segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Prece à Madrugada

Às auroras,
a maestrina do coral de galos rouba-me o sono
para eu assistir às árvores orvalhadas
posarem em êxtase, qual figurantes,
em continência ao leste espetacular.


Pássaros sacodem as asas,
piam concertos improvisados,
saúdam o menino-sol, que emerge
rasgando a placenta de névoa da madrugada.


 Revela-se o dia,
mal-escondido num véu de neblina,
e a imensidão é um mar perfumado
exalando um cheiro úmido de vida fértil
e um gosto de eternidade sobre a minha carne.


 Temo que, na aurora,
pássaros sacudam as asas sem que eu os escute assobiarem,
e o sol rasgue a névoa, mas negue-me seu calor.


Temo que, na aurora,
eu tenha que esconder meus olhos do dia mal-escondido;
a imensidão seja um mar perfumado inodoro ao meu olfato
e minha carne não mais degusta o sabor de eternidade.  


 Temo, de toda minha alma,
oh, maestrina do cantar dos galos,
que tu te esqueças de roubar meu sono
e, tão cedo, deixe-me dormir para sempre,
sem aurora, sem dia, sem nada...
E as árvores orvalhadas batam continência
em homenagem última ao meu ocaso.


Elias de França, do Livro Cantigas do Oco do Mundo - 2002

Raimundo Candido disse...
Poeta! O que mais dizer... Só roubar duas palavras da última estrofe e BATER CONTINÊNCIA:  POETA!!!   POETA!!!   POETA!!!

Um comentário: