domingo, 9 de outubro de 2011


Só vim anunciar os teus cem anos de solidão!

                 Só vim anunciar os teus cem anos de solidão, é o que nos diria se vivo fosse, o mago mensageiro Fausto Araujo com seu olhar à Camões e com sua singularidade assombrosa na memória de mil Megabits para nos recordar, nesta hora, essas doces reminiscências:
— Só vim examinar essas traves de porteiras que se perderam no tempo, carcomidas, amofinadas com tuas longínquas lembranças, que nem mais se atenta ao aboio de fim de tarde. tocando tuas vacas magras para uma solta de cinzentas pastagens e que ainda sustenta a tua ilusão.
— Só vim rever aquelas ruas de outrora, após suportar teus tristes dias as quais ainda te faziam mil e uma libertinas noites com suas oferecidas putas perambulando cheias de luzes. com uma falsa alegria que sempre desabava em outras mil solidões.
— Só vim, novamente, pé ante pé, percorrer os interruptos dormentes de tua velha ponte de ferro quando o memorável Vagão do Sonho Azul apitava e já entrevia a estação amontoada de esperas, abarrotada de impacientes olhares num cair da tarde de domingo.
— Só vim perambular pelos poéticos terrenos baldios onde antigamente se instalavam aqueles fantásticos parques de diversões com seus megafones de voz aveludada, irradiando apaixonadas mensagens da uma fulana para um beltrano, numa melosa declaração de amor. 
— Só vim rodopiar, mais uma vez, na tua velha praça da matriz que se descortinava giroscópica, onde um doce olhar de uma flor-menina te contemplava ao dançar em circunvolução, num vai-e-vem de cheiro de pétalas a te embriagar.
— Só vim excitar-te num alumbramento de mais uma noite natalina, com tua roupa nova de pano de brim, cosida pelas dedicadas mãos de Dona Janoca, aonde nas barracas da praça te regalavas com bolo de milho e aluá admirando-se dos arremates das prendas na quermesse.
 — Só vim atender ao apregoar dos teus mercadores de feira-livre, em uma desordem poética, anunciando feijão de corda e rapadura, chapéu de palha e melancia, onde o cheiro de torresmo saturava o ar junto ao aroma da panelada e ao sabor de uma gostosa salada.
— Só vim abrandar os medos que te pernoitam, desde que te aterrorizou Miguel&Prestes com o fantasma do Capitão Pretinho a te enfrentar de peito aberto e se percebia pelas fendas das portas o zinido das balas anexado a uma ordem: “Poupa munição cabra do Prestes!”
— Só vim até aqui para te alertar, preste atenção nestas eleições, muito cuidado com esses indivíduos públicos obsequiosamente prestativos, não passam de lobos astutos e espertos que só querem te surrupiar, sugar a tua pletora aorta como um bando de vampiros, já se habituaram a viver da tua deleitosa sombra e ditosa guarida. 
— Só vim reouvir a melodia do rio Poti a correr velozmente pelas pedras da goela, a algazarra da meninada pulando das pontes e lá na sinuosa curva do poço da roça rever Mestre Batista que se eterniza pescando as ribeiras paisagens que as águas sempre levam.  
— Vim, outrossim, fiar uns tijolos de rapaduras e uma terça de farinha nas inesquecíveis bodegas da Rua Frei Vidal, no amigo Joaquim Flor, senão lá no final da rua, com um dos dois famosos bodegueiros, o folclórico Raimundo Fernandes ou o honestíssimo Raimundo Cândido.
— E por fim, vim te anunciar que o tempo não pára, a saudade é que faz as coisas pararem no tempo e que és uma cidade digna de melhores dias, pois  de tua centenária solidão emanará a força para o que haverás de ser e unicamente busque no olhar de ontem a visão do teu novo amanhecer. Ainda confiante numa gratificação... tenho dito, Fausto.

Raimundo Candido

Paulo Nazareno disse...
Impressionante! Parabéns Raimundinho, irretocavel.
Lourival Veras disse...


Amigo Raimundo, a cada dia fico mais encantado com sua produção. E quando você toca nossa memória de menino (eu que tive o prazer de conhecer Fausto quando vinha em minha casa anunciar os aniversários do mês), parece-me ainda mais imprescindível apreciar a beleza de seus textos. Parabéns!
Segunda-feira, 10 Outubro, 2011

2 comentários:

  1. Impressionante! Parabéns Raimundinho, irretocavel.

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  2. Amigo Raimundo, a cada dia fico mais encantado com sua produção. E quando você toca nossa memória de menino (eu que tive o prazer de conhecer Fausto quando vinha em minha casa anunciar os aniversários do mês), parece-me ainda mais imprescindível apreciar a beleza de seus textos. Parabéns!

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