talentoso de homens e mulheres, amantes das artes e da vida. Nossa essencia animal e sertaneja encontra morada certa no que somos enquanto meio, este ser meio entre vocês. Obrigado por fazerem as letras de nossa gente, lerem e promoverem a leitura!

2 comentários:

  1. Excelente texto onomatopéico com uma mensagem "divina". O Thalles ( meu filho) vibrou com a leitura que fiz para ele!Valeu poeta!
    Raimundo Candido

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  2. É sempre gostoso demais ouvir suas histórias de contador sertenejo, raízes plantadas em nosso chão... é uma felicidade! É um prazer que nos motiva e orgulha. Parabéns pelo texto. Haveremos de contá-lo muitas e muitas vezes em nossos encontros de amor à arte, em rodas de criança e alegria, sempre celebrando a esperança de um mundo melhor.
    Lourival

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