sábado, 22 de outubro de 2011

                                                            O MARAVILHA NEGRA
Há um ditado popular muito conhecido que diz: Todos os frutos do futuro dependem de uma semente que é cultivada neste instante. É uma incontestável verdade, um princípio implacável, que sempre contemplamos no serenar da poeira do tempo: a esperança de todas as colheitas reside no cuidado especial que damos a nossas sementes.
                Na década de 60, numa cidade bucolicamente interiorana, como Crateús, orvalhada constantemente por liquefeitos raios de sol que permitiam o semear da vida aos quatro cantos deste sertão olvidado de meu Deus, a esperança estava embutida em algumas promissoras sementes.   
Uma expectativa é uma aspiração veemente e este vivo desejo caminhava sobre umas pernas compridas rumo ao colégio, no saudoso Externato Nossa Senhora de Fátima, local onde sempre se aguava todas as boas sementes. Já em plena sala de aula, num jovem chamado Pedro, bem sentado em seu banquinho e com o material escolar apoiado numa retangular mesa, fervilha um desejo que lhe governa a índole e dominava o coração. Arguciosamente dissimula como quem nada quer e para escapulir, mas logo era percebido por sua mestra, que de súbito o arguia: — Vai fugindo de novo, Pedro Basílio? A professora, Dona Delite, sabia de sua sujeição à bola, só não acreditava que aquele sonho fosse possível e ainda ordenava:         — Volte Pedro, a gente vence é trabalhando com a cabeça. Aquele menino vezeiro em fugir do seu colégio para jogar bola no campinho do barrocão tinha uma grande aspiração e ia regá-la agora, pois sabia que todo homem é do tamanho do seu sonho e a plantinha tinha que crescer em talento e arte que já se despontava enchendo os olhos de quem assistia seu belo futebol. Ainda olhou, rapidamente, para trás e respondeu a sua mestra: — Mas eu vou vencer é com os pés! E sumiu na esquina do mundo atrás desta concretização.
                Um belo dia retorna à casa da mestra, como um respeitável senhor de sorriso largo e sincero e com uma vistosa foto na mão, vinha confirmar aquela esperança, corroborar o diamante bruto que fora lapidado, mostra a sua imagem na fotografia com ninguém menos que o Rei do Futebol: Pelé. O menino traquina que sempre fugia das aulas, tinha vencido, sim senhor, e pelos seus habilidosos pés.
O mundo sempre recebe o talento com aplausos e alegrias se o artista tem o dom de deslumbrar nossa alma com a dança, com a música, com a pintura, com a poesia, se este artífice é uma mistura de tudo isso, como ocorre nos bons momentos de futebol, aí o espetáculo é de uma beleza ímpar.  O crateuense Pedro Basílio pertence ao rol dos grandes artistas deste esporte bretão acostumado às glórias, aos brilhos e aos belos espetáculos, pois foi o maior colecionador de títulos dos campeonatos cearense. Ídolo querido do Fortaleza Esporte Clube, que o levou do Comercial onde ainda menino jogava descalço, e de lá pulou a patamares mais altos, como para o Botafogo do Rio de Janeiro, o Internacional do Rio Grande do Sul e o Sport Club do Recife encantando platéias e emocionando os corações de todos os torcedores por onde passava.
O jornalista Sílvio Carlos, um de seus grandes amigos afirma: “O Pedro ajudava todo mundo. A generosidade dele era grande. Às vezes, pegava um bicho, em dinheiro, e saia ajudando os vizinhos".  O mesmo repórter Silvio Carlos, que também foi diretor do Fortaleza, conta que depois de testarem uns quarenta substitutos para o lugar do zagueiro crateuense, que estava jogando no time rival, nenhum deu certo, e resolveram passar a perna no Ceará Sporting. Programaram a troca do ponta direita Mazolinha pelo Basilio e o Sílvio ainda tava disposto a voltar uns 500 mil Reais. Antes entregou uma boa grana ao Pedro e pediu que este bebesse uma e outras, e fosse à reunião no dia seguinte, com a diretoria do Ceará, com uma feia aparência de ressaca. Na reunião o Silvio logo foi dizendo:
 — Rapaz, se eu trocar o menino Mazolinha, pelo Pedro Basílio, que está assim neste estado, velho e acabado, a torcida do Fortaleza vai me matar.
 A ingênua diretoria do Ceará caiu na armadinha e ainda foram eles que voltaram 500 mil reais. Deste ano em diante, as faixas de campeão cearense estiveram sempre estampadas nos peitos dos tricolores.
Basílio deixou os gramados da vida depois de 56 anos de pelejar o duro combate pela concretização do sonho do menino que saiu das várzeas do rio Poti e se tornou herói, honrado com o títuo Craque da Era Castelão, pela Crônica Desportiva e pela Secretaria de Esporte e Cultura do Ceará (Sejuv) como o glorioso Pelé foi como o atleta do século, nosso Basílio até virou nome de Troféu.
 Ao menino da Dona Maria Lica, que apanhava da irmã quando abandonava a marmita com seu almoço, para jogar em qualquer esquina, ao pivete bom de bola, que gostava de surrupiar caju nos quintais alheios e logo fugia correndo, já treinando sua típica velocidade, toda nossa imensa gratidão.
Pelo privilégio de ter contemplado o Maravilha Negra, elevando o nome da cidade  Crateús em letras rubras de emoção que brotavam do seu peito, antes mesmo do distintivo do seu próprio clube, numa fina elegância de um extraordinário craque, a desfilar com a bola como se fosse uma amada sua, a obrigação de repassar a esta recente geração, o grande feito de um cidadão.

