quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Os Galos das torres


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Passava, displicentemente, pelo pátio da igreja quando ouvi, perfeitamente audível, um dos galos que assim falava:
— Que vida é essa, meu amigo Bonfim? Diariamente acordamos essa paupérrima cidade, há tantos e tantos anos, e ninguém sequer olha se ainda estamos vivos, aqui no topo dessas eretas torres.
— Calma, camarada Macedo - respondeu o outro que tem o pescoço uns  milímetrozinhos mais elevado que seu galiforme colega - sempre foi assim, desde o começo dos tempos. Bem sabes que só existiram três galos em toda nossa história galinácea que ganharam fama e prestígio pelo que eficazmente realizaram. Está lembrado do galo de Santo Domingo? No caminho de Santiago de Compostela, foi realmente incrível! Já estava bem assado no prato daquele irredutível juiz, que disse:
 — Solto o jovem Hugonell, quando este galo cantar novamente. Imediatamente o assado enfeitou-se de penas e cantou para um espanto geral, saiu correndo e ainda está vivo por lá, no Gallinero. Recorde-se, caro colega, do poético galo de João Cabral, foi uma afirmação daquele velho ditado “Água mole em pedra dura...”, tanto cantou aos extensos ouvidos do pétreo vate pernambucano que este acabou por entender como é que as manhãs realmente se fazem. E por fim, o maioral, o nosso galo dos galos, aquele que azucrinou o impulsivo São Pedro, após ter negado Cristo três vezes, que depois foi chorar amargamente. Pena, que muitos dos homens e mulheres, aí embaixo, até agora não entenderam, amigo Macedo, que nosso canto leva, além de um grande alerta, uma velha e penetrante pergunta:
  Quantas vezes você tem negado a Jesus? Será que estão surdos, Macedo?
 — É amigo Bonfim, você tem razão, mas um pouco de reconhecimento não seria nada mal para o que temos feito e sofrido por essa gente. Você se lembra daquele imenso vendaval, daquele horroroso turbilhão que lhe arrancou deste pedestal e nem os desesperados “cruz-credo” das beatas lá embaixo lhe salvou de um vôo forçado ao duro chão!
— Acho que você esta precisando é de umas boas férias, meu debilitado amigo! Seus pobres neurônios estão a derreter pela inclemência deste sol escaldante, que há tanto tempo está a nos queimar sem direito sequer um abrandante sombreiro, é para isso mesmo! Não foi um vendaval, ou coisa nenhum, foi só o ciúme daquela alvacenta coruja, que também já estava a caducar na convivência daqueles vampirescos e fétidos morcegos. De tanto pousar em meu ombro, bicando o cocuruto, soltou-me deste pedestal e graças a bondade daquele padre, seu xará, estou novamente no meu poleiro.
— É amigo, nosso canto sempre diz: Desperta, tu que dormes! Se boa parte desta cidade continua a dormir, mesmo com tanta luz incidindo sobre seus olhos, eu, mesmo velho e caduco, continuarei alertando esse povo com meu inaudível canto, para que os ímprobos não continuem a cantar de galo neste áspero chão onde alguém um dia semeou um grão de esperança, como uma forma de igualdade e justiça para todos.  
— Concordo amigo, Macedo, vamos continuar a cozinhar o galo e seguir a cantar, sim, do alto destas brancas torres o tempo que necessário for, para que um dia nosso canto possa ser ouvido assim: Amigo, quantas vezes você tem afirmado Jesus hoje??? Nem que volte aquele velho tempo em que as galinhas tinham dentes!

 Raimundo Candido

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