sexta-feira, 26 de agosto de 2011

   


                                                                            LIS

No décimo oitavo andar.
– Lis?
–Pois não!
– Há muito tempo desejava lhe visitar.
Ela estranha esta declaração de uma pessoa que não conhece.
– Qual o seu nome?
– Rivera Yazid. Posso entrar?
Num ato mecânico, Lis dá acesso ao corpo esguio, vestido com simplicidade, mas com elegância.  
Ela examina as presenças na sala. Mesas de mármore. Cristaleira protegendo as taças antigas. Estantes horizontais repletas de livros. Telas de artes anulando a imparcialidade das paredes. Iluminação ambiente sem arrogância. Nada mudou. Tudo é ontem - pensa Rivera.
– Não se preocupe com minha visita. Eu e seus pais fomos grandes amigos. Você nem era nascida quando nós criamos momentos agradáveis aqui. Ouvimos músicas. Bebemos vinhos. Comentamos escritores e livros. Nem percebíamos o amanhecer.
Lis ouve com aplicação.
– Só recentemente eu soube do falecimento da sua mãe.
– Foi há três anos. Como você observou, este apartamento continua o mesmo. É a minha invocação para mamãe permanecer comigo. Ela justificou a presença dela neste mundo.
– Compreendo. A morte é uma tragédia interminável.
– Quando começou a amizade de vocês?
– Nossos pais se conheceram na juventude. Ainda crianças, moramos em cidades vizinhas, mas constantemente nos encontrávamos quando seus avôs iam nos visitar. Na minha adolescência meus pais se mudaram para Sete Estrelo, bela cidade onde sua mãe morava. E nos tornamos mais próximas. E mais amigas. Após concluir o ensino médio, fui cursar faculdade em outro Estado. Meses depois seus pais saíram de Sete Estrelo. Passamos duas décadas sem nos encontrarmos. Após minha aposentadoria, resolvi morar nesta cidade. E descobri que sua mãe residia aqui. Retomamos nossa amizade. Aí, a morte em dominó: o assassinato do meu marido, a morte do seu pai... e, por fim, o falecimento da sua mãe.
Silêncios vizinhos.
– Mas tudo bem. Não viemos para ficar aqui. Estamos apenas de passagem. Diz Rivera.
E elas conversam sobre livros e escritores, degustando vinhos de boas safras. 
– Já é tarde, Lis. Preciso voltar.
– Acompanho você até a portaria.
Dia seguinte, noite de segunda feira, Lis descongestiona a caixa postal. E ler: “Lis, muito obrigada por sua hospitalidade. Eu precisava matar saudades antigas”.
Era uma psicografia de Rivera Yazid, falecida há anos.

Silas Falcão

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