Raimundo Candido

Jose Albeto de Souza disse:


Suas crônicas são verdadeiros cartões postais de sua simpática Crateús, tão rica de panoramas e tipos humanos, que nos convidam a visitá-la e apreciar a hospitalidade da sua gente.
Numa postagem anterior tomei conhecimento da homenagem prestada a Dª Delite (sua genitora?), também citada nesse relato memorialístico.
Quantas sementinhas não foram regadas através de suas delicadas mãos... 

João Silas Falcão Soares disse:
Bela crônica, Poeta. O seu faro mental continua descobrindo bem. Outro dia do segundo semestre do ano passado assisti uma reportagem sobre o Pedro Basilio triste, moribundo da alma, dos pensamentos e relembrei as alegrias distribuídas pelos estádios brasileiros nos mementos dos seus gols. Rememorei também a sua imagem altiva, vitoriosa na calçada da sorveteria do Lourinho, na Praça da Matriz de nossa cidade, numa noite de natal da década de mil novecentos e setenta e quatro. No final do primeiro semestre deste ano uma reportagem negra, amarga, pôs luto nas residências cearenses. Após tantas alegrias, Pedro Basilio morreu sem nenhum sorriso.

Valeu pela crônica resgate, Raimundinho.

2 comentários:

  1. Suas crônicas são verdadeiros cartões postais de sua simpática Crateús, tão rica de panoramas e tipos humanos, que nos convidam a visitá-la e apreciar a hospitalidade da sua gente.
    Numa postagem anterior tomei conhecimento da homenagem prestada a Dª Delite (sua genitora?), também citada nesse relato memorialístico.
    Quantas sementinhas não foram regadas através de suas delicadas mãos...

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  2. Bela crônica, Poeta. O seu faro mental continua descobrindo bem. Outro dia do segundo semestre do ano passado assisti uma reportagem sobre o Pedro Basilio triste, moribundo da alma, dos pensamentos e relembrei as alegrias distribuídas pelos estádios brasileiros nos mementos dos seus gols. Rememorei a sua imagem altiva, vitoriosa na calçada da sorveteria do Lourinho, na Praça da Matriz de nossa cidade, numa noite de natal da década de setenta. Alguns meses passaram e outra reportagem invadiu as residências cearenses noticiando o falecimento dele. Após tantas alegrias distribuídas nos momentos das vitórias, Pedro Basilio morreu sem nenhum sorriso.
    Valeu pela crônica resgate, Raimundinho.

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